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O Estadão e o “Cheiro de Queimado”

Theotônio dos Santos

Tradução:

“O jornal conhecido como Estadão é a continuação dos reacionários que afirmavam que o Brasil não poderia existir sem os escravos pois não haveria mão de obra para levar adiante a produção dos bens necessários para a sobrevivência de nossos povos.”

Theotônio dos Santos*

theotonio_dos_santosFoi publicado, em 16 de novembro de 2015, um aterrador editorial no jornal Estado de São Paulo, órgão do pensamento conservador e reacionário, com o título de “Cheiro de Queimado”, que comenta depreciativamente o conteúdo da VII Conferência Latino-Americana e Caribenha de Ciências Sociais que transcorreu na Colômbia com a presença de cientistas, intelectuais e políticos das Américas que merece as seguintes observações:

Conhecemos vocês… O jornal conhecido como Estadão é a continuação dos reacionários que afirmavam que o Brasil não poderia existir sem os escravos pois não haveria mão de obra para levar adiante a produção dos bens necessários para a sobrevivência de nossos povos. Eles conseguiram nos atrasar uma centena de  anos com uma violência militar e policial colossal contra os escravos libertos, o que consumia grande parte de nossos recursos. Foram eles também que durante a Inquisição queimavam os “inimigos” da Igreja Católica sem cujo poder de vida e de morte a humanidade, segundo eles, não sobreviveria. Não é a toa que, neste momento que tentam uma ofensiva reacionária e um terrível retrocesso para milhões de latino americanos, começam a sentir o “delicioso” cheiro de queimado de seres humanos nas fogueiras que pensam impor a seus inimigos.

boicoteEles são também os herdeiros da Klu Klux Klan que queimava os escravos no sul dos Estados Unidos e que não podiam suportar a derrota dos seus exércitos racistas que tentaram impor ao norte industrial o “livre cambio”, isto é, o direito dos oligarcas do Sul ficarem com as libras inglesas que compravam o algodão produzido por seus escravos e dela fazerem o que quisessem, impedindo os Estados Unidos de proteger suas indústrias dos produtos industriais ingleses. Por sinal, com seu gosto pela mentira necessária para defender seus interesses, buscam ocultar o verdadeiro motivo da guerra civil dos Estados Unidos e o conhecimento extremado protecionismo que caracteriza a ação da secretaria de comércio dos Estados Unidos.

Mas não há dúvida que vocês não podem ocultar a sua paixão pelo seu maior líder: Adolf Hitler. No fundo vocês deliravam com as suas vitórias conquistando sem um só tiro QUASE TODA a Europa, impondo-se no norte da África com seus tanques “invencíveis”, com a modesta ajuda do outro líder que vocês adoram secretamente – Mussolini. Que gostoso era o cheiro de queimado que exalavam os tecnicamente excelentes fornos crematórios dos nazistas onde queimavam judeus, comunistas, ciganos e homossexuais. Talvez este foi o momento mais excitante de seus ideais… Hermann Goering pretendia estender o novo tipo de escravidão, que experimentavam nos seus campos de concentração, a toda a Europa Oriental e particularmente à União Soviética. Mal sabiam eles que a vontade política e a capacidade técnica e organizativa dos povos da União Soviética enterrariam seus delírios reacionários conquistando a Alemanha antes mesmo da chegada das tropas Aliadas.

Esta é a questão: sempre souberam usar o terrorismo que permite que uma minoria de 1% – composta de ultra bilionários – neutralizem os 99% da humanidade. Seguramente, a forma mais elaborada deste terror é a afirmação de que nós, os 99%, somos incapazes e jamais poderemos impor uma sociedade na qual se respeite a democracia, o desenvolvimento social, a atenção às necessidades da maioria da população. De fato, remuneram muito amplamente uma minoria de defensores desta tese a serviço desta minoria. Profissionais liberais, políticos, mas sobretudo uma mídia que articula um sistema mundial de noticias e “reflexões” ao serviço dos interesses desta minoria. Entre eles deve-se dar um forte crédito ao Estadão. Mas às vezes deixam às claras seus objetivos como neste editorial do Estadão: OESP, 15 de novembro de 2015. Este editorial exala o “cheiro de carne humana” que vem da sua história.

Mas a história da humanidade desmente seus “argumentos” terroristas. Nós – os “demagogos” – conquistamos a libertação dos escravos africanos em toda a América e os defensores do “cheiro de queimado” são uma minoria que se organizam clandestinamente e buscam evitar que se saiba exatamente suas preferências históricas. Conquistamos também uma ampla liberdade religiosa impondo a vigência das religiões não papais e o direito dos agnósticos existirem sem serem queimados pelos agentes papais. Hoje, até o papa incorpora nossos ideais. Acabamos também com as monarquias absolutas (com raras exceções como a Arábia Saudita que comanda grande parte das ações militares terroristas, com forte cheiro de queimado que as decadentes “potências ocidentais capitalistas” distribuem com suas bombas e seus drones pelo Oriente Médio).

As grandes maiorias já sabem quem são vocês e vocês têm perdido todas as eleições, apesar das limitações de informação que logram impor. Vocês podem alcançar vitórias parciais mas seus governos logo mostram seu cheiro de criadores de fogueiras, fornos crematórios, drones e outros tipos de assassinato coletivo. Não podem ocultar o cheiro de queimado ao retirar todos os direitos dos trabalhadores que possam e impor a concentração colossal de renda que os caracteriza. Apoiados por falsas politicas “de austeridade” seus governos vêm criando as mais colossais dívidas do mundo ( como as que se criaram nos Estados Unidos, na Europa e no Japão exatamente pelos governos que se diziam defensores do equilíbrio fiscal – o qual não existe definitivamente para os 1% que são donos de 54% das propriedades do mundo e que recebem gigantescas transferências de recursos públicos por toda parte onde têm o poder).

Com todas as relativizações – devido aos poderes que vocês têm para deflagrar guerras psicológicas, guerras econômicas, ditaduras, guerras abertas e outros métodos terroristas e de outras formas de cheiro de queimado – nós já conquistamos suficientes direitos e avanços materiais para derrotá-los definitivamente.

Uma nota final: Lula não falou para uma “claque” de estudantes colombianos. Ele falou para uma população de 30.000 estudiosos das ciências sociais em toda a América Latina, inclusive uma população importante de brasileiros. Seguramente eles sabem muito mais que vocês da realidade de cada um de seus países e de toda a região. Seus conhecimentos são muito superiores às mentiras que vocês difundem (como estas afirmações claramente inventadas!). Lula e Mujica, os prefeitos de Bogotá e Medelim e os ganhadores do Prêmio Latino Americano e Caribenho de Ciências Sociais, entre os quais me incluíram, além do Secretário – Geral do Conselho Latino Americano de Ciências Sociais formaram uma mesa de grandes autoridades científicas, acadêmicas e políticas que merecem o respeito das multidões que aí estavam, composta majoritariamente por jovens com menos de 24 anos, e das que os escutaram e viram em sistemas de televisão e rádio obviamente perseguidos pelos meios de comunicação que são aliados do grupo do Estadão.

Aí se respirava o cheiro de vida e esperança. Aí não havia lugar para o cheiro de queimado que o seu editorial cultua.

* Theotonio dos Santos, prêmio mundial de economista marxista da Associação Mundial de Economia Política -WAPE/ Prêmio latino-americano e caribenho de Ciências Sociais do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais – Clacso – Da equipe de fundadores de Diálogos do Sul.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Theotônio dos Santos

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