Pesquisar
Pesquisar

Antes só do que mal acompanhado: sem unidade, esquerda fracassa novamente no Peru

A debilidade das organizações políticas, a dispersão das forças empenhadas em obter o apoio da cidadania e a falta de iniciativas para enfrentar a crise finalmente deram fruto
Gustavo Espinoza M.
Diálogos do Sul Global
Lima

Tradução:

De modo geral se deve admitir que o resultado das eleições do passado 26 de janeiro constituiu um verdadeiro contraste para o movimento popular. 

Não apenas pelo que significou para o que comumente se denomina de “esquerda”, que teve resultados piores que os esperados, mas também pela ausência de propostas razoáveis esboçadas na campanha, e pela carência de lideranças solventes, que pudessem permitir que víssemos o porvir imediato sem maiores preocupações.

A debilidade extrema das organizações políticas, a dispersão das forças empenhadas em obter o apoio da cidadania e a falta de iniciativas para enfrentar a crise finalmente deram fruto, de tal modo que teremos daqui para a frente um Congresso fraco, precário e frágil, sem capacidade de resposta e sem força para afrontar os desafios da cidadania. E há, por certo, interrogantes que devem ser enfrentadas sem medo. Vejamos:

A debilidade das organizações políticas, a dispersão das forças empenhadas em obter o apoio da cidadania e a falta de iniciativas para enfrentar a crise finalmente deram fruto

Agência Brasil
Protestos no Peru

Por que a esquerda fracassou novamente? Fácil é responder que por falta de unidade. Efetivamente, só somando as forças autodenominadas de esquerda, de acordo com os dados oficiais, acumulou-se um total de 1.869.272 com 99% por cento dos votos apurados. Se a esses votos somamos os da Democracia Direta, que também se considera de esquerda, a cifra se eleva a 2.356.312. Esses algarismo, por si sós, teriam bastado para colocar a Esquerda à frente de todos os competidores de diferente signo. Basta recordar, que o Partido que ganhou a contenda – Ação Popular – acumulou somente 1.341.323 votos. 

Com as cifras alcançadas pelos conglomerados da Esquerda, esta teria podido obter não menos de 51 cadeiras, acreditando-se muito largamente como a primeira força política no Parlamento Nacional. 

Se deveria responder então a um segundo questionamento. Por que não se fez a unidade? Não se requer de longas elucubrações para responder a esta pergunta. Não se fez a unidade porque não se quis fazer. E é que pareceria incubado em muitos líderes da Esquerda a ideia de que “mais vale só do que mal acompanhado”. Por trás dessa frase, no entanto, se encobre um interesse subalterno; se há unidade, haverá uma só lista parlamentar; e uma lista só não é suficiente para todos os dirigentes que querem ser candidatos. Para que todos possam cumprir com tal propósito, devem ser registradas várias listas. A unidade estorva. A dispersão ajuda. 

Outro tema é, por certo, a insurgência do FREPAP e da UPP, que obtiveram um nutrida representação congressual. A partido do Peixinho representa um movimento de corte religioso, mas não tem unidade política. Por isso, nos anos 90, alguns de seus representantes se alinharam com o fujimorismo, e outros não. Por isso haverá parlamentares desse signo que coincidam com posições “radicais” e outro mais “moderados”. Para julgá-lo, há que ver o FREPAP no caminho e ao calor dos problemas concretos. O claro é que seu eleitorado é popular e, portanto, está identificado com os segmentas marginalizados e descontentes que bem poderia sufragar pela esquerda, se este tivesse uma mensagem lúcida. 

Quanto à UPP, a situação é diferente. O partido pode ter uma base radical e uma sustentação insurgente; mas aninha concepções errôneas com referência ao cenário social. A luta não é racial, nem se afirma entre brancos e acobreados; nem os delitos amainam com penas letais. Isso só podia ser sustentado por um tiranete de Singapura, mas não por quem se preza de sustentar conceitos avançados. Isso poderia ser a carta de dirigentes da UPP se tratasse de ser um Partido, e não uma barriga de aluguel.  Também nesse tema, há que remeter-se aos fatos.

O resto é mais simples. Os grandes derrotados foram os que buscaram impor uma linguagem de ódio recorrendo ao anticomunismo mais ridículo e obsoleto. Desde Rosa Bartra até Mauricio Mulder, passando por López Aliaga, Yenny Vilcatoma, Juan Sheput, Heresi ou Violeta; sofreram o mais clamoroso desprezo do eleitorado. Hoje, nem sequer vale a pena ocupar-se deles.

O importante, em perspectiva, é extrair as lições da experiência vivida. Há que construir a Unidade a qualquer preço. Tampouco qualquer Unidade. Há que forjar-se uma que se sustente na realidade, mas também em um programa concreto com propostas sensatas. E há que assegurar que a base essencial desta Unidade seja política e não eleitoral, embora tenha pela frente o processo de 2021 que começará em outubro deste ano. E, claro, há que depurar as organizações de esquerda para que, finalmente, se livrem dos oportunistas e eleitoreiros.

Eles distorcem tudo, inclusive a Mitologia. Creem que ser como Janus, é olhar um pouco à direita e outro pouco à esquerda para acomodar-se melhor. E não é assim. De acordo com lenda, Janus tinha a virtude de olhar duplamente. Mas não à direita e à esquerda, mas para trás e para diante. Isto é, olhar o passado para recolher ensinamentos da vida e olhar o porvir, e assim forjar o futuro. 

*Gustavo Espinoza M. é Colaborador de Diálogos do Sul de Lima, Peru. 

**Tradução: Beatriz Cannabrava

Veja também:


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Gustavo Espinoza M. Jornalista e colaborador da Diálogos de Sul em Lima, Peru, é diretor da edição peruana da Resumen Latinoamericano e professor universitário de língua e literatura. Em sua trajetória de lutas, foi líder da Federação de Estudantes do Peru e da Confederação Geral do Trabalho do Peru. Escreveu “Mariátegui y nuestro tiempo” e “Memorias de un comunista peruano”, entre outras obras. Acompanhou e militou contra o golpe de Estado no Chile e a ditadura de Pinochet.

LEIA tAMBÉM

Com Trump, EUA vão retomar política de pressão máxima contra Cuba, diz analista político
Com Trump, EUA vão retomar política de "pressão máxima" contra Cuba, diz analista político
Visita de Macron à Argentina é marcada por protestos contra ataques de Milei aos direitos humanos
Visita de Macron à Argentina é marcada por protestos contra ataques de Milei aos direitos humanos
Apec Peru China protagoniza reunião e renova perspectivas para América Latina
Apec no Peru: China protagoniza reunião e renova perspectivas para América Latina
Cuba luta para se recuperar após ciclone, furacão e terremotos; entenda situação na ilha (4)
Cuba luta para se recuperar após ciclone, furacão e terremotos; entenda situação na ilha