NULL
NULL
Saem de suas casas: em municípios, aldeias, casarios, arrabaldes… sem rumo fixo, como folhas secas arrastadas pelo vento, mortas em vida, caluniadas, golpeadas, abusadas, rechaçadas e estigmatizadas.
Ilka Oliva Corado*
Pouco se sabe delas: são invisibilizadas, o Estado as marginaliza, a sociedade as exclui, o classismo, o racismo e os resquícios do patriarcado. Seu país as obrigam ao abandono e à migração.
Elas vão pelas vias férreas, em furgões, em vagões, entre montanhas e selvas, dormem nos banquinhos, nos mananciais atravessam desertos, rios, cercas de arame. Correm sem descanso: angustiadas, com o medo atravessado na garganta, com a boca seca, com a pele rachada, com o olhar perdido, com a decisão firme e com a potestade de párias.
Com o sangue empapando suas pernas, com os mamilos vertendo leite, com a mesma roupa, com os sapatos rotos, com fome, com sede. Insones, assustadas e aturdidas. Migram em bandos, centenas, todos os dias.
No caminho, de novo as estigmatizam, de novo as violam, agridem, marginalizam. Dupla angústia, a ansiedade de aprofundar, a paranóia se instala no sangue e palpita como taquicardia em seus corações insubornáveis.
Deixam sua terra, o ninho, suas crias e seus sonhos. Arrastam suas dores, desilusões e frustrações, como carga obrigatória, como um lastro ancestral das mulheres marginalizadas.
Vão em busca de vida, vida para suas crias. Vão em busca de ar, de terra firme, de uma oportunidade. Poucas o conseguem, poucas chegam ao final da viagem; no transcurso muitas são desaparecidas, assassinadas, enterradas em clandestinas, derretidas em ácido, queimadas com gasolina. Abusadas no tráfico de pessoas para fins de exploração sexual, laboral e tráfico de órgãos. Crianças, adolescentes e mulheres terminam seus dias em casas de tolerância, bares restaurantes, como serviço ao cliente; aí batem nelas, as violam até a morte.
Outras morrem nos desertos, na seca, entre ossos de outros que também tentaram chegar, entre cactos e poeira. Se afogam nos rios e flutuam como lixo que ninguém vê, ou que vêem e não se importam. Ficam nas linhas dos trens quando caem dos vagões ou são jogadas pelos coiotes depois de a terem roubado e violado.
Delas, pouco se fala. Existem só se conseguem chegar do outro lado e se transmutam para se converter em remessas. Então são classificadas como números, por datas das remessas ou por depósitos. São de novo despossuídas, tal como ocorreu no país de origem: da dignidade, sua essência como pessoas, de seres humanos e também, de novo, a transformam em objetos, em mão-de-obra barata posto que na diáspora também é mais um pária, como as milhares que migraram, estão migrando ou migrarão.
A elas minha reverência no Dia Internacional da Mulher. Louvor às migrantes em trânsito.
*Colaboradora de Diálogos do Sul, de território de Estados Unidos.