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Com reforma da Previdência, professora teria que trabalhar mais 15 anos para se aposentar

“Estou com problema de pressão, de hipertensão. Já fui agredida em sala. Não há condições de chegarmos aos 69 anos trabalhando", desabafa Marta
Pedro Aguiar
Brasil de Fato
São Paulo (SP)

Tradução:

A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 6/2019 do ministro da Economia Paulo Guedes, apresentada na Câmara dos Deputados em fevereiro, desmantela as garantias mínimas de direitos dos trabalhadores previstas na Constituição de 1988.

Entre os diversos pontos polêmicos, a reforma estabelece a adoção do modelo de capitalização, em que cada trabalhador terá que juntar dinheiro suficiente para se aposentar por conta própria. Essa proposta representa uma ruptura radical com o atual modelo de arrecadação, em que os gastos com as aposentadorias são divididos entre as empresas, o governo e os trabalhadores. Além disso, a reforma também determina a idade mínima de aposentadoria: de 65 anos para homens e 62 anos para as mulheres, além de um período mínimo de contribuição de 20 anos.

“Estou com problema de pressão, de hipertensão.  Já fui agredida em sala. Não há condições de chegarmos aos 69 anos trabalhando", desabafa Marta

Brasil de Fato / Pedro Aguiar
Moradora de Itaquera, Zona Leste de São Paulo, Marta iniciou a vida laboral com 15 anos em uma oficina de costura

O caso da Marta

Marta Rodrigues Sanches tem 48 anos e leciona na Escola Estadual Quintiliano José Sitrangulo, em Itaquera, Zona Leste de São Paulo, região onde mora. Aos 15 anos começou a trabalhar em uma oficina de costura para ajudar a família.

Seu sonho, porém, era fazer um curso superior de Ciências Contábeis para seguir carreira na área. Entre idas e vindas, anos de estudo, ter que abandonar duas faculdades particulares por não conseguir arcar com as mensalidades, Marta acabou se formando em letras, e aos 30 anos virou professora do estado de São Paulo após passar num concurso em 1998.

“Quando cheguei pra faculdade pela primeira vez e não consegui manter. Foi aí que eu percebi que fazia parte de uma massa e que aquilo não me pertencia, não era para mim. Era a mais pobre da sala. Foi aí que comecei a desenvolver uma consciência de classe”, relembra.

“A educação na minha vida veio por acaso”, recorda Marta, que resolveu percorrer o caminho das Letras por ser mais barato e tinha como objetivo aprender inglês e um dia juntar dinheiro para finalmente cursar ciências contábeis.

Porém, ela se acabou se apaixonando pela literatura. “A faculdade me deu uma licença para lecionar, e eu tinha uma ansiedade de dividir aquilo com as pessoas. A única forma de dividir esse conhecimento foi dando aula”.

Até hoje, Marta carrega o orgulho de ter realizado seu sonho e de ter sido a primeira de uma família pobre a fazer uma faculdade.

Passados mais de 20 anos desse processo, Marta se vê diante de uma nova encruzilhada: a ameaça de ter que adiar sua aposentadoria por mais 15 anos, caso a reforma da previdência seja aprovada.

De acordo com os cálculo do Dieese, atualmente Marta teria que trabalhar por apenas mais 5 anos e 10 meses para se aposentar com seu salário integral. No entanto, com a proposta do governo, a mudança seria drástica. Ela passaria a ter que trabalhar mais 20 anos e 9 meses para receber o benefício integral.

“No momento já estou com problema de pressão, de hipertensão. Já estou cuidando disso, claro, mas lidamos com um público de diferentes realidades. Já tive situação de agressão em sala, vários professores passam por isso. Não há condições de chegarmos aos 69 anos trabalhando”, desabafa.

A realidade vivida por Marta representa a angustia dos 2,5 milhões de professores que atuam na educação no Brasil, e é resultado de um dos pontos da PEC 6/2019 que fere ainda mais os direitos previdenciários: o fato dela não ser atingida pelas regras de transição. De acordo com o texto, todas as docentes que estão na ativa deverão ter 52 anos de idade a partir de 1º de janeiro de 2022 para se enquadrar na nova regulamentação. Marta completa 52 anos apenas no fim de 2022. As regras de transição atingem poucos professores, já que a idade média da categoria (37 anos) está bem abaixo dos 45/50 anos.

“Isso vai mudar minha estrutura familiar. Nós tínhamos planos de nos aposentar [junto ao seu marido]. Trabalhamos a vida inteira, desde os 15 anos”.

Além disso, a reforma da Previdência do governo Bolsonaro ignora as peculiaridades, o cotidiano e o desgaste da profissão, ao estabelecer regras que obrigam os profissionais a continuarem dando aulas, em muitos casos, depois dos 70 anos de idade para conseguir um valor razoável de aposentadoria.

Para Marta, não há ilusão: “Essa reforma só vai favorecer aos bancos. E olha que coincidência: o ministro da economia, Paulo Guedes, que está fomentando essa reforma, é um dos acionistas do Banco Pactual”, se refere a professora ao sistema de capitalização proposto pelo ministro da economia.

Ao dizer o motivo que a leva a ser contrária à reforma, Marta não hesita: “Eu sou contra essa reforma pelas mulheres da minha família, que vieram antes de mim, muitas delas lutaram para que tivéssemos certos direitos trabalhistas, direito a ter uma aposentadoria especial, porque já se olhou a dupla, tripla jornada da mulher, já se olhou a mulher como sustento de muitas famílias. Essa reforma é digna de Bolsonaro: machista e misógina. Não se olha a expectativa de vida da mulher da Cidade Tirantes, que é de 54 anos, do Capão Redondo, que são 52 anos, das professoras que passam por situações limite dentro da sala de aula”.

Porém, nem tudo está perdido. O sonho de poder se aposentar conforme tinha planejado ainda está de pé. “O que eu penso nesse momento é lutar contra essa reforma. Saio às ruas quando há eventos, converso com familiares e os pais de alunos”.

Edição: Luiz Felipe Albuquerque


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Pedro Aguiar

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