No dia 26 de outubro de 2018, a Proteção Civil do Vêneto decretou alerta vermelho para parte da rede hidrogeológica dessa região do norte da Itália.
A onda de mau tempo vaticinada estendeu-se até o dia 5 de novembro e trouxe forte vento de siroco entre 100 e 200 km/h e chuvas intensas classificadas por várias estações como recorde absoluto.
A inundação envolveu alguns municípios nas regiões do Vêneto, Trentino e Friul, e no entorno de montanhas as torrentes de água provocaram numerosos deslizamentos de terra.
No contexto dessa tormenta também ocorreram dois eventos excepcionais de maré alta com tormenta elétrica e fortes ventos.
A estimativa final de danos em Friul-Veneza-Giulia, segundo a defesa civil regional ascendeu a 615 milhões de euros. No Vêneto superaram um bilhão.
O que mais tarde se chamou de Tormenta Vaia, deixou um saldo de 37 mortos e danos de cerca de cinco bilhões de euros.
Só nos bosques houve 14 milhões de árvores caídas em uma área de mais de 41 mil hectares, equivalente a mais de 8,6 milhões de metros cúbicos de madeira, sete vezes o material produzido em um ano pelas serrarias italianas.
O dano econômico apenas por esse conceito esteve em torno de 630 milhões de euros, segundo cálculos recentes da Universidade de Pádua e a confederação de agricultores diretos Coldiretti, que para sua análise consideraram também as perdas de valor para o setor produtivo e para o meio ambiente.
Apenas a perda de serviços ecossistêmicos garantidos por esses bosques ascendem a cerca de 20 milhões de euros, enquanto a redução do valor comercial da madeira provocará 80% menos de renda para proprietários públicos e privados.
Os efeitos da Tormenta Vaia, segundo especialistas, incidirão de maneira negativa nos preços pelo menos até 2021.
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Bosques na região de Friul-Veneza-Giulia
O balanço florestal um ano depois.
Depois de um ano daquele desastre, a associação Legambiente propiciou uma reflexão sobre o papel dos bosques, em como reconstruí-los após desastres como a Tormenta Vaia, doenças ou incêndios florestais e a capacidade de bosques urbanos para regenerar-se e fazer com que as cidades sejam mais sustentáveis.
“O setor florestal italiano deve tomar o caminho de uma gestão sustentável e responsável sem perda de tempo e deve fazê-lo agora”, sustentou a Legambiente em seu Reporte Florestal 2019, apresentado no II Foro Nacional sobre Bioeconomia dos Bosques.
Preservar, reconstruir, regenerar foi a premissa do encontro, concebido para aprofundar sobre a conservação e proteção dos bosques, estado e perspectivas do setor, juntamente com vias para aumentar a sustentabilidade dos produtos e as cadeias de fornecimento florestal. Em seu relatório, Legambiente sustenta que os bosques do país são “uma extraordinária riqueza ambiental e natural”, resultado de profundas transformações territoriais e socioeconômicas ocorrido ao longo dos séculos.
O documento avalia a forma como nas últimas oito décadas a superfície florestal italiana cresceu em alguns lugares e mermou em outros, pela ação da natureza e a mão do homem.
Ecossistema que abarca atualmente, incluídas as áreas protegidas, um total de mais de três milhões de hectares, das quais pouco mais de um milhão e meio têm um regime de dupla proteção.
Mas igualmente contrasta os problemas sociais, a falta de consciência cultural que incidem nos bosques e o abandono de cultivos que os expõem a mais eventos perturbadores frequentes, “como atesta a Tormenta Vaia, que podem comprometer a funcionalidade e o controle dos fenômenos de instabilidade hidrogeológica”.
Diante de especialistas do setor e representantes das instituições, da ciência, da pesquisa e da produção presentes no foro, a organização ambientalista mais extensa na Itália apresentou um pacote de dez propostas.
Em primeiro lugar citou a necessidade de uma estratégia de mitigação e monitoramento do patrimônio florestal que inclui um sistema de contagem crível, além de fornecer o papel dos boques no Plano de mitigação e adaptação e tomar medidas sérias de prevenção para melhorar a estabilidade florestal, em particular a biodiversidade.
Aumentar a biodiversidade é outra das propostas e assinala que embora 27,5% dos bosques do país estejam protegidos, é preciso continuar favorecendo a evolução natural desse recurso e elevar essa porcentagem, em particular nos velhos bosques, os mais vulneráveis.
Plantar árvores é uma das estratégias mais esquecidas para melhor a saúde pública em nossas cidades, destacou Legambiente e remarcou que essa devia ser uma estratégia financiada, não só por razões ambientais, mas sim pelo benefício à saúde humana que proporcionam os “pulmões verdes” urbanos.
Cidades do futuro? Cada vez mais verde, mais sustentável e com muitos bosques urbanos estão entre as iniciativas apresentadas no foro por Legambiente, para quem “nossas cidades necessitam mais árvores e espaços verdes”.
“Falar de regeneração urbana também significa proporcionar novas áreas verdes e bosques para melhorar a qualidade do ar e fazer com que as cidades sejam mais sustentáveis e acolhedoras”.
Para essa organização, plantar árvores na cidade não é só uma questão de estética e decoração, mas sim qualidade de vida para as pessoas e o ar que respiram; além disso, as plantas e áreas verdes contribuem, para reduzir a temperatura e, portanto, do uso de ar acondicionado em 30% e da calefação de 20 a 50%.
De igual modo, uma árvore pode absorver até 20 quilos de CO₂ por ano como média e as árvores grandes, dentro das áreas urbanas, são excelentes filtros de poluição, enquanto um hectare de bosque pode absorver até cinco toneladas de CO₂ em igual lapso de tempo.
Em tal sentido assinalou que as cidades italianas devem enfrentar o desafio e “ter a coragem de se renovarem e se converterem em cidades verdes, cada vez mais verdes e sustentáveis”.
Em outra das propostas reiterou que a Tormenta Vaia demostrou de maneira concreta a “necessidade de investir para mitigar os efeitos do aquecimento global” por meio do planejamento florestal desde a análise do prognóstico de risco e uma avaliação das ações para reduzir a vulnerabilidade de bosques diante de riscos múltiplos como doenças, incêndios e eventos extremos.
A gestão dos recursos florestais de maneira sustentável, responsável e o planejamento como uma ferramenta insubstituível para garantir a quantidade e a qualidade dos serviços de ecossistemas são propostas da Legambiente, mais a necessidade da certificação florestar que garanta a sustentabilidade do setor do ponto de vista ecológico, social e econômico.
A Itália, apesar de possuir uma “impressionante coberta florestal” é a segunda nação europeia importadora de produtos de madeira em 80%, com todas as implicações ambientais e econômicas que isso implica, incluídas as desvantagens para o desenvolvimento do setor silvicultor.
Propõe também o incremento do uso da madeira em processos de fabricação que substitua outros materiais que em seu processo de produção geram mais emissões de CO₂, além de outros danos ambientais, como alumínio, plástico para embalagem e inclusivo concreto armado no setor da construção, segunda indústria em taxa de emissões absolutas.
De igual modo, a Itália utiliza 17,4% de seu consumo de energia de fontes renováveis, dos quais 20% são biomassas lenhosas, 60% de consumo residencial.
Razão pela qual um incremento da madeira como material de substituição elevaria a disponibilidade de biomassa lenhosa para produzir energia a partir de maiores resíduos secundários de serrarias e de quanto gerem os bosques, em particular energia térmica e de cogeração que substituiria o uso de fontes fósseis emissoras de maiores quantidades de CO₂ para a atmosfera.
Todo isso a partir de una intensificação sustentável do manejo florestal e de uma estratégia decisiva para modernizar os sistemas e evitar consequências negativas na qualidade do ar, além de usar biomassa de origem local certificada.
Para Stefano Ciafani, presidente nacional da Legambiente, “contribuir para melhorar o conhecimento patrimônio florestal italiano e criar consciência de que uma boa gestão dessa importante infraestrutura verde pode ajudar significativamente para melhor a qualidade de vida e fazer a economia mais sustentável”.
*Silvia Martínez, Correspondente de Prensa Latina na Itália
**Prensa Latina, especial para Diálogos do Sul — Direitos reservados.
***Tradução: Beatriz Cannabrava
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