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Ricardo Senra*
Para João Pedro Stédile, líder do Movimento dos Trabalhadores sem Terra MST, uma eventual queda de Dilma geraria ‘caos na sociedade’
O governo de Dilma Rousseff é “burro” e “indefensável” e “em algum momento o matrimônio do PT com a presidente irá para o divórcio”. Quem afirma não é a oposição ou os organizadores de atos pró-impeachment, mas João Pedro Stédile, dirigente nacional do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e aliado histórico do Partido dos Trabalhadores.
Figura rara em páginas de grandes jornais ou bancadas de televisão, Stédile diz à BBC Brasil que o juiz Sergio Moro “abusa da autoridade” ao pedir esclarecimentos compulsórios ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cuja diferença em relação a Dilma seria “como a do dia para a noite”.
“Por ora, há um distanciamento (entre Dilma e o resto do PT) no discurso político. Mas se não houver mudanças, isso pode se transformar em ações práticas”, diz, sugerindo que a presidente pode perder o apoio da base petista no Congresso – procuradas, a Casa Civil e a Secretaria de Comunicação Social da Presidência afirmaram que não vão comentar as declarações.
O economista gaúcho de 62 anos, entretanto, rechaça pedidos de impeachment da presidente e alerta: uma eventual queda de Dilma geraria “caos na sociedade”.
“Da mesma maneira que não podemos questionar a legitimidade do governo Alckmin (PSDB-SP), que comete os mesmos erros de Dilma, mas ninguém quer tirar”, diz o socialista, cujo grupo reúne 350 mil famílias em 24 Estados.
Confira os principais trechos da entrevista exclusiva de Stédile à BBC Brasil:
BBC Brasil – Desde o depoimento do ex-presidente Lula à PF, na última sexta, fala-se sobre acirramento de tensões e na iminência de conflitos nas ruas. Como vê este momento?
João Pedro Stédile – Esta tensão é irreal. A imprensa está amplificando este clima para justamente acirrar os ânimos e estimular a militância de direita a ir às ruas. Na prática, o juiz Sergio Moro cometeu uma ilegalidade e o depoimento de Lula, em contraposição, provocou uma reação positiva em toda a militância do PT, que estava até então quieta. Esta militância agora foi provocada a ir para as ruas. Mas não vejo aumento na tensão.
A sociedade brasileira não aceita a possibilidade de golpe institucional. Se houver golpe contra a presidenta Dilma, isso vai gerar um caos na sociedade e muitos setores irão se levantar.
BBC Brasil – De que maneira?
Stédile – Nossa base certamente fará protestos em todo o país. Os movimentos estão atentos a qualquer gambiarra feita no Congresso ou no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) tentando caçar o mandato da Dilma e do Temer. O povo tem que ser respeitado na sua vontade eleitoral. Da mesma maneira que não podemos questionar a legitimidade do governo Alckmin (PSDB-SP), que comete os mesmos erros de Dilma, mas ninguém quer tirar. Podemos criticar a política, mas não colocar em jogo o instrumento democrático da eleição.
BBC Brasil – Novas manifestações pelo impeachment acontecerão no próximo domingo. Os organizadores destas sempre classificam o MST como “guerrilha” ou “exército do PT”. Como vê os comentários?
Stédile – As classes dominantes estão dividas em relação à crise econômica, política e social que o Brasil vive. Uma parcela minoritária acha que a saída é o impeachment. São estes reacionários, sempre refratários a mudanças, que vão para as ruas no dia 13. Esta pequena burguesia conservadora é muito crítica a qualquer possibilidade de convivência social com os pobres.
E eles se comportam assim há 500 anos: os mesmos comentários de agora foram feitos em apoio à ditadura em 1964, contra Vargas, contra os negros fugidos da escravidão.
Para nós, não há nenhuma novidade nestes termos que vivem atribuindo ao MST. Isso é raiva contra os pobres do campo que estão lutando pela aplicação da Constituição, que exige justiça social na distribuição da terra. Está na Constituição: todo governo deve desapropriar grandes propriedades improdutivas. Então, no fundo, eles estão se rebelando contra a Constituinte de 1988.
BBC Brasil – O MST, como dito pela oposição, é um movimento armado?
Stédile – O MST tem mais de 30 anos de estrada. A sociedade nos conhece. Já recebemos mais de 50 prêmios nacionais e internacionais por nossa contribuição ao desenvolvimento social e pacifico no interior do Brasil. O que diria é: sejam mais inteligentes, critiquem-nos porque somos contra latifúndio, mas não com este tipo de comentário, que é inverídico.
BBC Brasil – Que diferenças vê entre Lula e Dilma?
Stédile – A diferença é como da noite para o dia. O governo Dilma paralisou o processo de reforma agrária, sobretudo nos últimos dois anos. As únicas famílias que aparecem como assentadas foram na verdade colocadas em lotes vagos de assentamentos antigos.
O Incra tem muitas fazendas desapropriadas, já ajuizadas, porém só pode emitir a posse aos trabalhadores após depositar os recursos na Justiça para o proprietário. Estas fazendas ajuizadas nos últimos dois anos requerem hoje um valor aproximado de R$ 700 milhões aos antigos proprietários. No orçamento burro de cortes sociais que Dilma fez, o Incra recebeu R$ 500 milhões para isso. Isso não cobre nem a dívida.
BBC Brasil – São críticas duras à presidente.
Stédile – O MST sempre adota como princípio a autonomia em relação a partidos, governos e igrejas – nacional, estadual e municipalmente. Estamos completamente insatisfeitos com o governo Dilma. No final do ano, com a troca do ministro da Fazenda, quando parecia que ela poderia recuperar seus compromissos de campanha, nos assustamos ao vê-la retornando à política neoliberal, com a reforma da Previdência.
Depois fez acordo com (José) Serra (PSDB-SP) para encaminhar as reservas do pré-sal a empresas e levou ao Congresso uma lei antiterrorismo que nem na Europa se atreveram a levar. Fez cortes que atingiram fundamentalmente educação, saúde, moradia e reforma agrária. É burrice, é um governo que não se deu conta que, com a agenda neoliberal, perde a base social que o elegeu.
Todo mundo sabe que os petroleiros e trabalhadores da Petrobras apoiaram a eleição. E todas as medidas que ela tomou foram contra eles. Estive agora em Macaé e está todo mundo, com franqueza, p**o com ela.
BBC Brasil – Em algum momento essa base pode retirar seu apoio definitivamente?
Stédile – Sempre que o governo toma medidas antipopulares, os movimentos aumentam o tom. Eu acho que o enigma maior quem vai ter que resolver são o Lula e o PT. Esta política burra do governo Dilma com o transcorrer do tempo vai inviabilizar a candidatura do Lula em 2018.
BBC Brasil – Como?
Stédile – O governo, com estas medidas, é indefensável. Em algum momento este matrimônio do PT com o governo Dilma irá para o divórcio. A resolução do diretório nacional do PT, que aprovou 22 propostas de política econômica, é um claro recado – ou vocês mudam a política, ou haverá distanciamento.
BBC Brasil – Este distanciamento já existe? Em fevereiro, a presidente “esticou” uma viagem ao Chile e não participou do aniversário do partido. Lá, disse que “não governa o Brasil só para o PT”…
Stédile – Há um distanciamento, por ora, no discurso político. Mas se não houver mudanças, isso pode se transformar em ações práticas.
BBC Brasil – Por exemplo?
Stédile – Por exemplo nas votações da bancada, no apoio interno à presidente.
BBC Brasil – Como avalia a chance de novas convocações de Lula para depoimentos?
Stédile – A condução coercitiva é uma ilegalidade, assim como é um abuso a prática permanente do juiz Moro, que vaza informações de maneira selecionada à imprensa. Ele já reconheceu publicamente que isso é uma tática que aprendeu com os juízes da Mãos Limpas, na Itália, para pressionar a sociedade.
Mas juiz não tem que pressionar ninguém, então ele está abusando de sua autoridade. No Brasil, o Judiciário é o último poder monárquico, autoritário. Um juizinho filho da alta burguesia faz um concurso, passa e vira todo poderoso. A Constituição diz que todo o poder emana do povo – não de concurso público.
BBC Brasil – Concorda com os que criticam uma suposta seletividade na Lava Jato?
Stédile – A Lava Jato é apenas o espelho de uma crise política que está espalhada no país, resultado do sequestro que as empresas fizeram da democracia brasileira. As empresas elegem quem elas querem. Como não tinham convênio com a Petrobras, não foram investigadas. Por isso nós defendemos uma profunda reforma política nos métodos da eleição. Mas esta reforma, o atual Congresso não tem moral e nem quer.
BBC Brasil – Quais seriam os principais pontos?
Stédile – Defendo a necessidade de, no futuro, convocarmos uma Constituinte para reforma eleitoral e no sistema político. Mas tenho certeza que a convocação de uma Constituinte só virá se as massas forem às ruas para exigir.
BBC Brasil – O que proporia nesta Constituinte?
Stédile – Os movimentos populares já estão discutindo há muito tempo a plataforma de uma nova política. Em primeiro lugar, nenhum financiamento privado, nem de pessoas, nem de empresas. Gastos de campanha têm que ser com recursos públicos e controlados. O sistema de candidatura tem que ser feito de modo que os candidatos reflitam a sociedade brasileira.
Se tem 58% de negros na sociedade, lá tem que ter 58% de negros. Se há 52% de mulheres, lá tem que ter 52% de mulheres. E assim sucessivamente. Tem que ter critérios para que os eleitos cumpram seus programas. E, se os eleitores não estiverem satisfeitos, que haja um mecanismo de caçar o mandato dele mediante votação, valendo tanto para parlamentares quando no Executivo.
Tem que ter uma correção da representação dos deputados por Estado. Hoje, um voto do Acre vale por 38 paulistas. Temos que reorganizar o sistema de representação para que esteja de acordo com o número de votantes, e não por estado.
BBC Brasil – No Dia Internacional da Mulher, o MST promoveu atos em 22 estados e reuniu mais de 30 mil pessoas. Qual era a mensagem?
Stédile – Em todo dia 8 de março, as mulheres da via campesina e do MST sempre se mobilizam com total autonomia. Normalmente elas escolhem locais simbólicos da exploração, da humilhação. Neste ano, em vários estados, elas escolheram as instalações da Vale (por conta do rompimento da barragem em Mariana da Samarco, empresa da qual a Vale é sócia).
A Vale destruiu comunidades e matou um rio de mais de 700 km. O acordo que ela fez com o governo não é suficiente. Se o governo tivesse coragem, reestatizava a Vale.
BBC Brasil – Qual é sua resposta aos que fazem referências a ‘sanduíches de mortadela’ e a supostos pagamentos à militância do MST para participação em atos?
Stédile – Isso demonstra falta de ideias. Nós reconhecemos a crise, mas para sairmos é preciso que a sociedade e seus setores discutam propostas. Quem não tem proposta apela para estas idiotices e criticas a comportamentos pessoais ou até à origem social dos manifestantes.
Da BBC Brasil em São Paulo – 10 março 2016 – http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/03/160304_stedile_rs?SThisFB