Em nota divulgada nesta segunda-feira (23), entidades associadas ao setor jurídico denunciaram que um golpe de estado está em curso no Brasil por meio de Medidas Provisórias (MP) de Jair Bolsonaro, como a MP 927, publicada no último dia 22 de março de 2020, que previa a suspensão de contratos de trabalho por quatro meses.
De acordo com o jornal O Globo, uma nova MP será editada, prevendo a suspensão dos contratos, mas com pagamento de parte do salário pelo empregador (50%) e uma parcela de complementação pelo governo (25%). Neste caso, a perda seria de 25% para o trabalhador.
Segundo o documento, a MP visava “dispensar o governo de dar conta de seus gastos e de suas escolhas políticas, em um momento de crise sanitária”. Para os signatários, trata-se de uma “clara tentativa de estender a calamidade pública que já se instaura em razão da covid-19 às pessoas que vivem do trabalho, retirando-lhes a possibilidade e possibilidade de sobrevivência física”.
A denúncia reitera que enquanto outros países “buscam garantir manutenção do emprego” e a Organização Internacional do Trabalho (OIT) se manifesta enfatizando a importância da proteção social durante a pandemia, o governo de Jair Bolsonaro faz proveito da crise sanitária para atacar aos direitos sociais trabalhistas.
“A MP convalida o ilícito: o uso de trabalho em situação análoga a de escravo, ou seja, de trabalho não remunerado”, diz a denúncia, que reitera: “não se vislumbra outro objetivo do que a criação de caos social e de esgarçamento das relações que permitem a sobrevivência digna, apostando num verdadeiro genocídio, a ponto de criar o caldo necessário à instauração de um governo autoritário e sem qualquer compromisso com os parâmetros democráticos.”
Leia a íntegra do documento:
Leonardo Sá / Agência Senado
Esplanada dos Ministérios
As entidades abaixo nominadas vem DENUNCIAR, nacional e internacionalmente, que está em curso no Brasil um golpe de estado, revelado pela utilização abusiva do Decreto nº 06 de 2020, cujo artigo 1º reconhece que as medidas de exceção estão sendo adotadas “exclusivamente para os fins do art. 65 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000”, ou seja, para dispensar o governo de dar conta de seus gastos e de suas escolhas políticas, em um momento de crise sanitária, enquanto se pretende utilizá-lo para além disso. E mesmo que tal decreto não autorize a extensão da exceção por meio de Medida Provisória, no último dia 22 de março de 2020 o governo publicou a MP 927, que revela clara tentativa de estender a calamidade pública que já se instaura em razão da COVID-19 às pessoas que vivem do trabalho, retirando-lhes a possibilidade de sobrevivência física.
Enquanto outros países buscam garantir manutenção do emprego e a OIT manifesta-se salientando a importância da proteção social durante a pandemia, o governo brasileiro aproveita-se da crise sanitária para deflagrar mais um ataque aos direitos sociais trabalhistas. O texto da MP 927, com suas ilegalidades, torna a relação de trabalho uma benesse do empregador, chegando mesmo a desnaturar o contrato de trabalho, subtraindo uma de suas principais características, a onerosidade, além de disciplinar a conversão da quarentena em férias ou “feriado antecipado”, autorizar prorrogação de jornada para quem já está exposto na área da saúde ou a prática de afastamento sem remuneração, como se fosse possível sobreviver sem salário. Suspende exigências em saúde e segurança do trabalho, quando o que mais precisamos é exatamente redobrar esses cuidados. A MP convalida o ilícito: o uso de trabalho em situação análoga a de escravo, ou seja, de trabalho não remunerado.
A previsão de que a situação de precariedade se mantenha por até 270 dias, mesmo que a crise sanitária esteja sendo prevista para um período de, em média, 150 dias, revela seu verdadeiro intento. Não há preocupação com a saúde do povo, mas sim o uso perverso da pandemia, para retirar ainda mais direitos.
Por isso mesmo, não se vislumbra outro objetivo nessa medida, do que a criação de caos social e de esgarçamento das relações que permitem a sobrevivência digna, apostando num verdadeiro genocídio, a ponto de criar o caldo necessário à instauração de um governo autoritário e sem qualquer compromisso com os parâmetros democráticos.
Por tais razões, denunciamos publicamente o governo e exortamos as instituições democráticas a adotarem providências necessárias para inviabilizar a aplicação da MP 927 e afastar imediatamente o governo eleito, em razão da reiterada prática de atos de absoluta irresponsabilidade diante da gravidade do momento que enfrentamos.
AJD – Associação Juízes para a Democracia
ALJT – Associação Latino-americana de Juízes do Trabalho
ABRASTT – Associação Brasileira de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora
ABRAT – Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas
JUTRA – Associação Luso-brasileira de Juristas do Trabalho
Frente ampla em Defesa da Saúde dos Trabalhadores
MATI – Movimento da Advocacia Trabalhista Independente
Instituto Trabalho Digno
IPEATRA – Instituto de Pesquisas e Estudos Avançados da Magistratura e do Ministério Público do Trabalho
AGETRA – Associação Gaúcha dos Advogados Trabalhistas
DIESAT – Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e dos Ambientes de Trabalho
FEJUNN-RJ – Frente Estadual de Juristas Negras e Negros do RJ
IBDU – Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico
AJURD – Associação de Juristas pela Democracia
Comitê em Defesa da Democracia e do Estado Democrático de Direito
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