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Pedofilia, abusos, casamento forçado: como machismo atinge meninas em El Salvador

Martina tinha 13 anos quando conheceu Arnold, de 28; passou quinze anos com ele, até que decidiu dar um basta ao martírio
Ilka Oliva Corado
Diálogos do Sul Global
Território Estadunidense

Tradução:

A primeira vez em que Arnold bateu nela foi em sua primeira noite dormindo juntos. Martina fugiu com ele porque sua família queria mandá-la viver na casa da sua tia Dominga, na capital, para tirar o folgado que a andava rondando. Assim o seu pai chamava Arnold, “o folgado sem ofício”. Sua mãe, que havia crescido arreando vacas e fazendo tortas para toda a família e que quando se casou lhe tocou o mesmo ofício, lhe disse que não pensasse em casar até que se graduasse em algo, o que ia tirá-la de andar ordenhando vacas e dando-lhes de comer aos criados no vale. 

O pai de Martina havia logrado comprar trinta quadras de terra que ficavam no pé de um barranco, aí plantaram alimentos, feijão, milho e apartaram um pedaço para arrear as vacas que ele ia comprar em El Salvador para revendê-las em terra fria. Um ano depois de haver-lhe baixado o primeiro sangue de Martina foi quando apareceu Arnold, recém aterrizado dos Estados Unidos; havia chegado de visita com seus pais a casa de seus avós. 

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Como sucedia nas novelas que via, Martina pensou que era amor à primeira vista quando lhe revolveram as tripas e lhe começaram a morder o estômago; sua mãe a desceu da nuvem com uma trompada quando lhe disse que eram amebas e a purgou com azeite de oliva, suco de limão e bicarbonato e lhe socou a barriga com as mãos untadas de azeite morno. Certo, comprovou que tinha amebas porque depois de passar dois dias sentada na latrina não voltou a sentir as mordidas na pança. 

Com toda a delicadeza que a situação requeria, a mãe Bartolina explicou à sua filha as mudanças hormonais que trazia consigo a menstruação, ao que Martina não quis que lhe voltasse a descer por entre as pernas absolutamente nada que lhe gerara essa dor, pior que a dor de dente. A mãe lhe explicou que isso não era nada, que se esperava dar à luz a seus filhos, que essas eram dores de verdade não baboseiras. Explicou-lhe que se não queria senti-las com sua idade tinha que cuidar-se para que não entrasse absolutamente nada pelo meio das pernas. 

Martina tinha 13 anos quando conheceu Arnold, de 28; passou quinze anos com ele, até que decidiu dar um basta ao martírio

Kyra by Intimus
Com toda a delicadeza que a situação requeria, sua mãe Bartolina lhe explicou à sua filha as mudanças hormonais

Quando Arnold a cumprimentou na feira patronal, Martina ao invés de responder ao cumprimento saiu correndo em desabalada carreira; ele ficou encantado na moçoila magricela, alta, de pernas desnudas e que corria como gazela. Seu primo Iracundo comentou que assim de tímidas eram as do povoado, que quando viam alguém estranho se escondiam atrás das portas de suas casas ou saiam correndo e não respondiam aos cumprimentos até que tomavam confiança… pior eram as das aldeias nas montanhas. Por isso, Arnold, que nessa época tinha 28 anos, apostou mil quetzales que seria seu namorado e que iria modificar seus modos de montanheira. 

Quando tinha 13 anos, Arnold começou a aparecer para Martina em cada esquina, na loja, no moinho, no caminho velho ao vale, no parque, no ponto de ônibus, no caminho da escola. Nos primeiros seis meses não lhe respondeu a saudação nem recebeu as flores que ele lhe levava para presentear, muito menos os chocolates, nem as águas em bolsas. Não dançou com ele na festa patrona. Foi na Semana Santa na última procissão que não pode deixá-lo falando sozinho entre o tumulto de gente e lhe respondeu, coisa que havia estado desejando desde o momento em que o viu no primeiro dia. 

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Foi coisa de duas ou três palavras da lábia de Arnold para que Martina caísse rendida aos seus pés e aceitasse fugir com ele para os Estados Unidos. Mas Arnold tinha noiva oficial nos Estados Unidos e isso era sabido por toda a família que guardou silêncio quando viu que ele estava caído por Martina. Arnold, nascido nos Estados Unidos, foi morar na Guatemala na casa dos seus avós para estar perto de Martina, à qual arrinconava cada vez que ele queria nos becos, entre os arvoredos do caminho velho, no escuro quando ela ia comprar qualquer coisa com intuito de sair e vê-lo. 

Às escondidas e com ajuda de seu primo Iracundo organizavam encontros, e em nenhum momento foi pedir licença em sua casa para cortejá-la, tudo escondido, embora sua família soubesse desde o princípio e o avô não estivesse de acordo em que fizesse as coisas dessa maneira, mas a neta era de outra geração e fazia o que queria. Pela idade de Martina não se preocuparam, no povoado as garotas fugiam até com homens mais velhos que Arnold ou os pais as casavam à força para não cuidar mais delas. 

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Ao pai de Martina chegaram os rumores da relação de sua filha com o folgado que havia chegado de visita. Uma tarde que os encontrou agarrando-se atrás da loja de dona Tana quis agarrá-la pelo cabelo mas se conteve, porque Joaquina, a sobrinha que havia formado em Psicologia na capital lhes havia explicado em mais de uma ocasião que nenhum pai pode bater nas suas filhas por ter namorado ou por andar com um tipo que não seja de seu agrado, tampouco proibi-la de ter namorado porque era decisão delas. Mas é que esse tipo não era qualquer tipo: era um adulto assediando uma menina. Poderiam chamar a polícia aí mesmo, pensou, mas sabia que em poucos dias ele estaria em liberdade outra vez e que não havia nada mais a fazer para livrar-se da vontade de arrebentar-lhe a cara. E isso fez, o agarrou a socos aí mesmo e exigiu que se afastasse de sua filha. 

Para Martina disse que, se voltasse a vê-la com ele, a enviaria para estudar na capital na casa de sua irmã Dominga. Uma semana durou o susto para Martina, poucos dias depois as pessoas foram contar à Bartolina que viam o neto de dom Tolino, que havia chegado dos Estados Unidos, perseguindo sua filha por todo lado, que tivessem cuidado antes que ficasse grávida. Na casa de Martina marcaram a viagem para a manhã seguinte, de noite Arnold esperou Martina na cerca de árvores e a levou fugida à casa do seu primo Iracundo, porque à casa de seu avô não a podia levar, jamais lhe permitiria essa falta de respeito. 

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Nessa primeira noite juntos, Martina, que não sabia absolutamente nada da vida sexual, se assustou quando o viu desnudo e chorou quando Arnold lhe abriu as pernas bruscamente e colocou seu membro dentro de seu corpo à força. Não respirou, as lágrimas rolaram por seu rosto ao sentir a força com que Arnold a possuiu e se serviu dela como ele quis. E uma vez satisfeito, a jogou para um lado da cama, se vestiu e foi celebrar com Iracundo no bar do povoado. 

De madrugada, regressou bêbado a possuí-la de novo, desta vez bateu nela porque ela não sabia corresponder-lhe em tudo o que ele pedia que fizesse. Assim, Martina passou quinze anos de sua vida junto a Arnold e deu à luz quatro filhos, nunca teve uma palavra de respeito da parte dele, nem uma só carícia e sempre foi tomada à força. Quando à sua filha mais velha desceu o primeiro sangue e Obdulio, neto de Iracundo, começou a acompanhar seus passos, Martina não pensou duas vezes, agarrou seus quatro filhos, socou umas mudas de roupa em uma mochila e os levou o mais longe possível de Arnold e de sua família. 

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Sem muito dinheiro que o das passagens, lograram chegar a Quetzaltenango, onde conseguiu trabalho em uma fazendo colhendo café, trabalho que também fizeram seus filhos meio período, compartilhando as atividades escolares. Vinte anos passaram desde então e Martina com muito esforço, economizando centavo a centavo, juntou para ir ao dentista e colocar coroas nos dentes que Arnold lhe quebrou quando o maltratou a golpes em sua primeira noite dormindo juntos.

Finalmente pôde voltar a sorrir com naturalidade, sem ter que tapar a boca com a mão para esconder seus dentes quebrados. Originários de Quezada, Jutiapa, os filhos de Martina sabem que a violência física e emocional não forma parte de uma relação sadia, o aprenderam com sua mãe. Do pai, o único que souberam foi que voltou a se juntar com uma jovenzinha vinte e cinco anos mais nova que ele. 

Ilka Oliva-Corado | Colaboradora da Diálogos do Sul em território estadunidense.
Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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Ilka Oliva Corado Nasceu em Comapa, Jutiapa, Guatemala. É imigrante indocumentada em Chicago com mestrado em discriminação e racismo, é escritora e poetisa

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