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Há 40 anos da greve geral no Peru

Gustavo Espinoza M.

Tradução:

Há 40 anos, em 19 de julho de 1977, o Peru viveu o que seria considerada uma das mais transcendentais jornadas do século XX: a greve nacional convocada pela CGTP e decretada pelo Comando Unitário de Luta, ao que se somaram organizações sindicais independentes das centrais existentes, mas ativas na ação reivindicativa dos trabalhadores.

Gustavo Espinoza M.*
Gustavo-Espinoza-M.-03-150x150Hoje todos recordam o cenário concreto em que ocorreu essa mobilização que comprometeu mais de um milhão de peruanos e que gerou uma reviravolta política no país. Poucos, entretanto, colocarão esses fatos no nível que lhes corresponde, como parte de um período crucial da história nacional. Vejamos.
Desde inícios do século XX transcorreu no Peru a luta por salários mais altos e melhores condições de vida para os trabalhadores. No inicia desta batalha está a formação das primeiras organizações sindicais, a luta pela Jornada de 8 horas, e a Mensagem de José Carlos Mariátegui sobre o 1 de Maio e a Frente Única. Na circunstância, deslindar a contradição entre a prédica do anarco sindicalismo e a mensagem classista de Amauta (revista de Mariátegui) constituiu a pedra fundamental de uma história rica em episódios transcendente.
PARO19JUL77A morte de Mariátegui, em abril de 1930 e a sucessão de governos fascistas nos anos 1930, semeou o caminho dos trabalhadores de opressão e miséria. E deixou um rastro de sangue que frustrou as expectativas do povo. O fim da ditadura de Odría, em 1956, abriu passo ao domínio de administrações formalmente democráticas, empenhadas em salvaguardar os privilégios da classe dominante. Contudo, como tampouco para “os de cima” a alegria é plena, em 1968 eclodiu o Processo de Velasco Alvarado.
Entre 1968 e 1975 –bem resumido por Héctor Cornejo Chávez em resposta a seu adversário Luís Bedoya Reyes- “o Peru viveu sete anos de Revolução sem crise” em contraste com “os dois anos de crise sem Revolução”, que significou o governo de Morales Bermudes, entre 1975 e 1977.
No Peru, em contadas ocasiões a classe dominante teve uma clara sensação de medo. Mas, talvez a primeira, que deixou marcas inapagáveis, ocorreu justamente quando a voz rouca e tonitruante de “Juan Sin Miedo” abriu os olhos às grandes maiorias nacionais e levou a cabo transcendente reformas econômicas e sociais de claro matiz anti-imperialista e anti-oligárquico. Talvez sim o medo tenha começado em Washington, e logo se instaurou em Lima, quando da reforma agrária e a reforma da indústria, abriram passo a uma participação ativa de camponeses e operários na construção de um novo modelo social.
O império colocou a mão na cartucheira, ao ver no cenário continental um núcleo de militares patriotas. “Os generais vermelhos” -disse a Casa Branca com voz trêmula-  quando Velasco sem vacilar nacionalizou empresas estadunidenses. Lançou então contra o Peru uma chuva de “Emendas”, a Hickenlooper, a Hollan, a Pelly- e ameaças que longe de intimar os governantes do Palácio Tupac Amaru (assim Velasco chamava a antiga Casa de Pizarro), os estimularam a ir pra briga.
O Processo de Velasco significou também um conjunto de conquistas valiosas para os trabalhadores. Porém elas não foram tampouco um obsequioso presente dos governantes. Ocorreu que eles abriram espaço para um confronto social de amplo espectro em que os trabalhadores puderam, pela primeira vez na história, lutar sem ter as mãos atadas. Assim, uma a uma foram alcançadas conquistas em fragorosos combates de classe.
O respeito à organização sindical, ao emprego, ao direito ao trabalho, unidos às melhores condições de vida para a população e os trabalhadores, deram forma social às transformações revolucionárias, e contra as que atuaram abertamente a oligarquia e o império. A queda de Velas foi produto da ação concertada de ambos, e deu passagem a um perigoso retrocesso. Esse foi o significado do governo de Morales Bermudes que terminou entregando o poder aos partidos tradicionais nas eleições de 1980.
A greve de 19 de julho de 1977 não foi feita para restaurar o Peru oligárquico. Nem para assegurar o domínio do capital financeiro, nem preservar os privilégios de uma classe envelhecida e em derrota. Ao contrário, foi feita para defender as conquistas sociais dos trabalhadores e os avanços do país ameaçados já pela crescente direitização do regime. Se alguém duvida pode consultar as páginas  da imprensa reacionária da época: o semanário de Alfonso Baella Tuesta -El Tiempo- falava de “A terça-feira vermelha”, e atribuía a iniciativa aos comunistas.
O governo reagiu da mesma maneira. E utilizou uma estratégia extremamente perversa: não se limitou a reprimir a sangue e fogo os trabalhadores provocando seis mortos e dezenas de feridos. Através dos decretos legislativos 010 e 011, autorizou as empresas a despedir a mais de cinco mil trabalhadores.
Dessa maneira o grande capital cortou a jugular do movimento operário e sangrou perfidamente os sindicatos. Todo o estado maior da classe em todos os níveis foi seccionado. Todos os quadros sindicais, forjados na luta e educados na linha de luta de classe pela CGTP, foram postos na rua sem pena. Os governantes da época e os empresários não se importaram nem minimamente pelo destino dos trabalhadores e a sorte de suas famílias.
Como Francisco del Carpio acaba de lembrar, referindo-se ao tema dos Humala, em 1977, a burguesia foi “implacável e cruel”. O ódio de classe materializou-se nas disposições patronais, todas referendadas pelo Ministério do Trabalho da época.
Essa foi a lição histórica da Jornada de Julho de 1977. Ensina que dos exploradores só se pode esperar castigo e vingança.
Recordar os episódios ocorridos há 40 anos no Peru, deve levar-nos a erguer três bandeiras: a defesa intransigente do proletariado, o rechaço categórico à política dos patrões, e, a luta sem tréguas contra toda forma de opressão e exploração.
 
*Colaborador de Diálogos do Sul, de Lima, Peru


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Gustavo Espinoza M. Jornalista e colaborador da Diálogos de Sul em Lima, Peru, é diretor da edição peruana da Resumen Latinoamericano e professor universitário de língua e literatura. Em sua trajetória de lutas, foi líder da Federação de Estudantes do Peru e da Confederação Geral do Trabalho do Peru. Escreveu “Mariátegui y nuestro tiempo” e “Memorias de un comunista peruano”, entre outras obras. Acompanhou e militou contra o golpe de Estado no Chile e a ditadura de Pinochet.

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