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Miguel H. López*
Os documentos do Arquivo do Terror, de Assunção do Paraguai, foram a peça chave que permitiu a condenação na Argentina, de vários militares da ditadura de 1976 a 1983. O juiz paraguaio Gustavo Santander foi a ponte que permitiu que se pratica justiça em memória de centenas de milhares de perseguidos e desaparecidos políticos.
Os pormenores do caso não eram conhecidos até agora apesar de ter começado em 2003. O magistrado paraguaio, por exigência de grupos de direitos humanos paraguaios, tinha se convertido em uma referencia importante no julgamento de casos da Operação Condor. Por essa razão, a demanda para que fosse a Buenos Aires levando as provas para ajudar à justiça do país vizinho não foi surpresa. Não obstante, apesar da negativa da Promotoria, finalmente a Corte autorizou a transcendental viagem.
Santander fala pouco, mas diz muito. Explica que depois de sua nomeação em 2002 tinha começado a trabalhar com o defensor de direitos humanos, Martín Almada, um dos que propiciaram a descoberta do Arquivo do Terror.
Informa que quando chegou à Corte, havia um expediente aberto por causa genérica da Operação Condor, a internacional criminosa montada e operada entre as décadas de 1970 e 1980 pelas ditaduras do Chile, Argentina, Paraguai, Brasil, Bolívia e Uruguai (em sua primeira grande etapa). Porém não havia processados, tarefa que lhe coube, alcançando principalmente a Alejandro Fretes Dávalos (Condor número um do Paraguai) e individualizando suspeitos e vítimas.
Nessa linha, apareceram como vítimas indiscutíveis da Condor –que foram capturados ilegalmente no exterior e levados para o Paraguai e desaparecidos: Antonio Maidana, Agustín Goiburú, Federico Tatter, entre outros. Também engrossavam essa lista uns 120 paraguaios desaparecidos na Argentina.
Condenação a militares
As causas contra militares da ditadura argentina tiveram início em 2000 pelo juiz Rodolfo Canicoba Corral, que em maio de 2001 solicitara sem êxito a extradição do ex ditador chileno Augusto Pinochet, entre outros processados. Nesse mesmo ano também foram rechaçados pedidos similares contra os ex ditadores Hugo Bánzer da Bolívia, e Alfredo Stroessner do Paraguai, que então estava asilado no Brasil. O único processado até então era o ex ditador argentino Jorge Rafael Videla.
A chegada de Santander em fins de 2003, na Argentina, foi providencial porque a causa estava semiparalisada. Ele recorda que levou a totalidade das cópias digitalizadas dos documentos da Condor e outros materiais do Arquivo do Terror; e, que aproveitou para recolher dados importantes para as investigações que realizava em Assunção sobre as causas das vítimas da Operação.
“A partir daí ganhou impulso o processo contra os militares e a causa foi a juízo oral e em seguida a condenação de muitos militares. Essa foi nossa contribuição”. Rememora o magistrado.
Em julho de 2004, o juiz Jorge Urso, que transitoriamente teve a causa, ditou uma histórica ordem de apreensão de 12 ex militares da ditadura argentina por crimes de lesa humanidade sob a Operação Condor.
A notícia, que desencadeou uma tormenta no mundo castrense e político, provocou que vários dos processados comparecessem voluntariamente: general retirado Albano Harguindeguy, primeiro ministro do Interior da ditadura, que pela primeira vez tinha contra si uma ordem de detenção por violação de direitos humanos, e processado também por outras causas. Também o general Fausto González e os coronéis Eduardo Delio e Hugo Pascarelli, apareceram para serem detidos. Na lista também estavam, entre outros, os generais Ramón Díaz Bessone, ministro de Planejamento da ditadura. Reinaldo Bignone e José Antonio Vaquero, que tinha escapado de um pedido de extradição do então juiz espanhol Baltazar Garzón, que movia processo contra Pinhochet na Europa.
Ainda naquela época Santander se reuniu com as Madres de Plaza de Mayo e paraguaios familiares e vítimas da ditadura para aprofundar as investigações dos processos que conduzia. Também recebeu colaboração de seus colegas argentinos. Tudo isso ajudou a que posteriormente se desenvolvesse um banco de sangue para proceder a verificações genéticas de eventuais restos de desaparecidos que foram sendo descobertos ao longo desse período.
Operar em rede para fazer justiça
A iniciativa de setores sociais paraguaios de contribuir com as provas do Arquivo do Terror através de um juiz local, foi a maneira de inaugurar um novo e necessário modo de articulação regional, explicou Martín Almada. “Se a Operação Condor atuou em rede, é lógico que a busca pela justiça também seja em rede. Por isso, a Corte paraguaia com seu então presidente Bonifacio Ríos Ávalos, entendeu e atuou em consequência”, asseverou.
O defensor dos direitos humanos também reitera que a oposição que o promotor Édgar Sánchez (atual aspirante a ser promotor geral adjunto), faz a que se mande um magistrado com os documentos da Condor à Argentina, é inexplicável. “Por isso fomos à Corte”.
Em 22 de dezembro do ano passado (2013) completaram 20 anos da descoberta do Arquivo do Terror no departamento de Produções da Polícia em Lambaré, a uns 15 minutos da capital Assunção. Posteriormente foi enriquecido com contribuições e acervos recuperados de outras dependências policiais e militares, servindo de base a numerosas publicações e documentários, além de abertura de processos judiciais e condenações na América e Europa.
Por suas características constitui o maior e mais completo acervo de uma ditadura latino-americana, declarado pela unesco em junho de 2009: Memória do Mundo.
Informação complementar
As pesquisas realizadas por Martín Almada, Zúlia Giménez e entregues ao juez federal Roberto Marquevich em 1997, em companhia da assessora jurídica de Abuelas de Plaza de Mayo, foram também a pessa chave para localizar no Paraguai a Carolina e Pablo, supostos filhos do dr. Bianco. Com a extradição do major médico do Campo de Mayo, Norberto Bianco dictada pela Corte Suprema de Justiça na época presidida por Raul Sapena Brugada, foi o primeiro e real passo. Isso foi publicado em todos os meios de comunicação, inclusive na Argentina. O lamentável é que Carolina e Pablo, que continuam vivendo em Paraguai, se negam a qualquer tipo de análise genética..