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Dilma e o tsunami da direita

Paulo Cannabrava Filho

Tradução:

Paulo Cannabrava Filho*

Manifestantes colocam pato inflável de 12 metros de altura em frente ao Congresso Nacional. A Ação faz parte da campanha contra o aumento de impostos “Não vou pagar o pato”, promovida pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) 
Data: 01/10/2015 - Foto: Lucio Bernardo Jr. / Câmara dos Deputados Manifestantes colocam pato inflável de 12 metros de altura em frente ao Congresso Nacional. A Ação faz parte da campanha contra o aumento de impostos “Não vou pagar o pato”, promovida pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) 
Data: 01/10/2015 – Foto: Lucio Bernardo Jr. / Câmara dos Deputados

Dia 7 de Abril, Dia do Jornalista, jornalistas lotaram o auditório de sindicato, em São Paulo, num ato político de muita força para juntar-se ao clamor nacional de que não vai haver golpe, vai haver luta. Nesse sentido aprovaram um manifesto que foi enviado à presidenta Dilma Rousseff.

Houve consenso em torno de que o país está mergulhado em profunda crise política, que os conglomerados de comunicação estão atuando como partidos políticos e promotores do golpe para derrubar o governo; que é preciso resistir à escalada golpista, defender a legalidade e o respeito aos votos que elegeram o atual governo.
Presente ao ato, os discursos me levaram à seguinte reflexão.
Sim, vamos resistir, vai haver luta. Como?
Não será um pouco tarde para denunciar um golpe que foi perpetrado já há algum tempo? Os octogenários ali presentes se lembrarão de que de 1954 até os dias de hoje a história deste país é uma sucessão de golpes de Estado. E que há farta bibliografia dissecando os mecanismos desses golpes.
Eu, pessoalmente, além de ter testemunhado os golpes e contragolpes no Brasil, como jornalista estive presente também em inúmeros golpes perpetrados contra governos democráticos de nossos vizinhos e outros países de Nossa América irredenta. A tal ponto, que o jornalista Newton Carlos, que publicava coluna sobre política internacional em vários jornais, editava um suplemento sobre América Latina no Correio da Manhã e me utilizava muito como fonte, dizia alto e bom som que eu era da “esquerda demolidora”, pois onde eu estava havia golpes de Estado. Há farta literatura sobre todos esses golpes.
O que me indigna é que, com tudo isso, parece que não aprendemos nada. Como é possível que um governo se deixe encurralar sem nada fazer para estancar a escalada golpista? Onde estão os serviços de inteligência desse governo? Não viram a enxurrada de dinheiro despejada pela Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e outras instituições nacionais e estrangeiras para financiar os golpistas e, inclusive, os movimentos de rua?
A Fiesp, todos sabemos, longe de representar uma burguesia nacional, é hoje um estamento gerencial a serviço do capital transnacional. Toda indústria dinâmica de nosso país está hoje em mãos estrangeiras. Perdemos o controle sobre os centros de decisão, sobre política monetária e fiscal, sobre os rumos da economia e do desenvolvimento. É preciso recuperar o controle sobre os centros de decisão.
Como é possível que não haja resposta a tudo isso? Onde estão os meios de comunicação institucional, que são muitos, com que conta o governo? Por que não se usa as grandes redes de televisão em cadeia nacional? Afinal, todas são concessão do Estado, é só requisitar e colocar em cadeia para defender o governo e mobilizar as pessoas.
Inexplicavelmente paralisado na defensiva todo o tempo, o governo está agora num beco sem saída.  E pior, conseguiu ficar completamente isolado. Quanto somos os que estamos dispostos a realmente resistir, ir à luta?
O primeiro passo é assumir o poder e exercer o poder.
Só um fato novo poderia reverter essa situação. Uma ação capaz de empolgar as massas populares. Mas parece que não há vontade política para mudar coisa alguma. Só manter-se no poder.
A gravidade da situação me assusta. Não é o governo de Dilma ou do PT que está em risco. Mais do que a democracia e a legalidade, o que está verdadeiramente em risco é a soberania do país; é o Estado de direito; é o futuro: que país vamos deixar para nossos netos? País nenhum se não se reverter as expectativas e conseguir o apoio da massas para um Projeto Nacional.

Um pouco de história

Já octogenário, com 60 anos de jornalismo e política, de 1954 pra cá, a história do país tem sido, realmente, uma sucessão de golpes de Estado, eterna conspiração para manter o país no atraso sob a hegemonia de uma oligarquia rançosa e servil, principalmente servil, sem nenhum sentido de pátria.
1954 foi o golpe que levou Getúlio Vargas ao suicídio; morte que frustrou os golpistas, mas não conseguiu estabilizar o país. Em 1955 tentaram impedir a posse de Juscelino Kubitschek, não conseguiram e, durante seu mandato, houve mais duas tentativas de golpe. Em 1960 tivemos a farsa eleitoral que levou Jânio Quadros ao poder.
Em 1961, outra tentativa de golpe, disfarçada atrás da renúncia do presidente, desta vez frustrada pela reação do governador Leonel Brizola, que conseguiu empolgar a nação em torno da defesa de legalidade. João Goulart, trabalhista histórico e vice do presidente deposto, tomou posse, mediatizado pelo parlamentarismo, que logo foi derrubado pela vontade popular manifestada em plebiscito.
A direita não deu um minuto de paz para Goulart até que com ajuda de Washington conseguiram derrubar o governo democrático e popular e implantar uma ditadura que, conduzida por militares, durou mais de duas décadas.
Há farta bibliografia de pesquisadores que fizeram a biopsia detalhada do que foi a condução e execução do golpe contra o governo de Goulart. Mais que um golpe, como constatou o pesquisador René Dreiffuz, foi a captura do Estado pelo capital transnacional. E Moniz Bandeira não deixou dúvidas em seus livros sobre os interesses e participação de Estados Unidos no golpe. Hoje há até filmes com a voz de Kennedy dando luz verde à CIA para derrubar Jango.
O processo de redemocratização iniciado com a década de 1980, que teve seu auge com multidões se manifestando em favor de Eleições Diretas e logo pela Constituinte, não conseguiu se consolidar. É a realidade. Não conseguiu avançar nas questões essenciais como a da reforma política, reforma do judiciário, reforma tributária, para não falar nas questões sociais como reforma agrária e reforma urbana, com saneamento básico, atendimento à educação e à saúde.
Não conseguiu algo essencial e fundamental que é a captura do Estado como centro de decisão e poder hegemônico para executar um projeto de nação e uma estratégia de desenvolvimento.
Era preciso, nesse momento, desencadear uma ação cultural para atacar o ranço do totalitarismo impresso na alma do brasileiro. Era preciso ter um projeto nacional e o único que tinha era Leonel Brizola e seu núcleo de trabalhistas, nacionalistas e socialistas. Por isso, a ditadura e a mídia fizeram tudo para demonizar a figura do líder trabalhista.
Frustrada a campanha por eleição direta, tivemos que aguentar o governo do clã de José Sarney até que a Constituinte devolvesse o poder do voto ao povo. E então, tivemos outra farsa eleitoral que, em 1989, conduziu Fernando Collor de Mello ao poder. O “caçador de marajás”, que ia acabar com a corrução e salvar o país do comunismo. Tratava-se, na realidade, de salvar a pele das oligarquias ameaçadas pela candidatura do trabalhista nacionalista Leonel Brizola.
Aconteceu que, junto com Collor, aumentou o poder da máfia do narcotráfico, associada a seu principal assessor e coordenador da campanha, Paulo Cesar Faria (PC Farias). Collor cumpriu seu papel, fez o Plano Collor de estabilização da moeda e abriu o mercado brasileiro para as transnacionais. Porém, há sempre um porém. A criatura já não servia mais aos criadores. Armaram então o golpe.
Brizola foi o primeiro que denunciou, em dezembro de 1992, que a derrubada do presidente era um golpe. Golpe conduzido pelos meios de comunicação, um Parlamento dócil e majoritariamente pró-oligarca, e as manifestações populares, compostas principalmente pela classe média, induzida pelos meios de comunicação, sempre sensível às denúncias de que é preciso combater a corrupção e o desgoverno.
Itamar Franco, em seu governo de transição, não teve tempo, nem força política para levar adiante um plano de governo. Ficou na intenção, mas, conseguiu realmente algo inusitado e surpreendente, que foi a aprovação do Plano Real de estabilização da moeda.

O governo entreguista

Roubando as glórias que caberia a Itamar pelo Plano Real, e com apoio total da mídia e das grandes corporações transnacionais, ou seja, com todo o dinheiro do mundo, foi eleito Fernando Henrique Cardoso. E o que mais impressiona, com o apoio de amplos setores de acadêmicos e intelectuais. Nesse sentido, a eleição de FHC foi outra farsa eleitoral.
Alçado ao poder, o sociólogo cumpriu à risca o que havia teorizado em livros, ou seja, a teoria de que um país em desenvolvimento só tem chance de se desenvolver abrindo as pernas para o capital transnacional. E eram tempos de Consenso de Washington e os meios de comunicação se renderam ao pensamento único. Do alto de sua cadeira no moribundo Ministério da Cultura, Francisco Wefort, um dos ideólogos do PT, agora convertido, proclama a morte de Marx.
Foram 12 anos de Fernandato (1990-2002 – Fernando Collor e Fernando Henrique) que arruinaram o país. Se impôs hegemonicamente a ditadura do capital financeiro e a consolidação da mídia como porta-voz do pensamento único. Jorge Soros, através de Armínio Fraga, governando o país. Processo acelerado de privatização, alienação das riquezas naturais e destruição do parque industrial e tecnológico.
E aí chegamos às eleições de 2002. Durante a campanha eleitoral, nos dois turnos, o que se viu foi uma farsa psicossocial. Foi uma representação induzindo ao logro, com raras exceções, assim mesmo no âmbito dos candidatos sem chance. As agências de publicidade transformaram as eleições numa disputa de marketing mercadológico. Vendeu-se ilusão, nenhum programa fundado num projeto nacional.
Apesar disso, saudei na época: “a vitória das oposições e a ascensão de Lula, um operário ao poder, após 12 anos de ditadura do capital financeiro, oferece condições para que se abra um novo ciclo na história do Brasil, caso se mantenha a coesão das forças que garantiram a vitória em outubro. A situação do Brasil não é insolúvel caso se mudem os rumos da política econômica. Mas, não há de se alimentar ilusões. Períodos difíceis terão de ser suportados pelo povo brasileiro”.
Ganharam a eleição, ocuparam o Palácio da Alvorada, mas não assumiram o poder real. E havia condições para isso, vasto apoio de amplos setores da população, cansada de tanto desgoverno da era do fernandato. O povo queria mudança.
O que vimos, no entanto, é que não houve mudança de rumo, apenas mudança de método. Na essência, o que continuava a vigorar era o pensamento único, a ditadura do capital financeiro, a presença hegemônica da mídia corporativa.
Era oportunidade para dotar o país de um Projeto Nacional; nacionalizar o pensamento nos organismos de segurança do Estado. Não se fez. Os serviços de inteligência da ditadura, bem como a Polícia Federal, desenvolvidos, treinados e equipados pelos Estados Unidos, permaneceram intactos. O povo continuou sendo o inimigo a combater pelas forças de segurança do Estado.
Passados oito anos, a nova campanha para sucessão conduziu outra farsa eleitoral. Os marqueteiros conseguiram ganhar a eleição com Dilma Rousseff, mas não conquistaram o poder. De novo havia condições para mudança, era o que o povo queria. Porém, não havia condições e sequer vontade de mudar. A ingovernabilidade era evidente dada a composição do Congresso Nacional.
E tudo isso se repetiria depois de quatro anos. E assim, chegamos à situação em que estamos: o governo num beco sem saída. Um governo que governa nada, só na defensiva. Não tem a seu favor nem o próprio governo, ou seja, os serviços de inteligência, os órgãos de defesa e segurança, um centro de pensamento e formulação de estratégias. Tem um sistema de comunicação e não o usa. Tem o poder de convocar cadeias nacionais de rádio e televisão e não o faz.
A direita e o capital transnacional, com os serviços de inteligência de vários países estão numa gigantesca maré ofensiva. Desencadearam um verdadeiro tsunami que nem eles mesmos têm condições de deter.
Só uma maré popular de maior dimensão poderia detê-los. É trabalho para muitos anos, pois é preciso uma reversão de expectativas de amplo espectro, que recupere um sentimento de pátria, que ponha a universidade a pensar o país e as lideranças a formular um projeto nacional e uma estratégia de desenvolvimento e um plano de governo com vistas a viabilizar esse projeto.
*Jornalista e editor de Diálogos do Sul


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1957. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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