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ToggleNo início da década de 90, a hipótese da savanização da floresta tropical da Bacia Amazônica já era apresentada ao mundo, pelo cientista brasileiro Carlos Nobre, Doutor em Meteorologia e climatologista, coordenador do comitê gestor do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas e integrante, em diferentes fases, do grupo de cientistas do Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas (IPCC/ONU).
Praticamente 30 anos depois, Nobre alerta, em entrevista à 350.org Brasil: “Hoje cerca de 17% de cobertura florestal dos 6,2 milhões de km da Amazônia (principal parte no Brasil, além do Peru, Bolívia, Equador, Colômbia e Venezuela) está desmatada e se este limite ultrapassar de 20 a 25%, a savanização será irreversível. “Estamos em um momento crítico – um ponto de não retorno -, por causa da combinação do avanço do desmatamento, dos incêndios florestais e do Aquecimento Global”.
Em um artigo, na Revista Science Advances, no ano passado, Nobre em parceria com o pesquisador norte-americano, o biólogo Thomas Lovejoy, da Universidade George Mason, que o acompanha nestes estudos, desde aquela época, trouxeram este alerta. Dos anos 90 para cá, continuou o trabalho com seus alunos de Doutorado e parceiros pesquisadores e outras centenas de pesquisas se multiplicaram pelo planeta.
“Nós estamos muito próximos de um momento crítico, que pode acontecer em um intervalo de 15 a 30 anos, que passa rápido”, afirma. Por meio da síntese desses estudos a respeito do tema pelo mundo, o pesquisador destaca que há a constatação de um processo de avanço da fragilização da floresta, com a mortalidade das árvores. “As observações estão demostrando que a estação seca está ficando de cinco a seis dias mais longa, por década. É muito preocupante este dado. Em algumas regiões, chegou a 20 dias. As áreas mais afetadas são o sul, centro e leste da Amazônia”, diz. No Brasil, já está atingindo 20% de comprometimento. Com isso, a densa floresta poderá se transformar em campos ralos com árvores esparsas.
Embrapa
“Nós estamos muito próximos de um momento crítico"
Alguns indícios desses alertas, são as chamadas mega secas ocorridas na Amazônia (brasileira) em 2005, 2010 e entre os anos de 2015 e 2016.
Segundo Nobre, notoriamente também é identificado que nos lugares desmatados, essa situação aumenta em relação aos não desmatados. “É uma combinação perversa entre o Aquecimento Global e os desmatamentos regionais, com o aumento dos incêndios. “Estudos ecológicos têm mostrado que espécies da floresta que têm mais tolerância à seca estão começando a morrer menos. Ao mesmo tempo, em relação às que necessitam de ambientes mais úmidos, a mortalidade aumentou. A pressão de áreas desmatadas para pastagens, extração de madeira ilegal e agricultura intensiva, além de pressões sobre unidades de conservação e terra indígenas culminam nesta situação.
“Nesta substituição florestal pela savana não acontece a absorção de toda a biodiversidade e do carbono. É uma savana degradada que modifica o clima e a estação seca continua sendo muito longa. Este é o sumário das tendências que estamos observando. Portanto, zerar o desmatamento da Amazônia é uma responsabilidade dos países amazônicos e conter o Aquecimento Global, responsabilidade de todos os países do mundo”, afirma Carlos Nobre.
Desmatamento e queimadas
Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) consolidados até junho deste ano, a taxa anual consolidada pelo Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (PRODES)/INPE, apontou o resultado de 7.536 km² de corte raso no período de agosto de 2017 a julho de 2018. Um acréscimo de 8,5% em relação a 2017 . A Amazônia Legal é formada pelos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do Maranhão.
Já os focos de calor aumentaram significativamente neste ano. Chegam a aproximadamente 40 mil, sendo que um pico neste nível anualmente, de janeiro até agosto, havia sido atingido em 2010, com 44 mil. E situações piores haviam ocorrido em 2004 e 2004, com registros de mais de 70 mil.
Alerta brasileiro
“Se não quisermos correr o risco de ‘pagar para ver’, deveríamos zerar o desmatamento muito rápido. Se passarmos desses limites e as nossas projeções estiverem corretas, ao começar a savanização, é algo irreversível e não há mais como parar. Mesmo que milagrosamente a gente parasse o desmatamento e o Acordo de Paris tivesse sucesso, este processo não tem volta. A estação seca vai ficando mais longa. A vegetação em 30 a 50 anos que substituiu a floresta pela savana. não é uma rica savana tropical, como a do Cerrado”, explica. Neste caso, o comprometimento seria equivalente a 200 bilhões de toneladas de GEEs na atmosfera equivalentes a cinco anos de emissões globais.
Alguns dos inúmeros serviços ecossistêmicos que destacam a importância da umidade da Amazônia, conforme Nobre e Lovejoy, são a contribuição para as chuvas de inverno em partes da bacia do Prata, especialmente no sul do Paraguai, no sul do Brasil, no Uruguai e no centro-leste da Argentina. Em outras regiões, a umidade passa pela área, mas não se precipita. No artigo na Science Advances, os pesquisadores afirmam que embora a quantia que contribui para as chuvas no sudeste do Brasil seja menor do que em outras áreas, são também importantes aos reservatórios urbanos.
Os cientistas acentuam que é de extrema função regulatória a contribuição parcial da evapotranspiração da Amazônia na estação seca para as chuvas no sudeste da América do Sul. E explicam: “As florestas mantêm uma taxa de evapotranspiração durante todo o ano, enquanto a evapotranspiração nas pastagens é dramaticamente menor na estação seca”.
Do Acordo de Paris à COP 25
No Acordo de Paris, resultado da Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (COP 21), o Brasil comprometeu-se a reflorestar 12 milhões de hectares de até 2030. Segundo o pesquisador, a maior parte desse reflorestamento deve ser feita no sul ou no leste da Amazônia. O Brasil também estipulou a meta de até 2025, reduzir as emissões de GEEs em 37% em relação a 2005 e 43% de redução até 2030. Na próxima Conferência (COP-25), em dezembro no Chile, o governo brasileiro terá de apresentar qual é o real avanço neste sentido, diante dos desafios apresentados hoje.
A meta estabelecida, durante o Acordo de Paris, aprovada pelos 195 países que integram a COP, é reduzir emissões de gases de efeito estufa (GEE) – pela redução dos combustíveis fósseis e do desmatamento no mundo – no contexto do desenvolvimento sustentável. O compromisso ocorre no sentido de manter o aumento da temperatura média global no limite abaixo dos 2º C, mas preferencialmente na casa de 1,5° C acima dos níveis pré-industriais até 2100. E já chegamos a 1,0 º C!
O IPCC lançou neste mês um relatório especial que vem ao encontro dos alertas sobre a savanização. E alerta – a terra é um recurso crítico no planeta! O documento trata da mudança climática, desertificação, degradação da terra, gestão sustentável da terra, segurança alimentar e fluxos de gases de efeito estufa em ecossistemas terrestres.
*350.org e as mudanças climáticas
A 350.org é um movimento global de pessoas que trabalham para acabar com a era dos combustíveis fósseis e construir um mundo de energias renováveis e livres, lideradas pela comunidade e acessíveis a todos. Nossas ações vêm ao encontro de medidas que visem inibir a aceleração das mudanças climáticas pela ação humana, que incluem também a manutenção das florestas.
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