Tão preocupados estamos pela ameaça sanitária do coronavírus que esquecemos a verdadeira ameaça do nosso entorno: maior pobreza, menos acesso aos serviços básicos, aumento da violência em todas as suas formas e a mais cruel delas, no incremento sustentado da desnutrição crônica na infância. Este é o verdadeiro problema das nações do quarto mundo, nações caracterizadas por governos corruptos e pelo superpoder de seus grupos econômicos cujas elites supeditaram as decisões políticas aos seus interesses particulares, apoderando-se dos recursos e retorcendo as leis.
De acordo com as informações oficiais de organismos internacionais, o vírus que tanto nos assusta chegará mais cedo do que pensamos. No entanto, o verdadeiro panorama de terror reside não tanto na potencial pandemia como na realidade apocalíptica da fome, das carências e dos ineficientes sistemas de saúde, sem recursos, manipulados por delinquentes tão poderosos como as multinacionais do setor farmacêutico, que traficam sem o menor reparo com suas influências com o único objetivo de tirar o maior proveito possível das necessidades dos povos. Nessa tônica, pressionam os governos por meio de pactos comerciais interesseiros, apoiados como sempre pelas instituições financeiras internacionais e pelos países mais poderosos.
Wikipédia – Foto Jonathan McIntosh
Como farão para reparar a prejuízo provocado por décadas de corrupção e abandono da infraestrutura sanitária?
Os povos do hemisfério Sul se encontram, portanto, muito mais expostos a um ataque deste vírus que aqueles países que contam com sistemas de saúde pública capazes de enfrentar com maior êxito uma emergência como a que se vive na atualidade. Basta dar uma olhada ao redor e constatar a miséria de nossos hospitais e centros de saúde urbanos e rurais, onde nem sequer se conta com os recursos mínimos como equipamento cirúrgico, medicamentos, mobiliário e muitas vezes, inclusive, sem pessoal capacitado para atender adequadamente as emergências.
O temor generalizado –e razoável- ante a entrada do Covid-19 nos coloca diante de uma situação sumamente complexa e potencialmente caótica, uma vez que nossas nações estão sujeitas a decisões ditadas por interesses sectários e não respondem a políticas públicas elaboradas a partir de uma análise objetiva e séria das necessidades dos nossos povos. Os governos do continente latino-americano, em sua esmagadora maioria, não só são incapazes de elevar-se por cima de interesses espúrios, mas se converteram em porta-vozes e serviçais dóceis das corporações e das elites econômicas agindo às costas da cidadania e, como óbvia consequência, condenando-a à mais profunda e injusta das misérias.
Até onde se pode observar, as autoridades de nosso países se limitaram a conter a onda informativa apelando para a calma e buscando a colaboração dos meios de comunicação para frear o pânico. No entanto, falta ainda ver como farão para reparar a prejuízo provocado por décadas de corrupção e abandono da infraestrutura sanitária; por séculos de violência contra os mais pobres e pela marginalização a que condenaram os setores mais vulneráveis como a infância, a juventude e as mulheres. Se algo positivo se pode extrair desta ameaça sanitária, é a sua capacidade de colocar em evidência a estultícia e a falta de humanidade daqueles que se supõe governar dentro de um marco de ética e valores, assim como a valentia daqueles que talvez mudem a rota para, finalmente, dar atenção às necessidades de seus povos.
Nossos países carecem de recursos para enfrentar uma ameaça sanitária.
Carolina Vásquez Araya, Colaboradora de Diálogos do Sul desde a Cidade da Guatemala
Tradução: Beatriz Cannabrava
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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