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Carolina Vázquez Araya*
Não é necessário um cenário de guerra para observar as múltiplas ameaças que cercam, como se fosse algo natural, a vida de meninas, adolescentes e mulheres impedindo-as desenvolver-se plenamente para gostar da vida em liberdade e com todas as garantias próprias de um sistema de legalidade.
Este tema é a denúncia constante de ativistas de direitos humanos, acadêmicos e estudiosos do fenômeno social em países em desenvolvimento e de quem quiser parar para observar o que ocorre numa aldeia, nos casarios e cidades de nossa América Latina.
Meninas grávidas é a constante. Suas famílias, pobres e privadas de todo benefício por obra e graça de um sistema de privilégios, preferem entregar a suas filhas em matrimônio precoce – a maioria forçado – a fim de livrar-se do peso de alimentar mais uma boca, mas fazem de modo a evitar a vergonha diante do resto da comunidade. Para isso negociam com homens maduros que oferecem qualquer preda por esse menina cuja vontade não conta na transação e cujo destino está marcado com firma na ata matrimonial.
Os dados são arrepiantes e só aumentam. Porém não só em matrimônios de jovens de tenra idade, mas também em uniões forçadas, sequestros, violações e tráfico de meninas menores de 14 anos, perpetrados tanto por seus familiares mais próximos, que as consideram como um sub produto útil para transacionar, como por autoridades das comunidades onde elas nascem e se desenvolvem. E a isto também se somam as organizações criminosas, cujos territórios abarcam todo o que reencontra abandonado pelo Estado em termos de segurança, proteção à infância e estabelecimento do estado de direito.
Esses casamentos constituem uma patologia social de longa data e para que seja erradicado completamente não bastará uma norma legal que ponha um limite de idade para contrair matrimônio. E tampouco é questão de estabelecer castigos severos aos infratores, a maioria dos quais nem sequer compreendem o conceito dessas restrições, porque elas contrariam uma norma de vida comunitária desde os tempos de seus ancestrais.
O trabalho de mudar esse costume tem desafios quase impossíveis do ponto de vista logístico e isso é sabido por todas as entidades nacionais e internacionais cuja missão é propiciar uma transformação profunda nessa situação. Os estudos de campo mostram um cenário incompreensível para quem tem uma perspectiva urbana e intelectual, dado que tanto homens como mulheres de setores marginados, pobres e majoritariamente rurais, consideram essas práticas como algo perfeitamente aceitável.
Com o fim de reverter em 90 graus a situação das meninas em condição de pobreza e exclusão – as principais vítimas desse tráfico muitas vezes legalizado -, a educação é a única ferramenta possível. Porém a educação só será efetiva num contexto de respeito pelos direitos humanos e uma administração de governo capaz de priorizar as políticas orientadas a satisfazer as necessidades desse setor da população.
O pensamento patriarcal, patente e soberano em todas as instâncias das sociedade latino americanas, deverá dar passagem a um sistema de justiça social. A triste sorte de milhões de meninas, ainda que a simples vista não se perceba, é outro dos fios da trama de um sistema capitalista impiedoso e voraz.
*Colaboradora de Diálogos do Sul, da Guatemala.