Desde as eleições de 11 de agosto, na Argentina, quando o candidato da Frente de Todos, Alberto Fernández, na chapa com a ex-presidenta Cristina Kirchner, esmagou o presidente Mauricio Macri com uma diferença de 16,5% (49,49% a 32,94%), a situação econômica da Argentina se aprofundou dramaticamente.
A semana pós-eleição foi caótica. Quando os mercados foram abertos na segunda-feira, 12 de agosto, a moeda argentina voltou a virar pó diante do dólar, passando de 46,55 pesos para 57,30 pesos, uma queda de 23% em apenas um dia.
Horas depois, o presidente deu uma coletiva de imprensa que entrará para a história. Desencantado e fora de si, Macri fez um discurso de terror, culpando o kirchnerismo pela resposta dos mercados à derrota nas prévias. Durante 3 anos e 8 meses, tudo sempre foi culpa do governo anterior; agora, o problema era o futuro governo.
Flickr | Palácio do Planalto
Os presidentes brasileiro e argentino, Jair Bolsonaro e Mauricio Macri
“O mercado hoje disse que não confiamos nessa proposta. Espero que o kirchnerismo seja responsável”, disse Macri, enquanto seu candidato a vice, Miguel Ángel Pichetto, culpava o povo: “Não culpamos as pessoas pela forma como votaram, mas é interessante que elas analisem as conseqüências dessa votação”. Curiosamente, foi a primeira vez que Macri se mostrou como realmente é: autoritário, violento, um governante que quer impor sua vontade ao povo aos gritos.
No dia seguinte, após críticas abundantes, ele pediu que o povo “pedisse desculpas” por suas explosões. “Quero me desculpar pela coletiva de segunda-feira, fique à vontade para fazê-lo. Mas também fiquei muito afetado pelo resultado do domingo, sem dormir e triste pelas conseqüências que teve sobre a economia”, disse. Como se não bastasse, mencionou a situação econômica a que submeteu o país com o aumento das tarifas utilizando uma ridícula metáfora: “O que lhes pedi era como escalar o Aconcágua… ”
Na sexta-feira, 16 de agosto, houve uma denúncia muito séria feita pelo ex-presidente do Banco Central, Martín Redrado, sobre o presidente: “Macri deixou o dólar ir aonde tem que ir para que os argentinos aprendam em quem votar”.
O presidente não refutou essas palavras e, se a veracidade desses fatos for confirmada após a denúncia criminal feita pelo presidente da Fundação para a Paz e as Mudanças Climáticas, seria mais do que preocupante se um presidente atentasse contra a economia do país que governa. A verdade é que, já familiarizados com o horror diário, não seria nada surpreendente.
No sábado, 17 de agosto, o ministro das Finanças Dujovne apresentou sua renúncia. Em 2018, Dujovne, o arquiteto da miséria, fome e da dívida gerada no país, “errou” 32 pontos em sua previsão de inflação, que este ano projeta 23%; em apenas 7 meses, o número é de 25,1%. O ex-ministro, que tem 67% de seu patrimônio no exterior, ganhou 27 milhões de pesos com a desvalorização da segunda-feira, e seu patrimônio cresceu 80% só em 2018.
Para encerrar a semana trágica, jornalistas ultra-oficialistas como Jorge Lanata ou Luis Majul criticaram duramente Macri, e o New York Timesdestruiu o discurso vazio do presidente, onde a falha era sempre de kirchnerismo. “Os doze anos em que os Kirchners estiveram no poder resultaram em melhorias significativas na qualidade de vida de uma grande maioria dos argentinos, de acordo com qualquer comparação razoável”, afirmava um artigo publicado pelo jornal estadunidense.
Na quarta-feira, o novo ministro da Economia, Hernán Lacunza, anunciou a “renegociação” com o FMI: “Iniciei o diálogo com vencimentos de dívida reperfilares (palavra que não existe) com essa organização internacional”. Tecnicamente, uma declaração de moratória disfarçada.
O Financial Times advertiu que a Argentina cairá na nona moratória. Um “epic fail”, como dizem no video-game. Mais um recorde para o governo de Macri:
– Inflação mais alta dos últimos 27 anos
– Maior empréstimo que o FMI concedeu em sua história, desde que foi criado em 1945
– Segundo maior colapso do mercado de ações das 94 bolsas de valores monitoradas pela Bloomberg desde 1950: caiu, em 12 de agosto, 48%; só foi superada pelo Sri Lanka, em 1989, que caiu 60% (e eles estavam em uma guerra civil).
– Em 2015, o salário mínimo em dólares da Argentina era o primeiro da região, hoje é o nono.
– O risco-país é o mais alto dos últimos 14 anos.
– O setor industrial teve a pior queda desde 2002.
– A pior destruição de empresas desde 2001: 19.131 empresas fechadas.
– Em 2018, a moeda argentina teve a maior desvalorização do mundo (o gráfico não mede a Venezuela)
– A pobreza aumentou 33,6%, a maior da última década
Na quinta-feira, antes de abrir os mercados, o presidente mais uma vez voltou a culpar o povo. Mas, cada vez que fala para tentar acalmar a situação, acontece exatamente o contrário: o risco país subiu mais de 2200 pontos e o dólar ultrapassou os 62 pesos antes do meio-dia.
É igual à crise de 2001, mas “aprenderam” com esse erro e, em vez de tirar nossas economias no mesmo dia, o fizeram através dos anos, com medidas econômicas predatórias como o aumento abusivo de tarifas, inflação descontrolada, reforma da Previdência, fim dos subsídios e das pensões para os descapacitados.
A mesma fórmula que seu parça Bolsonaro está seguindo à risca no Brasil.
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