As ações dos Estados Unidos para recrudescer o bloqueio econômico, comercial e financeiro contra Cuba ao amparo da Lei Helms-Burton têm como contrapartida um muro jurídico desde a aprovação da legislação anti-cubana há 23 anos.
No início de março, como um novo passo em sua política agressiva para com a nação caribenha, o governo dos Estados Unidos autorizou, a partir de 19 desse mês, as demandas em tribunais norte-americanos contra entidades cubanas, mais de 200, incluídas em uma lista unilateral derivada de sanções para asfixiar a economia de Cuba.
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O Departamento de Estado acompanhou sua decisão com “sugestões” aos investidores estrangeiros para que reconsiderem se incorrem em “tráfico” de bens confiscados, como denomina Washington às nacionalizações realizadas após o triunfo da Revolução em um processo de acordo com as normas internacionais.
Ante a postura da Casa Branca, o chanceler cubano, Bruno Rodríguez, assegurou aos empresários estrangeiros que existem na ilha todas as garantias para o investimento e projetos conjuntos, e ratificou que eles têm o respaldo das leis cubanas, do Direito Internacional e das legislações de seus próprios países.
Havana também destacou as garantias ao investimento estrangeiro recolhidas na nova Constituição da República, ratificada no referendo de 24 de fevereiro por quase sete milhões de pessoas, 86,8 por cento das que compareceram às urnas.
Washington baseou sua escalada na agressão contra Cuba no Título III da Lei Helms-Burton, que permite a qualquer cidadão ou empresa estadunidense apresentar demanda aos tribunais do país sobre propriedades nacionalizadas após o triunfo da Revolução em 1º de janeiro de 1959
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Os presidentes dos Estados Unidos haviam suspendido de maneira consecutiva a sua aplicação por seis meses, mas em janeiro desde ano, Donald Trump anunciou que o faria por apenas 45 dias e, no início de março, o Departamento de Estado a cancelou por outros 30 dias.
A Lei Helms-Burton, que codifica o bloqueio econômico, comercial e financeiro que os Estados Unidos impuseram há quase seis décadas, está dirigida a fortalecer o cerco no nível internacional e estabelecer um plano de transição e de ingerência à nação caribenha.
De igual modo, proíbe a entrada nos Estados Unidos de dirigente e familiares que mantenham negócios nas entidades nacionalizadas, sem importar o país de onde procedem.
A RESPOSTA
Após a firma, em 12 de março de 1996, pelo então presidente William Clinton da denominada Ata pela Liberdade de Cuba, a nação caribenha estabeleceu medidas legais para bloquear qualquer ação ao amparo da referida legislação que busca a derrocada da Revolução.
Por meio da Assembleia Nacional do Poder Popular (ANPP, Parlamento), Cuba adotou medidas jurídicas para enfrentar as tentativas de afetar, ao amparo da Lei Helms-Burton, a tranquilidade e as propriedades do povo.
Um de seus mecanismos é a Lei 80, Lei de Reafirmação da Dignidade e Soberania Cubanas, que em seu artigo 1º declara ilícita a Lei Helms-Burton, inaplicável e sem valor, nem qualquer efeito jurídico.
Por isso, considera nula toda reclamação amparada nela, de pessoa física ou jurídica, qualquer que seja sua cidadania ou nacionalidade.
Em seu artigo 3, a lei cubana diz: “As indenizações pelas propriedades estadunidenses nacionalizadas em virtude desse processo legítimo, validado pelas leis cubanas e pelo Direito Internacional, as quais se refere o artigo anterior, poderão formar parte de um processo negociador entre o Governo dos Estados Unidos da América e o Governo da República de Cuba, com base na igualdade e no respeito mútuo”.
A esse respeito, esclarece que as reclamações de indenização pela nacionalização das referidas propriedades deverão ser examinadas conjuntamente com as indenizações a que o Estado e o povo cubano têm direito, com motivo dos danos e prejuízos causados pelo bloqueio e pelas agressões de todo tipo, cuja responsabilidade corresponde ao Governo dos Estados Unidos.
A Lei de Reafirmação da Dignidade e Soberania protege também os investimentos estrangeiros em Cuba e apoia os investidores que pudessem enfrentar consequências adversas nas tentativas de aplicação da Lei Helms-Burton.
De igual modo, o artigo 8 declara ilícita qualquer forma de colaboração, direta ou indireta, para favorecer a aplicação da iniciativa destinada à mudança de regime mediante a asfixia econômica.
O texto entende como colaboração, entre outras condutas, a busca ou o fornecimento de informação a qualquer representante do governo dos Estados Unidos ou a outras pessoas com o objeto de que possa ser utilizada, direta ou indiretamente, na possível aplicação dessa lei, ou prestar ajuda a outra pessoa para a busca ou fornecimento da referida informação.
Também a solicitação, o recebimento, a aceitação, a facilitação ou a distribuição de recursos financeiros, materiais ou de outra índole procedentes do governo norte-americano ou canalizados por ele para favorecer a aplicação da Lei Helms-Burton.
Em 1999, foi aprovada a Lei 88 de Proteção da Independência Nacional e da Economia de Cuba, que complementa a Lei 80.
Esta iniciativa aprovada pela ANPP tem como finalidade tipificar e sancionar aqueles fatos dirigidos a apoiar, facilitar ou colaborar com os objetivos da Lei Helms-Burton, do bloqueio e da guerra econômica contra o povo cubano, encaminhados a quebrantar a ordem interna, desestabilizar o país e liquidar com o Estado Socialista e a independência.
O artigo 2 da Lei 88 precisa que dado seu caráter especial, “sua aplicação será preferencial a qualquer outra legislação penal que lhe preceda”.
Ambas as normas formam parte da estratégia de luta da nação cubana para defender sua independência e soberania no contexto da batalha de ideias que trava para salvaguardar a pátria e o socialismo.
Além dessas respostas jurídicas, a Lei Helms-Burton encontra em Cuba o rechaço unânime do povo, o que constitui o principal obstáculo para sua aplicação na Ilha.
Opinião dos Especialistas
Em entrevista a Prensa Latina, a subdiretora do Centro de Estudos Hemisféricos e Sobre Estados Unidos (Cehseu) da Universidade de Havana, Olga Rosa González, afirmou que Washington pretende fortalecer o bloqueio a Cuba para conseguir seu ansiado objetivo de uma mudança de regime.
A Lei Helms-Burton surgiu em um contexto econômico muito difícil para Cuba, pois com a queda do campo socialista na década de 1990, a Ilha perdeu seus principais sócios econômicos e se viu obrigada a inserir-se em um mercado internacional praticamente do zero, advertiu.
Uma teoria, acrescentou, que não deu resultado para Washington, com a máxima prova de que a Ilha ainda mantém seu sistema de governo revolucionário e socialista.
Rememorou que em 1994 ocorreu a crise dos balseiros, que levou à firma de acordos migratórios bilaterais nesse ano e no ano seguinte; era um período muito convulso no qual a contrarrevolução se mobilizava forte contra o país.
Tanto é assim que em 1996 violaram em numerosas ocasiões o espaço aéreo cubano com as pequenas aeronaves do grupo Hermanos al Rescate, organização contrarrevolucionária com grandes vínculos com a Agência Central de Inteligência (CIA).
Disse também que esse grupo está estreitamente relacionado com a extrema direita radicada na cidade estadunidense de Miami, responsável por ações terroristas levadas a cabo dentro e fora do território nacional.
De acordo com a pesquisadora, Cuba alertou em várias oportunidades o Governo dos Estados Unidos pelos incidentes, mas Washington nada fez, e em um ato de legítima defesa as autoridades cubanas derrubaram duas aeronaves em 24 de fevereiro de 1996.
“Era um ano eleitoral importante nos Estados Unidos e para William Clinton; e de acordo com as características do processo eleitoral estadunidense, a Florida, como estado, determina boa parte dos votos em qualquer disputa presidencial”, explicou.
O lamentável fato, que podia haver sido evitado pelos Estados Unidos, foi aproveitado pelos senadores Jesse Helms e Dan Burton para apresentar ao então presidente Clinton a lei que ninguém se atrevia a firmar, porque realmente tinha um marcado caráter extraterritorial.
Atualmente, 23 anos depois, Donald Trump ameaça ativar seu Título III, que caso efetivado, autorizaria a demanda ante tribunais estadunidenses para reclamar compensações por propriedades nacionalizadas por Cuba em 1960.
Ainda que esse processo das nacionalizações tenha sido realizado sob as normas internacionais, os Estados Unidos não quiseram negociar com a Ilha como fizeram outros países, ratificou.
Também Dorys Quintana Cruz, vice-presidenta da Sociedade Cubana de Direito Internacional da União Nacional de Juristas de Cuba, recordou a legitimidade das nacionalizações.
Elas estão autorizadas pela Carta das Nações Unidas, cujo embasamento foi tomado em conta ao fazer as leis cubanas e com isso, nacionalizar as propriedades estadunidenses e de outros países na Ilha, no princípio da Revolução, precisou.
Aquelas foram medidas sustentadas na legalidade e sob o guarda-chuva do Direito Internacional, disse a especialista, que qualificou de engendro jurídico a Lei Helms-Burton.
Trata-se de una lei estadunidense que tem carácter extraterritorial e que com sus quatro títulos merece o qualificativo de ilícita, genocida, intervencionista e contrária ao Direito Internacional, sentenciou.
*Jornalista da Redação Nacional de Prensa Latina.