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Batalha para muito fôlego no Peru

Gustavo Espinoza M.

Tradução:

Tal como anunciavam as nuvens tempestuosas sobre o céu do Peru, a crise desencadeou uma verdadeira tormenta no Peru.

Gustavo Espinoza M.*
Gustavo-Espinoza-Perfil DialogosDe todos os ângulos choveram questionamentos e críticas ao presidente Kuczynski, que apenas se atreveu a pronunciar um alegado pouco convincente, que não só não respondeu às dúvidas como ensejou novas interrogações.
Os documentos entregues à imprensa pela Comissão Lava Jato incrementaram a confusão em um amplo setor da cidadania do Peru que ainda tinha dúvidas sobre a honradez de seus governantes e que hoje olha com desencanto para o presidente.
El-Neoliberalismo-es-corrupciónO tema remete a diversos elementos. Um deles tem sido evocado pelo fujimorismo que, na ânsia de botar mais água em seu moinho, apregoa que a denúncia evidencia o fracasso daqueles que barraram a chegada ao poder de Keiko Fujimori.
O parlamentar Héctor Becerril, apegado a essa ideia, assegura que a culpa pela crise é da esquerda, por ter votado no PPK em 2016. Aldo M., por sua vez, afirma que este é o responsável por tudo, por ter combatido Keiko em vez de governar com ela, oferecer-lhe garantias para sua atuação e impunidade para seu pai, o réu deposto e preso.
Ambas interpretações pretendem esconder o inocultável. De um lado pelo fato de que o que vivemos, mais que uma crise da sociedade peruana, configura um processo de decomposição galopante da classe dominante, que se empenha, desde os anos 1980, em impor pela força um modelo de gestão neoliberal que hoje verte água por todas as partes. Não só garante ingentes lucros para as corporações e para o capital financeiro, como denigra e envilece a amplos setores da vida nacional estimulando um processo individualista e pragmático, que faz com que as pessoas procurem caminhos próprios para se enriquecer de qualquer maneira. A corrupção é a substância desse esquema no Peru.
As denúncias da Odebrecht e outras assomam quase como num laboratório e mostram os mecanismos utilizados por aqueles que enriqueceram à sombra do poder. Os que não acumularam fortuna com trabalho eficiente e esforçado, mas valendo-se de manobras vedadas, que sempre se serviram dos governos peruanos. Propinas, doações, contratos dolosos, negócios escusos, foram sempre a base da acumulação da fortuna dos poderosos. assim fez fortuna os Graña y Montero, os Camet, os Romero, os Miro Quesada e todos os que se acreditam donos do Peru.
Foram eles que em atenção às demandas do império, impuseram ao Peru o modelo neoliberal e apoiaram o golpe fascista de abril de 1992 e a espúria Constituição que nos ata. Porque é assim que funciona. Quando caiu a ditadura, esse segmento opressor se empenhou por assegurar a continuidade do modelo e sua norma legislativa. Mantiveram incólumes todas as ferramentas em todas as administrações posteriores, inclusive a de Humala.
Una batalla de largo aliento traba el Perú1Por outro lado, em 2016 os peruanos fomos às urnas, não para eleger o governo que desejávamos, nem escolher a um legítimo representante de nosso povo. Diante de uma conjuntura excepcionalmente difícil, e diante de inimigos declarados dos trabalhadores, optamos por eleger o qual era preferível enfrentar. O neoliberalismo encarnado pelo PPK implicava na ditadura de classe da burguesia. A de Keiko era a rota do fascismo em todo seu esplendor. Com responsabilidade e conhecimento de causa optamos pela primeira alternativa porque a segunda era simplesmente intolerável.
O regime neoliberal se fez crise, do mesmo modo que o aprismo de Alan e a máfia fujimorista. Não há alternativa razoável com eles. Por isso é preciso ter muito cuidado quando se propõem saídas de curto prazo. Propor simplesmente a realização de eleições adiantadas sem em nada mudar as regras em vigor, não é o caminho. Realizar eleições com os partidos políticos inscritos e as normas legais vigentes, é abrir as portas à máfia fujimorista. Promover uma Assembleia Constituinte nos mesmos termos, tampouco significará avanço. Teremos como constituintes os mesmos parlamentares de hoje, da máfia fujimorista e da Apra. E eles convalidarão sem pejo o modelo neoliberal vigente.
Essas bandeiras, poderiam ser justas em outras condições. Quando a unidade do povo, a organização das massas, a consciência política da cidadania e sua vontade de luta estiverem assentadas sobre bases firmes. E é isso que precisamente não ocorre no Peru. Porém como bem asseverou Félix Jiménez, a tarefa popular agora, concretamente, é barrar o caminho ao fujimorismo, que é a causa da atual degradação moral. A conjuntura política atual exige não perder de vista essa premissa. Para ir traçando o caminho para uma solução democrática há que ir bem além das declarações individuais partidárias. Os pronunciamentos e ações futuras devem ser de coalizões democráticas e progressistas o mais amplas possíveis. A Conjuntura exige unidade dessas forças democráticas e progressistas.
Pretendendo pescar em mar revolto, valendo-se da confusão reinante, a máfia trata de implementar um virtual golpe de Estado. Destituir o promotor geral da Nação, mudar a composição do Tribunal Constitucional, apoderar-se dos órgãos supremos de controle do Estado, liberar o genocida encarcerado e assegurar a mais absoluta impunidade a García e Keiko acusados dos mais graves delitos.
Nessa linha querem derrubar pela força o PPK para assumir com os vice presidentes e colocar no governo o titular do Congresso, Luís Galarreta. Esse é o sonho de Keiko, porque derivará numa convocação às eleições que em poucos meses a converteria em presidenta eleita. Ela denominará sua gestão como de salvação nacional. E, claro, isso seria um salve-se quem puder.
Assim grave é a crise. E só terá uma saída -que pode parecer utópica para os que não têm confiança- no instinto das massas e na força do povo unido. Para enfrentar o colapso atual, lutar é o caminho. Urge a mobilização organizada dos trabalhadores para impor uma saída democrática e popular à crise. Um despertar das massas é a única garantia séria de democratização da sociedade. Representa a força de um povo que não se deixará enganar pela prédica demagógica dos charlatães do sistema.
Inteligência e valor tem que ter o movimento popular numa hora como esta. E a defesa dos altos e autênticos princípios democráticos. Neste marco o povo não recuará em sua luta reduzindo-a à renúncia do presidente, nem ampliando para um quimérico “fora todo mundo”, bandeira importada da Argentina dos anos 1990, onde existia uma forte base social peronista, que foi a fonte para a recuperação do país. Aqui, o que se requer é: fechar o congresso espúrio; abolir as normas legais restritivas vigentes que impedem que o povo decida seu futuro nas urnas; derrogar a Constituição ditatorial dos anos 1990; e, liquidar com o modelo neoliberal que arrocha nossa economia e nos ata ao capital financeiro.
Há que entender que esta é uma expressão gráfica da luta de classes: a burguesia fracassou como sistema de dominação e o país requer uma solução de muito fôlego em cujas bases os trabalhadores tenham o papel principal.
 
*Colaborador de Diálogos do Sul, de Lima, Peru


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Gustavo Espinoza M. Jornalista e colaborador da Diálogos de Sul em Lima, Peru, é diretor da edição peruana da Resumen Latinoamericano e professor universitário de língua e literatura. Em sua trajetória de lutas, foi líder da Federação de Estudantes do Peru e da Confederação Geral do Trabalho do Peru. Escreveu “Mariátegui y nuestro tiempo” e “Memorias de un comunista peruano”, entre outras obras. Acompanhou e militou contra o golpe de Estado no Chile e a ditadura de Pinochet.

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