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ToggleA pandemia do Covid-19 conseguiu atrasar até o dia 25 de outubro de 2020 o plebiscito sobre o processo constitucional para redigir uma nova constituição no Chile, o qual estava previsto para 26 de abril, foi anunciado hoje em um consenso de partidos políticos.
A perspectiva é de que no fim de abril se alcance o pico de contágios – com até 100 mil pessoas infectadas, segundo disse o ministro da Saúde, Jaime Máñalich – e, portanto, isso possa prejudicar severamente a participação cidadã no plebiscito e com isso a legitimidade do que for resolvido, o que fez com que os dirigentes políticos se apressassem a fixar novas datas para todo o calendário eleitoral do país neste ano.
Até hoje no Chile houve 342 casos confirmados –se estão duplicando cada dois dias- mas uma projeção do Ministério da Saúde informa que no que resta do mês poderia chegar-se à cifra de 43 mil contágios.
“É uma boa notícia, porque 15 partidos políticos de nossa país conseguiram um acordo em torno à mudança do calendário eleitoral que havíamos definido para o ano de 2020, isto pelo impacto do coronavírus que está afetando a saúde de nossos compatriotas. De coração agradeço este esforço, que em política é difícil”, indicou a presidenta do Senado, Adriana Muñoz.
Efetivamente, não apenas a realização do plebiscito foi reprogramada de abril para outubro, mas também para 29 de novembro as primárias de prefeitos municipais; foram atrasadas de 26 de outubro de 2020 até 4 de abril de 2021 as eleições municipais, de governadores regionais e dos constituintes. E um segundo turno programado para 2 de maio, para os aspirantes a governadores que não alcancem a maioria necessária.
Tanto a Câmara de Deputados como o Senado deverão aprovar agora diversas reformas legais, entre eles uma constitucional, para fixar formalmente as novas datas.
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Tanto a Câmara de Deputados como o Senado deverão aprovar agora diversas reformas legais
Terrorismo sanitário
Há apenas uma semana, a possibilidade de postergar o plebiscito havia sido insinuada pelo ministro Máñalich, mas de imediato pela oposição e também pela sociedade civil o funcionário foi acusado de fazer “terrorismo sanitário” e viram nisso uma tentativa de sabotagem à consulta constitucional, muito resistido pela direita defensora da Constituição pinochetista de 1980.
Mas, tanto severas advertências formuladas pelo Colégio Médico acerca dos riscos iminentes à saúde pública, ademais de recomendações urgentes para incrementar as medidas de isolamento social, assim como a evidência diária da expansão da pandemia, fizeram com que até os mais combativos e/ou radicais pela mudança constitucional, acabassem por se convencer de era impossível levar adiante, exitosamente, o plebiscito nas condições sanitárias que se avizinham nas próximas semanas.
Há alguns dias circulou pelas redes sociais um “comunicado elaborado e difundido por parte dos grupos que se articularam na Primeira Linha da Praça da Dignidade de Santiago”, aquele grupo de mulheres e homens que costuma enfrentar violentamente a polícia, às vezes diariamente, desde a explosão social de 18 de outubro de 2019.
A declaração, que representa não a todos, mas uma parte deles, começa dizendo que “porque nossa bandeira de luta é a proteção do povo e somos conscientes da crueza do coronavírus fazemos um apelo ao autocuidado”.
“Não queremos propagar nem fomentar o contágio do Covid-19, pelo qual como Aliança entre grupos de primeira linha da Praça Dignidade, entraremos em recesso das ruas, pelo menos nesta semana. Lamentavelmente evitar os eventos massivos é de suma importância. Necessitamos estar sadios para seguir lutando!”
Mais adiante advertiam que “o governo está tratando o tema como lhe convém e depende uma vez mais de nós mesmos evitar a propagação massiva do vírus”, exigiram que se paralise 100 por cento as atividades do país e advertiram que “como primeira linha nossa missão é cuidar do resto e esta não será a exceção. Não estamos deixando a luta, as manifestações não vão parar! Desde nossas casas seguirão batendo panelas e enquanto tenhamos voz seguiremos gritando por um país Digno”.
De modo que após cinco meses de luta incessante e incontrolável nas ruas, as manifestações, fechamento de ruas, ações de evasão no metrô e outras formas de protesto social de multidões, cessaram instantaneamente. Mas se mantêm, por exemplo, os “panelaços” noturnos, como o que agora se começa a ouvir em Santiago e outras cidades.
Os chilenos se recluíram às suas casas, é evidente a menor circulação de pessoas e veículos durante o dia e conforme avança a tarde e chega a noite, as ruas ficam literalmente vazias e silenciosas.
Um setor da direita representado no Parlamento tratou de tirar partido da conjuntura e propôs que fossem os próprios parlamentares em exercício que se constituíssem como órgão constituinte. A ideia nem sequer suscitou maiores comentários.
Rechaço a declarações de militar
O governo, muito questionado por supostos atrasos no manejo da situação, passou em apenas dois dias da Fase 3 à Fase 4 – quando a peste se expande massivamente com muitos casos de contatos autóctones e não importados -, e decretou a exceção constitucional por estado de catástrofe, designando doze generais do Exército, dois da Força Aérea e dois contra-almirantes da Armada para fazê-la cumprir.
Mas hoje, um deles, o general Carlos Ricotti, a cargo da Defesa Nacional em Estado de Catástrofe para Santiago, em suas primeiras declarações após assumir, afirmou que “nossa grande tarefa é de ordem pública”. De imediato, parlamentares opositores rechaçaram essas afirmações.
“Parece que o general Ricotti está totalmente descontextualizado com a urgência que está vivendo o país, porque o problema não é de ordem pública. Hoje se decretou Estado de Catástrofe, justamente para afrontar um desafio de saúde que é uma pandemia que pode dizimar a população chilena e o que ele tem que fazer é colaborar e ajudar a crise sanitária e não manter a ordem pública”. Disse o senador Guido Girardi.
O deputado Giorgio Jackson considerou lamentável que “o governo através de seus delegados, ocupe politicamente a crise sanitária para aplicar certas medidas e certas ênfases que não têm relação com a pandemia, mas sim com o que vem acontecendo há cinco meses em nosso país”.
Outro deputado, Daniel Núñez, comentou que “o general Ricotti está repetindo as mesma matraca repressiva que derivou nas brutais violações aos direitos humanos durante a explosão social. As Forças Armadas devem colaborar de múltiplas maneiras diante da crise sanitária, tanto em matéria logística, vacinação e atendimento à saúde, acesso a zonas isoladas e todos esperamos que o controle da ordem pública seja um tema de segunda ou terceira prioridade”.
Aldo Anfossi especial para La Jornada desde Santiago do Chile
La Jornada, especial para Diálogos do Sul — Direitos reservados.
Tradução: Beatriz Cannabrava
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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