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Pai do ex-ministro Blairo Maggi escravizou trabalhadores nos anos 80, diz relatório da PF

Em documento "confidencial", trabalhador relatou ter sido açoitado com um chicote de couro em fazenda pertencente à Agropecuária Maggi
Lázaro Thor Borges
De Olho Nos Ruralistas
São Paulo (SP)

Tradução:

André Antônio Maggi, pai do ex-ministro Blairo Maggi (PP), sempre foi visto como um benfeitor, um líder no campo, um verdadeiro herói mato-grossense. Seu nome está registrado em avenidas, ruas, terminais rodoviários e outras instalações públicas em Mato Grosso. Para exaltar sua figura, em abril de 2019 foi lançada a primeira biografia sobre sua história, durante um evento de gala em um shopping de Cuiabá. 

O livro, financiado pela Amaggi, multinacional liderada pelo filho do pioneiro, não registra um episódio da vida do “Seo André” que, até aqui, havia passado batido. No início de maio de 1988, exatamente cem anos após a abolição da escravidão, André Antônio Maggi esteve à frente de um episódio de escravidão moderna no município de Aripuanã, no noroeste de Mato Grosso, a 949 quilômetros da capital. 

Um documento obtido pela reportagem do De Olho Nos Ruralistas mostra que, naquele ano, técnicos do Instituto Brasileiro de Defesa Florestal (IBDF), órgão mais tarde substituído pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), encontraram trabalhadores doentes, trabalhando contra a própria vontade e sofrendo “maus tratos”.

O documento, classificado na época como “confidencial”, é um relatório do Departamento da Polícia Federal (DPF) em Mato Grosso, que acompanhou o IBDF em uma fiscalização sobre desmatamento ilegal na propriedade. Registrado em junho de 1988, o relatório mostra que um destes trabalhadores escravizados, chamado José Laerton da Rocha, foi chicoteado por um empreiteiro de André Maggi.

Em documento "confidencial", trabalhador relatou ter sido açoitado com um chicote de couro em fazenda pertencente à Agropecuária Maggi

Foto: Acervo/Amaggi
André Maggi na Fazenda Carolina

O caso ocorreu nas terras da Agropecuária Maggi, na chamada Gleba Jarinã. Com sede no município de Rondonópolis, a empresa foi a antecessora da Amaggi, herdada anos depois por Blairo. Na época, André era sócio majoritário da empresa e um dos responsáveis por abrir fazendas nos rincões de Mato Grosso.

“Um dos trabalhadores, José Laerton da Rocha, fora açoitado com um chicote de couro, por um dos sócios de NILCEU na empreitada, conhecido apenas por “SÉRGIO”, fato este comprovado quando os policiais apreenderam o chicote descrito por José Laerton na própria área do desmate”, diz trecho do relatório.

Segundo o documento, Nilceu Reis da Silveira era empreiteiro de André Maggi. Ele foi preso em Sinop, a 647 quilômetros de Aripuanã, onde ocorreu o registro de escravidão, logo depois da fiscalização do IDBF e da Polícia Federal. Os agentes apreenderam com ele quatro revólveres, três rifles e nove espingardas, entre outras armas, além de uma série de munições. 

Testemunha do episódio ainda está viva

Na biografia de André Maggi, o empresário pioneiro é lembrado como um sujeito humilde, que também pegou no cabo da enxada antes de enriquecer, que saiu do nada e alcançou tudo. São vários os relatos da “simplicidade” do Seo André, que enriqueceu com a soja produzida no Cerrado mato-grossense e deixou ao filho um patrimônio enorme, mais tarde multiplicado.

Mas não são todos que viam o fazendeiro desta forma. Para alguns, que se tornaram inimigos, André era o vilão da história. Pelo menos é o que contam familiares do fazendeiro José Leonel Franco, homem que denunciou o caso de escravidão na Gleba Jarinã. Franco, que disputava a área com Maggi, fez a denúncia ao IDBF de Sinop.
A esposa de José Leonel Franco, Mercedes Abegão, que ainda está viva, relata que episódios como esse fizeram a família viver acuada. Mercedes falou com a reportagem por meio do filho, Moisés Leonel Franco, que tinha 4 anos na época da denúncia.

“Minha mãe me contou que meu pai fez denúncias a respeito de várias pessoas na época, inclusive eles tiveram que se esconder para não serem mortos”, explicou Moisés. “Naquele período todo mundo matava todo mundo”

Mercedes Abegão, talvez a única testemunha viva do episódio, mora atualmente em um abrigo no município de Presidente Venceslau, em São Paulo. Mercedes tem 83 anos, sofre de Alzheimer e está debilitada.

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A AMaggi Commodities ficou no nono lugar em lista da Exame, publicada em abril de 2019, sobre as 400 maiores empresas do agronegócio no Brasil. Entre as empresas brasileiras, a quinta, com US$ 4 bilhões em vendas líquidas em 2018. O lucro naquele ano foi de US$ 89 milhões. Número de trabalhadores, 7.838.

Blairo Maggi foi ministro da Agricultura durante o governo Temer.

Exploração de mão de obra escrava é antiga na região 

Professor-doutor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Vitale Janoni Neto explica que este fenômeno é provocado pela desigualdade. Trata-se, segundo ele, de uma questão econômica e não cultural. Especialista em história de Mato Grosso e no tema da escravidão contemporânea, cita uma série de registros ao longo do século 20 que, em síntese, demonstram que pessoas paupérrimas são exploradas porque já não tinham condições mínimas de vida antes de serem escravizadas.

“Por mais que este trabalho seja absurdamente cruel, o trabalhador escravizado já não tinha nenhum direito antes”, diz. “Antes dele começar a fazer isso, ele já era um subcidadão, ele já não tinha nenhum direito”.

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Esse modelo de exploração, conforme argumenta o pesquisador, vem do período colonial, quando poucas pessoas tinham enorme quantidade de terras, poder sobre as comunidades locais e sobre o aparato de polícia. O fenômeno se repetiu durante a ditadura de 1964, quando a exploração da Amazônia era provocada e incentivada pelo governo:

— Quando estas pessoas [pioneiros] vieram para cá, precisavam de mão de obra. Essa mão de obra veio do Nordeste, estes trabalhadores foram usados nas frentes de trabalho, no desmatamento, na formação de pasto e em outras atividades. O local onde há mais registros de escravidão é no Araguaia, mas você encontra casos do tipo em toda faixa de Amazônia do estado, de São Félix do Araguaia, que está no leste, até Rondolândia, no oeste.

Empresa diz que desconhece ocorrência

Veja abaixo a íntegra da resposta da Amaggi sobre o relatório:

“O teor do relato contido no documento anexo nunca ensejou instauração de inquérito ou mesmo medida judicial contra a companhia, que desconhece a ocorrência de abusos ou de situação análoga à de trabalho escravo em qualquer uma de suas unidades. A companhia se posiciona veementemente contra tais práticas e desde 2004 é signatária do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, iniciativa da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil.

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Já o mencionado auto de infração por irregularidade no desmate foi invalidado mediante comprovação de que, à época, a companhia (Agropecuária Maggi) detinha a devida autorização. Tanto que a área foi desembargada para a retomada da atividade produtiva em 31 de maio de 1988, pelo então Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF) de Mato Grosso. A fazenda em questão, entretanto, há mais de 20 anos não pertence mais à AMAGGI”.

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Lázaro Thor Borges

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