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O canadense Clayton Thomas-Muller cruzou a fronteira de seu país com os Estados Unidos para aderir ao movimento indígena contra a construção de um oleoduto, convertido em exemplo das lutas dos povos nativos da América contra megaprojetos, onde são inúmeros os pontos em comum.
Emilio Godoy*
“É um movimento incrível. O fator comum número um é a fundação espiritual da cosmovisão. São indígenas de todo o mundo que compartilham a cosmogonia da água. Há um sentimento de sacralização da terra. É o maior movimento indígena desde os dias pré-coloniais”, opinou à IPS esse delegado da Rede Ambiental Indígena.
Thomas-Muller, do povo cree, ou pukara wagan, destacou que o oleoduto é “um dos maiores casos de risco ambiental nos Estados Unidos”, contra o qual lutam os povos indígenas afetados, tal como fazem em outras partes do mundo.
“Vemos muito paralelismo nas lutas indígenas locais. Quando os povos indígenas se levantam e invocam o poder de sua cosmologia e de sua visão do mundo, e a incorporam a movimentos sociais, acendem as pessoas como nunca antes se viu”, afirmou Thomas-Muller, por telefone, do acampamento do povo sioux ao qual se somou, no dia 6 deste mês, para apoiar suas ações contra o oleoduto.
Ele assegurou que o mundo está com a Standing Rock Sioux, a tribo que encabeça a rejeição ao Oleoduto de Acesso às Dakotas (DAPL), com 1.890 quilômetros de comprimento e US$ 3,7 bilhões de investimento privado, no Estado de Dakota do Norte, no centro a fronteira entre Estados Unidos e Canadá. O projeto, construído pela empresa norte-americana Dakota Access, destina-se ao transporte de 470 mil barris diários de petróleo do poço não convencional de Bakken.
A rebelião dos sioux, também conhecidos como dakotas, conseguiu paralisar, desde setembro, a construção do oleoduto, em uma batalha à qual se uniram desde abril milhares de indígenas de outros povos nativos, ativistas ambientais e celebridades, dos Estados Unidos e de outras partes do mundo.
A rejeição indígena se centra no dano que o oleoduto provocaria, segundo denunciam, em locais sagrados, aos seus territórios e aos corpos de água. Os autodenominados “protetores” da reserva e das águas denunciam que o governo não negociou o acesso a um território sobre o qual legalmente têm jurisdição absoluta.
Com um acampamento montado nas margens do rio Misuri, onde estão hasteadas cerca de 600 bandeiras de povos indígenas de todo o mundo, resistem à repressão que se intensificou desde outubro. Nos Estados Unidos, vivem cerca de 2,63 milhões de indígenas – de uma população aproximada de 325 milhões –, divididos em 150 tribos.
Essa mobilização no norte do território norte-americano enriquece lutas semelhantes na América Latina, afirmam dirigentes indígenas. No Estado mexicano de Sonora, o povo yaqui passa por uma situação parecida, porque um gasoduto privado também ameaça seu território. “Não nos perguntaram nem nos informaram. Queremos ser consultados, que respeitem nossos direitos. Lutamos em defesa do território, do ambiente”, disse à IPS o yaqui Plutarco Flores.
Em maio de 2015, em uma consulta conforme seus usos e costumes, os yaquis, um dos 54 povos originários mexicanos, rechaçaram a passagem do gasoduto por seu território, mas o governo não reconheceu a decisão. Diante disso, eles entraram com um amparo na justiça em abril, que mantém suspensa a construção.
O gasoduto, de 850 quilômetros, passará pelo território yaqui em uma extensão de 90 quilômetros, nas imediações de algumas de suas moradias. Em outubro, um enfrentamento entre pessoas que apoiam e outras contrárias ao projeto, deixou um indígena morto e 14 feridos. Para Flores, a luta indígena contra os megaprojetos se converteu em “um modelo” e mobilizações como a de Standing Rock “nos inspiram e confortam, porque compartilhamos padrões culturais”.
Também no México, no Estado de Sinaloa, os indígenas raramuri mantêm paralisada, desde janeiro de 2015, a construção de um gasoduto entre seu território e o Estado norte-americano do Texas, sobre o qual exigem uma consulta livre, prévia e informada como é legalmente obrigatório. Ao contrário dos Estados Unidos, os países latino-americanos assinaram o Convênio 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre povos indígenas e tribais, que protege seus direitos e obriga a esse tipo de consulta sobre obras que afetem seus territórios.
Entretanto, em muitas ocasiões, esse direito não é levado às leis nacionais ou não é cumprido, quando suas terras ancestrais são incluídas em obras vinculadas a atividades hidro carboníferas, mineradoras, hidrelétricas ou de infraestrutura, denunciam dirigentes indígenas consultados pela IPS. Tanto o Fórum Permanente para as Questões Indígenas das Nações Unidas, como a relatora especial sobre os Direitos dos Povos Indígenas das Nações Unidas, a filipina Victoria Tauli-Corpus, pediram em setembro ao governo norte-americano que consulte as comunidades afetadas pelo oleoduto.
“O fato de não consultar os povos indígenas é uma violação de seus direitos. Além disso, as detenções ocorridas também são uma violação do direito de livre expressão”, destacou Tauli-Corpuz à IPS no dia 9, no encerramento de uma visita acadêmica ao México. Durante seus três dias no país, a relatora especial participou de um encontro internacional sobre direito à consulta prévia, livre e informada aos povos indígenas, promovido pelo Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos e pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
Tauli-Corpuz também se encontrou com representantes de 20 povos indígenas mexicanos afetados por gasodutos, hidrelétricas, estradas e minas. O governo mexicano anunciou que, em 2017, convidará oficialmente a relatora para que examine a situação dos indígenas no México. A alta funcionária explicou que uma queixa recorrente que recebeu durante visitas que fez a Brasil, Colômbia, Honduras, Panamá e Peru é o desrespeito à consulta que o Convênio 169 obriga e a inexistência de esquemas que a garantam.
Na Costa Rica, o povo maleku, um dos oito originários nesse país, onde há cerca de 104 mil indígenas, desconfia da ampliação em andamento do Aqueduto San Rafael de Guatuso, no norte do país. “Houve uma consulta mal feita, simulada. Além disso, o povo não quer os medidores de consumo de água, porque terão que pagar mais pelo serviço”, explicou à IPS, durante o encontro, Tatiana Mojica, facilitadora jurídica dos maleku, que estuda apresentar um amparo contra a obra.
Desde setembro, indígenas sarayaku, do Equador, emberá-wounaan, do Panamá, e tacana, da Bolívia, visitaram o acampamento sioux contra o oleoduto. Thomas-Muller ressaltou que “temos a oportunidade de detê-lo. Estou otimista de que seremos vitoriosos. Esses movimentos representam o martelo que cairá sobre a infraestrutura petroleira em mãos dos bancos e das grandes empresas. Queremos que apareça a vontade política”.
Os opositores preparam uma grande mobilização para o dia 15 deste mês, no epicentro do protesto para pedir ao governo que negue permissão para o oleoduto em Dakota. “Essa luta tem sequência. Estamos certos de que o gasoduto de Sonora não vai passar”, enfatizou Flores. Por sua vez, Mojica pontuou que “estamos nos unindo para lutar contra os megaprojetos para que não nos afetem. Estamos nos fazendo ouvir”. Para Tauli-Corpuz, a oposição às megaobras é uma característica compartilhada pelos grupos ancestrais, “e é um ímã que atrai a solidariedade de outros povos”.
*IPS de Cidade do México, México, especial para Diálogos do Sul , traduzido por Envolverde