O que a ausência de Jair Bolsonaro em Davos, onde a devastação da mata amazônica será uma das pautas, e o filme Democracia em Vertigem tem em comum? Em ambos os casos o presidente brasileiro classifica-os como ficção. Pior, nega suas existências, no caso a exploração predatória da imensa floresta e o golpe que desencadeou o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Nada de surpreendente, haja vista ter feito o mesmo por diversas vezes, sendo o de maior destaque a negação ao golpe militar de 64.
Nessa lógica narcisista de achar feio o que não é espelho, Bolsonaro só vê e acredita naquilo que é do seu interesse. Por isso age como um inquisidor que não se importa em jogar o país numa era de trevas. Por isso idolatra torturadores como Brilhante Ustra e abomina defensores ambientais como a “piralha” Greta Thunberg que, responsável e destemidamente, já garantiu presença em Davos.
Ao tentar ridicularizar junto a sua bolha de fanáticos seguidores o documentário produzido pela cineasta Petra Costa, dizendo que a película “para quem gosta do que urubu come é um bom filme”, Bolsonaro procura minimizar sua grotesca participação na obra cinematográfica. Livrar a sua cara, é só isso que ele se preocupa. Tudo o mais no filme é secundário.
Obcecado pela reeleição e cada vez mais encastelado pelos seus temores e pelos “débitos” assumidos com seus apoiadores, Bolsonaro se comporta como um medroso metido a valentão que morre de inveja dos corajosos, por ver neles virtudes que não encontra em si.
Palácio do Planalto
Jair Bolsonaro
Por isso ele chama o documentário de Petra de carniça. Por não aceitar o papel de vilão num filme onde os protagonistas são Lula e Dilma. Por isso não concorda em dividir o debate sobre questões ambientais com quem domina o assunto melhor do que ele, mesmo que seja uma adolescente sueca. Por isso parte para o ataque pessoal sempre que se considera afrontado por perguntas indigestas, praticadas por representantes da imprensa.
Tal qual o irmão caçula que chama o irmão mais velho para defendê-lo numa briga de rua, Bolsonaro se cerca de generais no primeiro escalão do seu governo, privilegia as bancadas do boi, da bala e dos evangélicos, e se esconde sob o topete de Donald Trump, para se proteger e garantir que não será deposto do cargo.
Esta sim é a verdade disfarçada de ficção. Essa é que é a dissimulação promovida pelo presidente que ele procura transferir para outros agentes. Ele sabe das suas graves limitações e faz um esforço hercúleo para se mostrar maior do que efetivamente é. Até quando e a que custo não se sabe. O certo, porém, é que numa democracia a falsidade e a desfaçatez tem pernas curtas e a queda, inevitável, quando acontece, é sempre vertiginosa.
Para quem não assistiu “Democracia em Vertigem” transcrevo a narrativa final do documentário. Vale a pena ler até o fim.
“Um escritor grego disse que uma democracia só funciona quando os ricos se sentem ameaçados, caso contrário a oligarquia toma o poder. De pai para filho, de filho para neto, de neto para bisneto e assim sucessivamente.
Somos uma República de famílias. Umas controlam a mídia. Outras, os bancos. Elas possuem a areia, o cimento, a pedra e o ferro. E de vez em quando acontece delas se cansarem da democracia e do estado de direito.
Como lidar com a vertigem de ser lançado a um futuro que parece tão sombrio quanto nosso passado mais obscuro?
O que fazer quando a máscara da civilidade cai e o que se revela é uma imagem mais assustadora de nós mesmos?
De onde tirar forças para caminhar entre as ruínas e começar de novo?”
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