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Maria José Silveira*
Como em todo sonho, eu não reconheci bem onde estava. Era um quarto, o meu quarto no Palácio da Alvorada, mas era como se nunca estivesse estado lá. O que não tinha a menor importância; o que importava era decisão que eu havia tomado.
O primeiro que fiz foi me vestir do jeito que gosto: calça preta confortável e blusa de manga comprida, seda branca e estampa vermelha. Mantive a maquilagem habitual, só mudei um pouco o cabelo: puxei uma franja, e gostei. Fiquei mais jovial. Vida nova, eu me disse, e então, com muita serenidade, convoquei o espaço presidencial na TV, em rede nacional. Os marqueteiros vieram correndo, mas fui firme: Hoje, não. Hoje, quem manda sou eu, e só quero aqui meu pessoal operacional.
Fechei a porta da sala, sentei no meu sofá preferido, e comecei, frente ao câmera-man:
“Meu povo brasileiro:
Esta é a presidente que vocês elegeram, falando com muita transparência, honestidade e franqueza.
Na última manifestação de oposição a mim, quando vi a foto de uma senhora de cabelos brancos, levantando um cartaz me pedindo para ter morrido enforcada na ditadura, entendi que não dava para adiar mais uma conversa franca. É preciso que eu explique muito bem explicado a todos vocês, povo brasileiro, o que anda acontecendo com meu governo.
Antes de mais nada, admito, com toda a humildade, que errei. Mas errei, como já disse antes, não no que estão me acusando. Meus erros foram outros.
Meu primeiro grande erro foi quando cometido quando vi a nação polarizada na minha votação. Pensei que poderia apaziguar a divisão, se também agradasse os que não haviam votado em mim, fazendo o que imaginei que eles quisessem. Ao fazer isso, no entanto, inevitavelmente abandonei os que votaram em mim. Ninguém agrada a todo mundo, e quem pensa isso, como eu pensei naquele momento, erra por soberba. Erro que ficou ainda mais grave porque eu nada expliquei aos eleitores que me elegeram. Não dei satisfação alguma. Não vim aqui, sem marqueteiros, como hoje, para explicar porque havia escolhido a direção contrária da prometida. Achei que a polarização com certeza acabaria, que o país entraria nos eixos, e com isso errei pela terceira vez, porque a divisão se aprofundou como nunca jamais vimos antes.
Errei também, logo depois, na escolha dos meus ministérios. Embora quanto a isso – quero lembrar a todos que meu governo é um governo de coalização de nove partidos: PT, PMDB, PCdoB, PDT, PSD, PP, PR, Pros e PRB. Isso significa que não governo sozinha. Eles também governam comigo. Todos querem seu espaço, seu pequeno poder, e vocês não queiram imaginar o que isso significa.
Vou usar o clichê do barco no mar encapelado, porque é uma metáfora pertinente. Eu piloto esse barco que agora está passando pelo que podem chamar de uma “tempestade perfeita”, ondas gigantes batendo de todos os lados, desemprego, inflação, alta do dólar, todas insufladas pelo vento da mídia impressa e televisiva cujo interesse verdadeiro não é encaminhar o barco para um porto seguro, mas açoitá-lo cada vez mais, destituindo o piloto.
E dentro do barco, quem está comigo? Se fossem apenas os companheiros que, ao meu lado, lutam para que o barco avance para o porto à vista, seria ótimo. Mas não. Para esse barco pularam também os tubarões, os peixes-espada, as hienas marinhas. Eles não querem que o barco avance; querem afundá-lo com todos dentro. Vocês não imaginam como é preciso ter estômago para enfrentar esse cardume.
Mas ainda preciso falar da mídia. Vocês, como eu, devem estar cansados de ver como ela se banqueteia com os vazamentos da Lava-Jato, e com todos os meus tropeços. Ressalta, enfatiza cada um deles, e não só isso: também tergiversa ao elaborar manchetes venenosas, desmentidas pelo decorrer da própria matéria que, no entanto, ninguém vai ler. E com isso, criaram, criam e continuam criando, esse clima de ódio e intolerância que estamos vivendo.
Dizem que não escuto. Admito. Sou uma pessoa custosa. Mas sou muito honesta, acho que aprendi muito nesses meses tão difíceis, e estou disposta a mudar.
Esse é o primeiro passo dessa mudança. E aqui aviso, como essa grande mudança começará:
– primeiro, demitirei o Chefe da Casa Civil, Aloísio Mercadante, que acaba de me olhar espantado. Errei muito ao escolhê-lo como meu braço direito, contra o que todos me diziam. Por que o escolhi? Porque acreditei que ele seria um bom nome, um articulador político, alguém que me ajudaria a contar com minha base. Não foi. Pelo contrário. Você há de me perdoar, Aloísio, mas parece um repelente, e será o primeiro que demitirei hoje;
– segundo, demitirei também o Ministro da Justiça, José Luiz Cardozo, que tem sido muito pusilânime. As investigações da Lava-Jato vão continuar como devem e precisam continuar, mas não é possível que nada seja feito em relação aos vazamentos que têm alimentado os jornais, e visam um único partido. Que a lei seja cumprida, e que a Polícia Federal entenda que deve servir à justiça e não a interesses escusos;
– terceiro, cortarei hoje mesmo vários ministérios. Quer o estudo sobre isso que pedi há meses esteja pronto ou não, isso será feito hoje, em conjunto com todos os meus ministros. Será a reunião que convocarei logo a seguir. Certamente será uma reunião difícil, pode durar o dia todo, mas sairemos dali com uma solução para isso;
– quinto, convocarei também uma reunião ainda mais difícil esta semana. O povo trabalhador deste país não pode ser o único a arcar com a crise econômica que estamos vivendo. Quero enviar com urgência ao Congresso projetos que distribuirão os sacrifícios de uma maneira mais equânime. Projetos que taxarão os lucros exorbitantes dos bancos, e taxarão também as grandes fortunas. Será uma batalha difícil e espero sinceramente que o Congresso me apoie, porque a sociedade precisa disso e está pronta para isso.
-sexto, a partir de hoje virei toda semana aqui para explicar com precisão o que venho fazendo de bom. Já que a mídia não fala sobre isso, farei o papel dela, recorrendo a minha prerrogativa de Chefe do Estado para convocar a rede nacional a meu critério. Uma vez por semana, pedirei a vocês que me escutem. Batendo panela ou não, que me concedam o direito de informá-los sobre o que vem sendo feito. Nem que seja apenas para que vocês conheçam melhor a presidenta que têm. Sem marqueteiros, sem discursos decorados. Apenas a presidenta que vocês escolheram, explicando cada uma das medidas que tomará, conversando com o Brasil que a elegeu.
Um bom dia para todos vocês.”
E justo quando me levantei do sofá para encarar os meus dois ministros demitidos…. acordei.
*Colaboradora de Diálogos do Sul