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Fernanda Pompeu*
Muito antes dos iPods e similares colados nos ouvidinhos, houve os rádios de tomada e depois de pilha. Pelo Brasil profundo eles ainda resistem, apesar do assombroso avanço dos smartphones. Mas bem mais interessante do que o aparelho em si, é viajar para atrás no relógio e encontrar a importância do rádio antes que a televisão roubasse as salas e as atenções. O rádio, nos anos 1940 / 1950, funcionou como uma espécie de internet 1.0. Um portal de notícias, atrações e sonhos.
Por exemplo, a Rádio Nacional do Rio de Janeiro (PRE-8) teve de tudo: música, notícia, campanha, humor, radio novela, propaganda, esporte. Programas de auditório num teatro de 486 lugares. Orquestra própria, sob a batuta de Radamés Gnattali e outros de 24 quilates. O veículo foi tão popular que essas duas décadas ficariam conhecidas como a Era do Rádio. A Nacional funcionava no edifício A Noite, na Praça Mauá, zona portuária do Rio. Rádio de longo alcance, suas ondas espalhavam a programação para grande parte do país. Era uma espécie de Rede Globo. Aliás, não é exagero falar que o rádio foi pai e mãe da TV brasileira.
No 24 de agosto de 1954, no Mercado Municipal de Taubaté, meu pai ouviu um assustado açougueiro comentar que o presidente da República havia se matado. Mas papai só acreditou para valer quando o speaker do Repórter Esso – noticioso da Rádio Nacional – irradiou: E atenção. Acaba de suicidar-se no Palácio do Catete o presidente Getúlio Vargas. O Repórter Esso, cujo curioso slogan era Testemunha Ocular da História, funcionava como avalista das verdades. Enquanto não se ouvisse no noticioso, o fato ainda era boato. Essa credibilidade conferida ao rádio todavia persiste. Ainda dá crédito dizer: Ouvi no rádio.
A Rádio Nacional também brilhou na dramaturgia. Empregou muitos autores e emocionou milhões de ouvintes, como mamãe que não perdia um capítulo de O Direito de Nascer. Essa radio novela foi uma das centenas que a Nacional produziu. Houve os humorísticos PRK-30 e Balança, mas não cai – que criaram tipos que migrariam para a futura “máquina de fazer doido”, a TV. Por fim, o que hoje chamamos de MPB – Música Popular Brasileira – deve muito às iniciativas dos músicos da emissora.
Ontem mesmo li uma frase: Os seres humanos gostam mais de agregar do que desperdiçar. Se isso for sério, o rádio – muito além do aparelho – certamente continuará. Ele crescerá como linguagem. Com sua especificidade de cultivar intimidade com o ouvinte. Com sua capacidade de incendiar nossas emoções pelos sons.
*Colaboradora de Diálogos do Sul – imagem: Régine Ferrandis