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Trajetória histórica no Ipea explica ira do capital contra Marcio Pochmann, aponta Feldmann

Recém empossado na presidência do IBGE, economista esteve por 8 anos à frente de um dos principais "think tanks" do mundo, aponta Paulo Feldmann
Amaro Augusto Dornelles
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

Marcio Pochmann foi empossado como presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na última sexta-feira (18). A reação da extrema direita ressentida com a indicação do economista repercutiu no meio universitário do Brasil. Replicadas pela mídia insistentemente, a hipocrisia das injúrias foi repudiada por docentes de todos os quadrantes, como o professor de Economia na USP Paulo Feldmann, entrevistado nesta edição.

Além de comentar a reação histérica da imprensa de aluguel à indicação de Pochmann – expoente desenvolvimentista nos últimos anos – para comandar o órgão federal, Feldmann fala dos aspectos diversos da investida de grupos econômicos poderosos, como a patota da Faria Lima, além da mídia hegemônica, sobre o desenvolvimentismo pátrio. Evidências da prioridade que o Banco Central atribui ao capital, mormente o internacional. É a inversão total de valores. Assim caminha o Brasil – com o passo de formiga e sob as ordens de rentistas.

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Difamação não é liberdade de imprensa

O uso do cachimbo entorta a boca. O dito, tão popular quanto antigo, transmite uma gama de sentidos que se aplicam a infindáveis circunstâncias da experiência humana. Ditaduras, por exemplo, entortam a boca não só de seus déspotas, como também de contingentes de apaniguados. O atual Congresso Nacional, dominado pela progressão aritmética do Baixo Clero, virou trincheira da extrema direita de boca torta, que aposta na virada de mesa para reconquistar a liberdade de usufruir do regime de corrupção e desgoverno – montado pelo ex-capitão, com suporte de ‘patriotas’ militares, civis empresários e inocentes úteis.

Leia também: André Martin: Pochmann no IBGE representa desafio ao liberalismo

Veículos da mídia tratam o povo brasileiro como boiada acostumada a comer ração no mesmo coxo. Quando a notícia interessa aos abonados, os veículos repetem a informação ‘ad nauseam’. Assim se forjam consensos até sobre honestidade de bandidos, por exemplo. Quando é ruim, é fácil descartar: simplesmente não voltam ao tema. A demonização de Marcio Pochmann – responsável por projetos que desembocaram em programas como o Bolsa Família – desnuda a prática cada vez mais uníssona de grupos e grupelhos de comunicação em favor de grandes ‘auto-patriotas’, capazes de acumular fortunas relâmpago.

Circo Brasil

O professor Feldmann perdeu a paciência com a insolência da mídia hegemônica, defensora dos interesses de rentistas que seguem dando as ordens na economia do País: “Todos se unem pra excomungar PT, Lula e o que sobra da esquerda, por indicar um dos mais importantes economistas que o Brasil tem, Marcio Pochmann, para o IBGE”, insurge-se. Acostumados com o cachimbo da Ordem Capitalista – que impõe aos países periféricos a missão de fornecer commodities ao Norte – a direita – que baba na gravata de raiva ao ser enfrentada – deita e rola na onda do Banco Central Independente de qualquer responsabilidade social, atualmente sob o Messias, Roberto de Oliveira Campos Neto.

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A imprensa do Brasil virou circo. Os palhaços se maquiam e trocam figurinos antes de entrar no ar pra seduzir a plateia passiva. A Comunicação Social de Pindorama é dominada por opinólogos desde que Gilmar Mendes – macaco amestrado de FHC – acabou com a necessidade de diploma pra ser jornalista. Cada vez que o PT fala em regulamentação da mídia, a ‘patronália’ tem chilique: faz campanha, compra anúncio d’outdoor, tudo pra dizer que comunistas bandidos querem acabar com a liberdade de imprensa e democracia – que é só deles. Falam de liberdade de Empresa como se fosse de Imprensa. E a patuleia consumidora de Time-Life-Globo, Bandeirantes (cada vez pior do que antes), Veja (nunca leia), Quanto É, Falha de SP, Estadinho, replicam lorotas, é só passar no caixa.

Mas vamos lá. Feldman está longe de ser opinólogo. Na verdade, ele está a’nos luz de tais ‘ator-mentados’. Feldmann e Pochmann foram colegas, anos a fio, na Fundação Perseu Abramo: a profícua usina d’idéias do PT, orgulho do Brasil. Debateram projetos, opiniões, tudo o que os democratas fazem no ‘piloto automático’ – pois tem como objetivo (foco é pra zebu) apenas o bem da coletividade.

Confira a entrevista a seguir.

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Recém empossado na presidência do IBGE, economista esteve por 8 anos à frente de um dos principais "think tanks" do mundo, aponta Paulo Feldmann

Foto: Ricardo Stuckert/PR
Feldmann: Estudos feitos no Ipea na época da presidência de Pochmann desembocaram em programas como Bolsa Família e Fome Zero

Amaro Augusto Dornelles – Qual sua opinião sobre a reação da mídia contra a indicação de Marcio Pochmann para o IBGE?
Paulo Feldmann – Aconteceu algo que me deixou completamente indignado. A gente que vive nesse País, vê e escuta coisas, canalhices, mentiras. Elas são replicadas pela imprensa, justamente para circular e causar repercussão. No fim de julho, foi feito exatamente isso.

Veja bem, esse pouco caso que se fez com a carreira do Marcio é uma ofensa a quase todos os economistas brasileiros. A professores de Economia como eu, a quem milita na área de economia. Marcio Pochmann é um dos maiores economistas brasileiros. Quem tem 50 livros de Economia publicados nesse País? Pode até ter livros de poesia, mas não de Economia. O Márcio chegou ao topo da carreira da Unicamp – uma das melhores escolas de Economia do Brasil. Não é fácil ser professor lá; tem de ser muito competente. Ele é.

Leia também: Pochmann: Com orçamento do povo corroído por juros, Brasil segue sem futuro

Editorial vergonhoso

O que foi feito foi um acinte. Foi vergonhoso isso tudo, principalmente o jornal Estado de SP, com seu ‘editorial’ de 27/7/23. Se não bastasse isso, ainda vem o economista Alexandre Schwartsman fazer a baixaria que ele fez: ofender um colega de profissão do jeito que ele ofendeu. Existe uma diferença ideológica: o Marcio é um dos grandes adeptos do desenvolvimentismo do Brasil, e o Alexandre é o economista que defende rentistas, o aumento da taxa de juros; pra ele está sempre baixa e tem que aumentar. Quem é do ramo sabe que é assim que ele pensa. Nesse segmento, todo mundo sabe que o sr. Schwartsman é o expoente dos economistas atrasados, dos liberais. Nem o Paulo Guedes (ministro da Economia do capitão deformado) é tão atrasado quanto esse cara.

Think tanks do mundo: topo

Professor, onde anda o ‘espírito quatrocentão’ do diário Estado de SP?
Me parece que o Estadão infringiu a lei com esse editorial. Sinceramente, acredito que o Marcio Pochmann deveria mover uma ação contra o jornal. E contra o Schwartsman. Totalmente absurdo o que fizeram com ele – um profissional sério, com uma carreira totalmente limpa, decente, ilibada. Difamação não é liberdade de imprensa!

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De 2012 a 2020, ele foi presidente da Fundação Perseu Abramo, considerado um dos mais importantes think tanks (TT), do Brasil. Pouca gente sabe: todos os partidos têm sua fundação, todos. Agora, poucos são reconhecidos como “think tanks”. Trata-se de uma denominação usada pelos EUA, cujo significado é “tanque de ideias”. Existe uma instituição lá que faz o ranking dos principais “think tanks” do mundo, na Universidade da Pensilvânia. Pois bem, o relatório dela – tenho aqui comigo – situa a Fundação Perseu Abramo entre os melhores TTs do mundo, na categoria TTs que apoiam partidos políticos.

Faltam “Instituições Pensantes”

O que é a Fundação Perseu Abramo, professor?
A Fundação é muito grande, tem 24 áreas completamente diversas uma da outra. Ela desenvolve muitos estudos – reconhecidamente de alta qualidade. É uma instituição muito séria – que se cerca de pessoas extremamente competentes. São mais de 2 mil profissionais que fazem trabalhos. Agora, uma coisa é importante: ela alimenta o PT. Mas isso não quer dizer que o atual governo esteja seguindo recomendações da FPA. Isso é um problema que acontece. O governo, é claro, é liderado pelo PT. Mas é um governo de coalizão, não só do PT. Pouca coisa da Fundação está sendo colocada em prática. Além disso, pouquíssima gente da Fundação foi trabalhar nesse governo. São coisas diferentes, a FPA é uma coisa, o PT, outra. E o governo Federal é ainda outra mais diferente.

O ranking das TTs feito nos EUA tem prestígio ou é só pra fazer média com quem paga?
O estudo é famoso por centralizar tudo o que se relaciona aos think tanks no mundo. São mais de 20 mil organizações mencionadas – correspondendo ao que há de melhor em funcionamento sobre as áreas no planeta. No Brasil, há poucos TTs. Veja bem, a Argentina, cuja população é bem menor do que o Brasil, tem muito mais. A verdade é que o País carece de ‘instituições pensantes’. Em compensação, tem um TT que é a Fundação Getúlio Vargas, que aparece como uma das melhores do mundo, além da FPA. Muito bem conceituada.

Fome Zero e Bolsa Família: mentor

Tem mais algum destaque nacional?
Marcio tem atuado profissionalmente em diversas atividades. Como presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Ipea, por exemplo, ele é – de longe – o melhor presidente da história da entidade. Isso é facílimo de verificar, basta conversar com os funcionários, como eu tenho feito. Uso muito o órgão e seus estudos.

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Na época do Marcio Pochmann, o Ipea fez estudos importantíssimos que desembocaram, entre outros programas, no Bolsa Família e no Fome Zero, no governo Lula I. Todos os estudos que fundamentaram esses projetos foram elaborados dentro do Ipea para depois virar política pública.

Leia também: Pochmann: Só uma nova abolição no Brasil poderia financiar desenvolvimento nacional

Márcio é um intelectual maravilhoso, com conhecimento profundo, não só na área de Economia, mas em diversos outros setores. Por isso ele foi colocado, depois de alguns anos, como presidente da FPA. Trata-se de uma pessoa com estofo para tais encargos. Não é fácil dirigir uma instituição como essa. Posso dizer que a Fundação Perseu Abramo é algo muito bom que o Brasil tem.

* O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada é uma fundação pública federal vinculada ao Ministério do Planejamento e Orçamento. Foi criado em 1964 como Epea e assumiu o nome atual em 1967.

Amaro Augusto Dornelles | Jornalista e colaborador da Diálogos do Sul.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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Amaro Augusto Dornelles

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