Um dos homens fortes do presidente Nicolás Maduro, Freddy Bernal é o representante do governo nacional venezuelano no estado de Táchira, na divisa com a Colômbia e, nesse momento, tem a missão de blindar a fronteira contra uma possível intervenção militar de nações estrangerias.
Liderando ações de distribuição de alimentos e medicamentos em comunidades venezuelanas e acompanhando as iniciativas militares, ele segue de perto as movimentações do lado oposto fronteiriço, onde está sendo programada uma entrada de “ajuda humanitária” para esse sábado (23), liderada por EUA e aliados, e peço opositor e autoproclamado “presidente interino” da Venezuela, Juan Guaidó.
Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, Freddy Bernal analisa a situação dessa região, que ele define como alvo de “uma provocação por parte do governo dos EUA, em conjunto com o governo de Colômbia”, a partir de “uma suposta ajuda humanitária” que seria “uma espécie de 'cavalo de Troia', com a qual pretendem criar uma desestabilização na Venezuela”. Ele também denuncia as sanções econômicas por parte do governo estadunidense, a fim de estrangular a economia do país e justificar uma “invasão militar”.
Sobre Juan Guaidó, ele é direto: “É um manipulado que se presta a encher seu país de sangue e de miséria, somente para satisfazer seu amo do Norte.”
Brasil de Fato
Dirigente chavista lidera resistência na fronteira da Venezuela com a Colômbia / Foto: Fania Rodrigues
Confira a entrevista
Brasil de Fato: Como o senhor avalia a questão da ajuda humanitária internacional na fronteira colombiana?
Freddy Bernal: Existe uma provocação por parte do governo dos EUA, em conjunto com o governo de Colômbia, a poucos metros da fronteira, montando um show de uma suposta ajuda humanitária, que não é ajuda nem é humanitária. Eu chamaria de uma “fraude sanitária”. Porque esses alimentos e medicamentos não passaram pelos controles sanitários, nem da Colômbia nem da Venezuela, e não foram avaliados pela Organização Mundial de Saúde.
Além disso, essa ajuda humanitária é uma espécie de “cavalo de Troia”, com a qual pretendem criar uma desestabilização na Venezuela, e a colocam em uma ponte [Las Tienditas] que não tem circulação de pedestres, muito menos de mercadorias, porque essa ponte nunca foi aberta.
Dizem que o governo venezuelano fechou a ponte Las Tienditas para impedir a entrada da ajuda humanitária.
Não se pode fechar o que nunca foi aberto. Para que uma ponte fronteiriça esteja habilitada, são necessários três requisitos: que tenha um controle migratório, um controle de aduana e um controle de carros. Não há nenhum desses protocolos internacionais para que ela se converta em uma passagem fronteiriça. Portanto, qualquer trânsito que se faça por essa ponte é ilegal, viola a lei e a Constituição. É um show, porque ali chegaram 90 toneladas de alimentos, o que é equivalente a três caminhões.
Quero dizer que nós, através dos Comitês Locais de Abastecimento e Produção [CLAPs] do estado de Táchira, distribuímos todos os meses 6 mil toneladas de alimentos. Isso somente através dos CLAPs, sem contar as outras modalidades. E isso sem falar no setor privado.
Eles [EUA e Colômbia] acreditam que com 90 ou 100 toneladas vão abastecer a população venezuelana. Isso é um show barato. Nós não somos um povo de mendigos, não estamos pedindo comida e medicamentos a ninguém.
Se os Estados Unidos estão tão preocupados, como dizem, que suspendam as sanções [impostas contra a Venezuela] para comprar comida, remédios, insumos como qualquer país do mundo, porque temos os recursos [financeiros] necessários, como sempre o fizemos.
Como as sanções dos EUA afetam a Venezuela?
Nos últimos quatro anos, emitiram uma cadeia progressiva de sanções econômicas que bloqueiam nossos contas, as transações financeiras. Isso nos impede de abastecer o país adequadamente. Agora querem dobrar o povo venezuelano por meio da falta de alimentos e remédios, querem ver os venezuelanos de joelhos. Se não conseguem, então nos ameaçam com uma invasão militar.
Juan Guaidó colocou uma data para a entrada da ajuda humanitária, o dia 23 de de fevereiro. Isso será possível?
Primeiro, ele disse que iria derrubar o governo no dia 10 de janeiro. Nada aconteceu. Depois, no dia 12 de fevereiro, Juan Guaidó anunciou que por essa ponte [Las Tienditas] entraria a famosa “ajuda humanitária”. Logo, no dia 23 de janeiro seria a grande marcha onde haveria um golpe de Estado ou uma insurreição militar, ou as duas coisas. Mas no dia 23 de fevereiro tampouco vai acontecer nada, porque [eles] não têm a capacidade de fazê-lo.
Não se derruba um governo quem quer, mas quem pode. Eles não têm a capacidade militar nem civil, nem liderança. O senhor Guaidó, ainda que seja mimado pelo senador Marco Rubio, [pelo assessor de política externa dos EUA] John Bolton, [pelo vice-presidente norte-americano] Mike Pence, ainda que seja mimado por Donald Trump, a cada dia vai perdendo credibilidade no interior da Venezuela. É um manipulado que se presta a encher seu país de sangue e de miséria, somente para satisfazer seu amo do Norte.
Essa zona de fronteira recebe a influência de paramilitares da Colômbia? Vocês estão monitorando essa situação? Há alguma movimentação atípica?
Nós estamos alertas e preocupados, mas no sentido de ter preocupação, não medo. Podem montar um “falso positivo” [atentado para culpar o lado contrário]. Nessa região existem organizações criminosas muito perigosas, capazes de qualquer coisa. Poderiam se vestir de militares venezuelanos e assassinar alguns homens, mulheres e crianças. Essa seria a desculpa que os EUA estão buscando para invadir a Venezuela.
Os EUA têm a obrigação de convencer o mundo que a Venezuela é um país com uma ditadura, que aqui se viola os direitos humanos, mas não há provas, porque aqui não acontece nenhum ato que viole os direitos humanos. Então, o senhor Guaidó, seu grupo e os norte-americanos são capazes de qualquer coisa. Por isso estamos mantendo a máxima presença das Forças Armadas em toda a faixa fronteiriça. Também estamos ativando a “inteligência popular” para detectar atividades suspeitas dos dois lados.
Como funciona essa inteligência popular?
Aqui há mais de 6 milhões de pessoas que votaram no presidente Nicolás Maduro. Ele são vigilantes de qualquer coisa irregular e informam as Forças Armadas. Do lado da Colômbia também temos informantes populares, porque na Venezuela existem 5 milhões de colombianos, então seus familiares que estão do lado colombiano não querem que tenha uma guerra na Venezuela. Do lado de lá, eles vigiam o exército e os grupos paramilitares e nos avisam.
Eles não querem uma guerra. Quem está impulsionando uma guerra é o governa da Colômbia, não é o povo. O povo da Colômbia é irmão do povo da Venezuela.
Do lado colombiano da fronteira, notaram que a segurança foi reforçada? Há mais militares em Cúcuta?
Não notamos nada diferente ao longo da faixa fronteiriça. Eles reforçaram os batalhões do interior do estado de Norte de Santander. No início de fevereiro, chegaram vários soltados em aviões no aeroporto Santander, que nossa inteligência popular fotografou. Estão albergados em batalhões do exército colombiano, mas não estão patrulhando, estão nos quartéis. Imagino que estão esperando uma suposta invasão ou talvez uma ordem dos Estados Unidos para atacar. Esperamos que isso nunca ocorra.
Em relação à fronteira com o Brasil, como o senhor analisa a situação?
Nós nunca tivemos problemas com o Brasil. Lamentavelmente está no governo o presidente [Jair] Bolsonaro, com uma posição contrária a nosso governo e ao presidente Nicolás Maduro. O vice-presidente [general Hamilton Mourão] chegou a dizer que estava pronto para uma guerra com a Venezuela e que iria servir de exército de reconstrução, depois que derrubassem o governo [Maduro].
Para mim, parece uma loucura, porque o Brasil tem 200 anos sem guerra. Eu, na verdade, não acredito que o Exército brasileiro se preste como instrumento dos Estados Unidos. Em relação aos oficiais brasileiros, espero que continuem defendendo o Brasil, sigam apostando no Brasil grande, que é nosso maior irmão na América Latina. O Brasil é uma grande potência e que seja uma potência de paz.
Edição: Vivian Fernandes