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Eterno: Zé Celso resistiu à ditadura, lutou pela democracia e revolucionou o teatro brasileiro

Dramaturgos perseverou, enfrentando prisões, torturas e exílio na Europa e na África, sem jamais deixar de publicar textos revolucionários
Caroline Oliveira
Brasil de Fato
São Paulo (SP)

Tradução:

O diretor de teatro José Celso Martinez Corrêa, conhecido como Zé Celso, faleceu nesta quinta-feira (6), aos 86 anos de idade, em São Paulo.

Ele foi internado e entubado, na terça-feira (4), no Hospital das Clínicas, após um incêndio atingir o seu apartamento no Paraíso, na Zona Sul da capital paulista. Assim que foi internado, sua sobrinha, Beatriz Corrêa, disse à imprensa que Zé Celso chegou a passar por uma cirurgia, com cerca de 53% do corpo queimado. Ele também recebeu noradrenalina para queda drástica de pressão e anestésico na veia para dores.

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De acordo com relatos de moradores do prédio, o fogo começou devido a um curto-circuito em um aquecedor. Seu marido, Marcelo Drummond, está estável e em observação devido à inalação de fumaça.

Quem foi Zé Celso?

Renomado dramaturgo, diretor, ator e músico, Zé Celso deu os primeiros passos em sua carreira teatral como amador durante os anos finais da década de 50. Filho de José Borges Correia e Angela Martinez Carrera, ele chegou a cursar a Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, mas não concluiu a graduação. Foi nesse período, no entanto, que começou a dar os primeiros passos na dramaturgia.

Nascido em Araraquara, no interior de São Paulo, veio para a capital e se tornou conhecido também por liderar a companhia Teatro Oficina Uzyna Uzona, formado inicialmente por estudantes de Direito do Largo São Francisco, na Rua Jaceguai, no bairro do Bixiga, em 1958. Foi nessa companhia, criada junto ao Centro Acadêmico XI de Agosto, que seus primeiros enredos foram encenados: Vento Forte para Papagaio Subir (1958) e A Incubadeira (1959). Mais recentemente, retomou peças famosas no teatro, como Bacantes e Roda Vida.

O que leva novas gerações a descartarem raízes em nome da cultura globalizada?

Zé Celso também foi dono de polêmicas dentro do teatro, ao trazer atores com corpos nus e encenando, por exemplo, relações sexuais. Uma dessas situações escalou repercussão a nível internacional quando a sua peça Os Sertões foi apresentada em 2005, em Berlim, na Alemanha, ao trazer atos nus em determinadas cenas. Na Europa, ganhou o título de “teatro pornô”.

Dramaturgos perseverou, enfrentando prisões, torturas e exílio na Europa e na África, sem jamais deixar de publicar textos revolucionários

Teatrinet
Zé Celso ocupou um lugar único na indústria teatral ao se tornar o profissional mais longevo em atividade no país

Mesmo diante de algumas críticas negativas, o diretor sempre saiu em defesa de suas peças e seus valores nelas embutidos. “Teatro é ao vivo. Olho no olho, respirando o mesmo ar, sob a mesma temperatura, tendo vivido o mesmo dia na mesma cidade, ator e espectador estabelecem uma relação – real, simbólica, física, esotérica, intelectual, sexual – irrecuperável, irreversível e irreproduzível. Essa é sua força e sua maldição”, escreveu o diretor e escritor Aimar Labaki sobre o teatro de Zé Celso.

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“O teatro de José Celso Martinez Corrêa é dessa família. Mesmo os mais emocionados depoimentos de atores e espectadores, as precisas descrições de historiadores e críticos ou os competentes registros em super-8, vídeo ou DVD resultam frustrantes para quem quer recuperar o prazer estético de assistir a um espetáculo desse que é um dos maiores encenadores do teatro brasileiro.”

Durante a ditadura militar, Zé Celso perseverou, enfrentando prisões, torturas e exílio na Europa e na África, sem jamais deixar de publicar textos revolucionários. Zé Celso ocupava o mesmo lugar no teatro que Glauber Rocha significou para o cinema ou Caetano Veloso, Gilberto Gil e Tom Zé para o tropicalismo na música, todos no centro de uma revolução cultural em meio à escalada autoritária da ditadura militar. O diretor voltou ao Brasil antes do fim do regime, lutando pela abertura democrática e a retomada de seu trabalho.

Cultura do esquecimento é risco à democracia e expõe humanidade aos efeitos do passado

Durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), Zé Celso não se faz de rogado ao falar sobre a extinção do Ministério da Cultura, criado em 1985 pelo governo de José Sarney.

“A nova geração não vai embarcar muito nessa, não. Uma parte embarca, mas outra não, se a gente continuar trabalhando na cultura, fazendo o que estamos fazendo, de uma maneira mais satírica, mais paródica, como é o caso de Rei da Vela, de Roda Viva, no meu caso. Mas no caso de outras peças em cartaz, tá todo mundo mandando o pau, a não ser os grupos que são alienados mesmo. Mas a cultura está muito forte”, disse ainda em janeiro de 2019 em entrevista à Rede Brasil Atual.

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Ao longo de sua notável trajetória no teatro, Zé Celso teve a oportunidade de colaborar com ilustres figuras das artes, tais como Augusto Boal, Chico Buarque, Sérgio Britto, Raul Cortez, Pascoal da Conceição, entre outros talentos consagrados.

Zé Celso ocupou um lugar único na indústria teatral ao se tornar o profissional mais longevo em atividade no país. Sua prolífica carreira é marcada pela criação de aproximadamente 40 peças notáveis, incluindo obras emblemáticas como O Rei da Vela, de Oswald de Andrade e tornado emblema do movimento tropicalista, Roda Viva, As Bacantes, Os Sertões e a renomada série Cacilda!.

Caroline Oliveira | Brasil de Fato
Edição: Rodrigo Durão Coelho


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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