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Jorge Mansilla Torres*
Inti raymi, Músuj huata, Willka kuti e Inti huatana são frases quíchuas que falam da mesma coisa: festa do Sul, ano novo, soberano que volta. Sol atado. Pertencimento e pertinência solar no DNA dos originários. Esses sintagmas variam de tom sobre a mesma melodia; soam no sol maior sustenido do pentagrama cósmico em seu terceiro movimento: o inverno.
Os povos que a partir do dia 21 de junho se consagrarão a entender-se com o solstício devem ser compreendidos em sua essência. É o dia do Músuj huata, Ano Novo. Brava audácia a de começar do zero, com o sol na fase de crise. Talento de elevar a vida na crueza invernal do frio das considerações. Desafio assumido por poucas culturas nativas. Não haverá calor, dizem os povos andinos e amazônicos, mas sim claridade, como no caos de luz que é toda aurora. E é o tempo das sementes no sulco novo.
Quando se inicia o inverno e o sol empalidece no sul americano, os povos festejam a indômita vigência solar. Inti huatana, sol de atar. Huatay é o verbo atar e huata, ano. “Intita huatana cay huataman”: atemos o sol a este ano, clamam bailando.
No dia do Intij Raymin (assim, com desinências se escreve e se pronuncia “A festa do Sol”), os que se iluminam de futuro dançam e cantam a toda cor, porque o sol se afastará sem ir embora. Disso se trata residir na esperança. Dos giros da terra em diálogo com o sol aprenderam a realidade circular e total: aqui gira e aqui volta: Willka kuti, soberano que retorna. Povos de revelação e memória, vida que insufla vida na certeza do regresso; Pacha kutiy (pacha, sempre e kutiy, volta).
Os povos originários vêm de sociedades agrícolas, mágicas e panteístas pela contemplação do universo e seus fenômenos. São pessoas que leem no tempo, falam pouco porque cavilam muito. Por isso acreditam na Pachamama e em Tumpa, divindade amazônica. Mãe terra, primípara de semente, e deus da paciência selvática, da sábia espera.
Ante estas transcendências, sem entender a sabedoria ancestral daquelas civilizações, o povoador citadino habituado à circunstância marcada pelo almanaque perpetra uma estupidez que dá pena em vez de riso. Por causa da proibição municipal de acender uma fogueira de São João, na noite mais fria do ano rende arrepiantes tributos de comilança de doces e salgados, divindades do “uso e costume” consumista adornadas de marketing. Bah.
*Colaborador de Diálogos do Sul