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Confira abaixo discurso proferido pelo ministro da Cultura, Juca Ferreira, durante solenidade de abertura do #Emergências, na tarde desta segunda-feira (7/12/2015), no Rio de Janeiro.
“Estamos abrindo este encontro depois de um longo período de preparação junto com os movimentos socioculturais brasileiros e a palavra emergências nos remete a pelo menos dois sentidos.
Quando idealizamos esse encontro, pensamos apenas em um dos seus sentidos: o sentido de emergir, do que está se constituindo socialmente. O Emergências foi planejado para atender à necessidade de refletirmos sobre as relações da cultura com temas que surgiram nas últimas décadas e estão se afirmando como centrais para a humanidade neste início do século XXI.
Quiseram as circunstâncias políticas do País que, independente da nossa vontade, nosso encontro tivesse que lidar também com o outro sentido da palavra emergência, como momento crítico, que precisa ser enfrentado imediatamente, com o sentido da urgência, da gravidade.
A tentativa, ora em curso, de quebra da ordem democrática é muito grave e nos obriga a exercitar a reflexão sobre o que nos é urgente, integrando, com isso, os dois sentidos da palavra.
Precisamos refletir sobre as ameaças às sociedades democráticas, e em particular, a ameaça à democracia brasileira. Nossas reflexões podem contribuir para uma recomposição programática, política e cultural que fundamente um novo ciclo político, capaz de fazer avançar a democracia, as liberdades individuais e coletivas, os direitos sociais e a sustentabilidade.
Ver aqui presente tanta gente, gente dos quatro cantos do Brasil, ver tantos hermanos e hermanas da América Latina, Espanha, Portugal e Estados Unidos; ver intelectuais, ativistas e pensadores, reunidos em torno de propósitos tão generosos, sobre tantos temas importantes para toda a humanidade, me entusiasma como poucas coisas neste mundo.
Tamanha sinergia nos revigora, nos anima, nos enche de esperança. Por si só, este auditório já nos diz que não é hora de perplexidade, nem de desânimo.
O que aqui nos une são os sentimentos mais qualificados que pode almejar uma coletividade. Estamos aqui para celebrar e refletir sobre a democracia, a paz, a justiça social, o respeito às diferença humanas e em nome do amor e da solidariedade.
Hoje, no Brasil, vivemos um momento crucial para o futuro da democracia, para a paz, para os direitos sociais e para a sustentabilidade. Vivemos tempos de ameaças de perdas de direitos, de retrocessos das conquistas sociais e políticas conquistadas a duras penas nas últimas décadas e de tentativas de legalizar uma relação irresponsável com o meio ambiente. No Brasil e em alguns outros países, há os que querem retroceder ao tempo em que o Estado não era laico.
A lógica neoliberal de cada um por si e de um Estado sem compromissos com os direitos fundamentais da população está voltando. Para se ter uma ideia do momento que estamos vivendo: há quem no Brasil de hoje peça a ditadura de volta, há quem trame golpe de Estado dando-lhe aparência de legalidade, sem nenhum receio de pôr em risco a democracia.
Não podemos de maneira nenhuma deixar que se estabeleça o retrocesso, que sejam ameaçados direitos conquistados e, principalmente, que se ameace a liberdade que só a democracia que construímos nos últimos anos garante.
Precisamos é de um novo ciclo de desenvolvimento, com mais direitos e com um Estado mais democrático, de mais qualidade de vida e melhores condições para a realização da condição humana de todos.
A queda do muro de Berlim pôs por terra os ideais que alimentavam a utopia socialista de então. Naquele momento, perdiam-se algumas referências que tinham balizado as conquistas sociais e os ideais de igualdade e justiça social que mobilizaram a humanidade desde o século XIX e durante todo o século XX.
As grandes causas de caráter mais totalizante deixaram de mobilizar a população em geral. Mas, por outro lado, na contramão de tudo isso, como uma transmutação e uma possibilidade de renovação dos ideais utópicos, multiplicaram-se as demandas sociais.
Por mais paradoxal que seja, exatamente quando o sinal estava fechado para as utopias mais gerais, cresceram e passaram para o primeiro plano demandas de vários segmentos sociais e expandiram-se os ideais libertários, ideais que, significativamente, exigem uma revolução cultural. Foi quando a cultura assumiu o primeiro plano e invadiu o campo da política, irreversivelmente.
Estamos falando de novas sensibilidades e visões de mundo. Estamos falando de uma nova cultura política.
Gradativamente, passaram para o primeiro plano lutas como o combate ao racismo e a discriminação – afirmou-se a igualdade de direitos e oportunidades entre negros e brancos; o reconhecimentos dos direitos dos povos indígenas; os direitos da infância e da juventude; o direito das mulheres à igualdade com os homens, e o seu direito à singularidade; os direitos dos idosos, dos portadores de deficiências físicas e dos portadores de transtornos mentais, e também os direitos individuais frente ao Estado e às coletividades; o direito à liberdade de orientação sexual e o direito à cidade. Sem esquecermos do direito a um meio ambiente saudável.
Estavam dadas as condições para se pensar no futuro do planeta e para uma nova relação com a natureza. Naquele momento, estava posta a questão da sustentabilidade.
Os valores democráticos foram se afirmando em todo o mundo, em diferentes intensidades, com a queda de regimes totalitários e ditatoriais e com a decadência do colonialismo.
Esta renovação dos ideais libertários e muitas conquistas desse período, entretanto, estão hoje ameaçadas pelo recrudescimento, no Brasil e no mundo, do fanatismo, do racismo, da xenofobia, da intolerância religiosa, do machismo e do fascismo, em mais uma onda de reação conservadora como outras que já presenciamos em outros momentos.
Precisamos nos reinventar, econômica, social, política e culturalmente. O autoritarismo vem reagindo com as armas que pode aos avanços da democracia e à redução das desigualdades sociais em nossos países.
Este fenômeno se manifesta no Brasil e na América Latina de hoje, estimulado pela crise econômica mundial e também pelos erros cometidos pelas forças políticas que conduziram este processo.
Vivemos uma luta política entre o passado e o futuro, entre o poder exercido para poucos e o poder comprometido com o interesse da maioria.
Esta batalha está sendo travada à luz do dia, diante dos olhos de todos, travada na política, na economia, nas comunicações, na diplomacia, no direito e, também, como não poderia deixar de ser, na cultura.
O lado positivo disso tudo tem sido ver que muitos – mulheres, índios, juventude, trabalhadores, pobres, quilombolas, moradores da periferias das grandes cidades etc. –, ao perceberem a democracia e os direitos conquistados sendo ameaçados, se lançaram a um protagonismo maior.
As mulheres, mais uma vez, saíram na frente. Os adolescentes secundaristas do estado de São Paulo estão nos dando uma lição. Os povos indígenas enfrentam a tentativa de invasão de suas terras e lutam pelos direitos conquistados. O movimento negro luta contra a intolerância religiosa, o racismo e a discriminação. Os trabalhadores enfrentam a tentativa de redução dos seus direitos.
É perceptível a emergência de uma cidadania planetária. O Emergências está associado a necessidade de uma reflexão profunda sobre o novo contexto social, político, econômico e cultural em que vivemos, marcado por grandes desafios, por novas formas de convivência, por novos territórios culturais, novas modalidades de organização e participação social e por novas e mais democráticas e acessíveis modalidades de relacionamento com a informação.
Precisamos fortalecer a democracia em todas suas dimensões. Para fazer frente à repressão, ao autoritarismo e à ameaça de retrocesso nas conquistas sociais.
Emoldurada pela economia internacional, a crise é do tamanho do mundo, nem mais nem menos, uma crise que atinge as mais diversas dimensões da vida coletiva nos quatros cantos do planeta. Da crise econômica à crise migratória, da crise de mercado à crise simbólica, da crise dos modelos de desenvolvimento à crise de valores. Ou seja, da crise da sociedade humana à crise de sustentabilidade da vida no planeta.
Esta é, em suma, uma crise civilizatória e assim ela se manifesta na esfera cultural. Aponta para a necessidade de uma nova cultura, para a necessidade de uma nova sensibilidade e de mudança de comportamento e compreensão da condição humana; baseada em direitos e oportunidades iguais e no respeito à diversidade, na convivência e na interação entre desiguais e em uma relação respeitosa com a natureza. E, como já disse o poeta, “a gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte”.
A afirmação da beleza, da não violência, da tranquilidade, da alegria e do prazer é, em última análise, uma luta política. Insistir nesses valores, na restauração da Terra como meio ambiente humano e da vida em geral é, hoje em dia, uma questão de sobrevivência. Mariana e o Rio Doce que nos digam.
O Emergências busca respostas para questões que nos assaltam por todos os lados. Questões graves e imediatas, como esta tentativa de golpe no Brasil, e questões ligadas à construção de uma cidadania planetária em que todos se reconheçam. É isso o que se espera da troca de conhecimentos e da soma das inteligências e das energias vitais aqui reunidas, todas dispostas a encontrar caminhos mais democráticos e sustentáveis a partir de experiências vividas em seus territórios.
Sei que todos aqui estão convencidos de que precisamos defender a democracia e aprofundar suas conquistas.
Fora da democracia não há caminho que valha a pena trilhar.
É para isso que estamos aqui: para defender o direito de todos. Somos contrários à violência e à boçalidade.
Muito obrigado pela participação de todos e por terem aceitado o convite do Ministério da Cultura. Nosso muito obrigado a todas as organizações sociais parceiras na realização deste evento.
Vamos ao trabalho!
Viva a democracia!”
*Juca Ferreira é Ministro de Estado da Cultura do Brasil.