Um governo que parece uma nave perdida no espaço é o mesmo que não governo. Em outras palavras, o que se vê é um governo paralisado no emaranhado de suas próprias contradições e desentendimentos.
O presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, deveria estar dois ou três dias hospitalizado para retirar uma bolsa de colostomia, ficou 16 dias porque a situação de saúde era grave. Mesmo assim, para que o vice-presidente não governasse, reassumiu seu posto e estava despachando entubado, como se diz para os que estão com cateter na veia, sonda nasogástrica e cara de doente fraco. Grande mistério não identificado: o que está acontecendo com o presidente?
O general Mourão, eleito vice-presidente do capitão, não esconde que quer governar, ou pelo menos ditar a linha, diz e faz tudo ao contrário do presidente. Será por esse motivo que o capitão resolveu governar sem ter sido liberado pelos médicos? A mídia diz que sim.
O sinistro ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Ele é o que diz que é preciso acabar com a marxismo cultural na política brasileira, liquidar com o globalismo em política exterior, acabar com o ambientalismo, alinhar-se aos Estados Unidos, que são a única salvação para o mundo, que há que derrubar o presidente Maduro da Venezuela, tomar cuidado com a China e, como se não bastasse, diz que mudar a embaixada de Tel Aviv para Jerusalém é questão de tempo.
Esse senhor disse tanta bobagem que, ao defender a instalação de bases militares estadunidenses no Brasil, fez por merecer uma intervenção dos militares em seu ministério. Deram-lhe um cala boca, o desmentiram publicamente, mas ele, como se nada tivesse acontecido, continua ministro.
Ernesto Araújo, um júnior na carreira diplomática, é filho de Henrique Fonseca de Araújo, procurador geral da República durante a ditadura, e no governo do general Ernesto Geisel, impediu a extradição do nazista Gustav Franz Wagner, subcomandante do campo de concentração de Sobibor, na Polônia, responsável por 250 mil mortes entre 1941 e 1943.
Em Washington, no início de fevereiro, Araújo disse que combinou com a Casa Branca um encontro de Bolsonaro com Trump na segunda quinzena de março. John Bolton, o conselheiro de segurança, eufórico, ao se despedir do ministro disse que “a aliança EUA Brasil está mais forte do que nunca”.
Contrariando tudo o que disse anteriormente, surpreendeu a mídia ao afirmar, em 8 de fevereiro, que o Grupo de Lima contra a Venezuela “não é uma iniciativa útil”, e agregou: “Se parte da premissa de igualdade entre o governo legítimo de Guaidó e a ditadura de Maduro, como demonstrou no passado, essa iniciativa não prosperará, só prolongará a ditadura de Maduro e criará dúvidas sobre a transição”.
A verdade, explicitada pelos militares com relação à Venezuela é que, para eles, o mais importante é manter o acordo de cooperação militar e de inteligência entre as duas forças armadas. Com esse acordo os altos mandos brasileiros ficam melhor informados sobre o que realmente acontece na Venezuela. Há muitos interesses em jogo. E não se pode descartar o fato de que esse ministro repete o que diariamente apregoa Eduardo Bolsonaro, o filho mais jovem, que funciona como porta-voz e às vezes alter ego do pai.
Petrobras é sócia da PDVSA em exploração de petróleo; empresas de engenharia e construção executam grandes projetos no país. Além disso, a zona de fronteira, área habitada em ambos os lados pelo povo yanomami, têm livre trânsito de pessoas. É muito rica em minérios estratégicos na mira das potências. O que menos pode interessar ao Brasil é uma Venezuela ocupada pelos Estados Unidos.
O ministro também queria apoiar o presidente Donald Trump em sua guerra comercial já fracassada contra a China, hoje o maior sócio comercial do Brasil. Inclusive a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, que ganhou o apelido de “deputada veneno”, por defender a utilização de agrotóxicos, saiu defendendo a China, responsável por cerca de 50% da compra de grãos (soja) e minérios (ferro).
Entre os militares há os que querem se alinhar completamente com os Estados Unidos. Outros dizem que completamente, não. Há questões de soberania que são inegociáveis. A Marinha, por exemplo, vê nos Estados Unidos uma ameaça ao desenvolvimento tecnológico brasileiro.
A Marinha do Brasil alcançou altos níveis de desenvolvimento na utilização de energia nuclear. Entre os resultados está a construção de um submarino nuclear, protótipo para construção de outros. Detém tecnologia de enriquecimento de urânio, pretende construir umas oito usinas de energia nuclear como as já existentes Angra I e Angra II.
Nessa confusão que parece que vai mas não vai, está a negociação para a venda da Embraer à Boeing, gigante estadunidense fabricante de aviões civis e principalmente de armas de guerra como mísseis com ogivas nucleares. O governo anterior, do entreguista Michel Temer, anunciou que seria uma associação, o que na verdade seria uma entrega.
A Embraer surgiu em um polo de desenvolvimento industrial que conta com um Instituto de Pesquisa Tecnológica (IPT, em São José dos Campos, que por décadas vem formando técnicos de altíssima capacidade tecnológica). Além de aviões comerciais e militares, são produzidos nesse polo mísseis, satélites e computação de alta complexidade. Entregar a Embraer à Boeing é um dano enorme também a esse polo de tecnologia. E ninguém protesta.
Entrementes, o super-ministro da Economia (Economia, Fazenda, Planejamento, Tesouro, Banco Central e bancos estatais, Comércio Exterior), Paulo Guedes, discípulo de Von Mises, continua anunciado que quer privatizar tudo. Também levou uma bronca dos generais e teve que concordar que a Petrobras, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica, e imagino que também o Banco Nacional de Desenvolvimento Económico e Social (BNDES), não serão atingidos.
O super-ministro insiste que necessita 1 trilhão de reais e que o conseguirá através de venda de ativos e corte de gastos. Também entrou em choque com a Ministra da Agricultura, que não aceita o corte drástico dos subsídios e dos créditos privilegiados para os agricultores. Significaria a falência do único setor da economia que ainda funciona.
Agora, veja bem, só agora, a mídia descobriu que a família Bolsonaro pode não passar de um grupo de bandidos. Digo somente agora, porque isso já se cogitava desde antes das eleições e ninguém disse nada para não perturbar a captura do poder, a “necessária” derrota do PT nas urnas.
Isac Nóbrega/PR – Agência Brasil
Enquanto a opinião pública de distrai com os ataques à família presidencial e com a doença do presidente, o Ministério da Educação realiza, com ferocidade, sua tarefa de destruir o sistema de ensino no país. A questão é muito grave e assombra o fato de que ninguém proteste. Avalie você mesmo.
A ordem é liquidar até com a memória de Paulo Freire. Nesse sentido, o regresso à alfabetização através das cartilhas com o método de B com A é igual a BA; abolição das matérias de filosofia e sociologia; revisão do ensino de história, colocando o golpe que instaurou a ditadura regressiva e repressiva de 1964 a 1978 como “Revolução Redentora” que salvou o país do comunismo.
O mais grave é que já começou a executar a militarização da educação prometida durante a campanha pelo capitão, hoje presidente. O ministro da Educação pensa igual ao ministro de Relações Exteriores. Há que exterminar o marxismo cultural, com o intelectual de esquerda. Esquerdismo, ambientalismo, indigenismo… são coisas de comunistas, de petistas.
O diário O Globo de segunda, dia 11, destaca que quatro escolas no Distrito Federal iniciaram o ano escolar sob a direção de oficiais da Polícia Militar. A ordem é pôr ordem militar: fardas, cabelo curto, marcha, treinamento marcial, honra à bandeira, aulas de civismo e ética. O professor que não estiver de acordo, que vá embora.
Paralelamente, o governo de Bolsonaro está entregando a educação superior aos militares em um plano dirigido a militarizar as universidades federais. A questão de suma gravidade só produz perplexidade, quando deveria provocar uma onda em todo o país em defesa do ensino público, independente, com autonomia das universidades que já começam a estar sob intervenção. Na campanha, Bolsonaro prometeu enfatizar o ensino a distância e militarizá-lo e está cumprindo.
Além de substituir reitores por militares, nomeou o coronel Robson Santos da Silva, especializado em ensino à distância, como assessor especial do ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez — um colombiano que se diz filósofo, sem histórico de educador.
O tenente-coronel Marcos Heleno Gerson de Oliveira Junior assumiu a direção da Secretaria de Regulação e Supervisão de Educação Superior; o coronel-aviador Ricardo Wagner Roquetti assumiu a direção do programa da Secretaria Executiva do ministério; nessa mesma secretaria, o oficial retirado da Marinha, Eduardo Miranda Freire de Melo assumiu como secretário executivo adjunto; o coronel de bombeiros Luiz Tadeu Vilela Blumm está na gestão do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Ainda se espera a posse do coronel Sebastião Vitalino da Silva para a coordenação geral de materiais didáticos e do general Oswaldo de Jesus Ferreira para gerenciar os hospitais universitários federais.
Para que todas essas maldades se cumpram a contento, o governo conta com o super-ministro da Justiça, encarregado da segurança pública, polícia federal, polícia aduaneira, polícia rodoviária, entre outras coisas. Antes esse ministério cuidava também de direitos humanos, anistia, questões jurídicas do governo.
O super-ministro é o ex-juiz Sérgio Moro, que ficou famoso na mídia mundial por conduzir a Operação Lava Jato. Uma operação iniciada por iniciativa da Casa Branca, que passou ao juiz, hoje ministro, material recolhido ilegalmente pela NSA.
Endeusado pelos meios por sua façanha de impedir a participação do PT no processo eleitoral, Moro passou a se crer Deus, por cima da Constituição e das leis e direitos consagrados mundialmente, em franco desrespeito à deusa Themis, quer seguir suas próprias leis.
Quer, por decreto, modificar o código civil e o código penal. Entre outras coisas: anular o princípio da presunção de inocência; criminalizar com base na teoria do fato; prender antes do trânsito em julgado, ou seja, autorizar a prisão após a condenação em segunda instância, como no caso do ex-presidente Lula.
Outra joia de seu repertório é não criminalizar policiais que matem em “defesa própria”. Isso significa legalizar uma prática histórica da repressão brasileira que quando entra em áreas sensíveis, mata antes de fazer perguntas.
Mas acontece que, inexplicavelmente, essas teorias foram esquecidas ante os escândalos midiáticos que têm como foco os crimes cometidos por membros da família Bolsonaro. Moro, como chefe supremo da Polícia Federal, nada fez para evitar a destruição de provas que envolvem Flávio Bolsonaro, hoje senador, com as Milícias no Rio de Janeiro quando vereador nessa cidade.
Essas milícias assassinaram a vereadora Marielle, do Psol, para que não continuasse com as denúncias de compra e venda irregulares de terras por milicianos.
*Jornalista editor de Diálogos do Sul