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Isabel Soto Mayedo*
Desterrar o fanatismo e a intolerância na luta por reivindicar os direitos da mulher é talvez um dos legados mais valiosos e vigente da jornalista e jurista costarricense Ángela Acuña.
O homem, durante séculos privilegiado por sociedades essencialmente machistas e adultocêntricas na América Latina, jamais deveria ser considerado inimigo no empenho por alcançar o reconhecimento da comunidade, é o que se infere de seus pronunciamentos.
“Não deve cegar-nos o fanatismo, nem deter-nos a intolerância, nem desorientar-nos o partidarismo, nem enfraquecer-nos o receio: com um pensar consistente e um sentimento de ternura acalentaremos o sonho de uma mudança firme e geral na educação de nossas mulheres”, afirmou.
Consciente do papel da mulher no progresso da humanidade, a destacada jurista costarricense considerava oportuno manter uma delicadeza quase maternal ao defender espaços, desprendendo-se de todo egocentrismo.
“Se nos desprendermos do egoísmo abriremos campo para a noção altruísta destinada a transformar o temperamento e o caráter e assim, dar vida à esperança de quantas trabalharam para emancipar suas irmãs da miséria física, da ruina moral, intelectual e econômica:
Para Acuña, “só com uma mente livre de preconceitos lograremos espalhar a semente da confraternidade, regando-a com as águas fecundantes de um espírito diáfano, tranquilizador e justo, com o olhar posto nas alturas.” No substrato de todos estes pronunciamentos está a intenção de conseguir que as mulheres ganhem cada vez mais protagonismo na “tarefa de engrandecer a pátria”.
A primeira mulher jornalista da Costa Rica defendeu a solidariedade entre as costarricenses e lutou desde muito jovem para “uni-las como uma espiga de amor.”
Acuña, nascida na outrora capital desse país centroamericano, Cartago, esforçou-se por mudar a representação social das mulheres e contribuir para que fossem respeitadas como cidadãs e sujeitas de direito.
Junto a outras comunicadoras, explorou com esse fim as possibilidades do campo da informação, para o que criou a primeira revista feminina do país, El Fígaro, e o primeiro jornal destinado à mulheres, Mujer y hoy, ambos estimáveis fontes de reconhecimento das costarricenses.
Nestas e noutras publicações de entre séculos apareceram cerca de 62 textos assinados por mulheres, segundo uma pesquisa da Universidade da Costa Rica.
Estes trabalhos jornalísticos, publicados entre 1870 e 1900, mostram que o setor feminino da sociedade costarricense contribuiu, como mães e educadoras, para a consolidação do Estado liberal mediante seus textos e a formação de cidadãos.
Apesar de terem de ocupar-se das tarefas domésticas e da educação dos filhos, as jornalistas costarricenses da época lutaram contra os preconceitos em voga para defender espaços e ideais sociais, além da reivindicação de seus próprios direitos.
Na maioria dos casos, mostraram o que, em sua opinião, era digno de considerar: aspectos positivos e negativos do papel tradicional feminino, a imprensa, a educação da mulher, entre outros assuntos.
El Heraldo de Costa Rica, El Ferrocarril, La República, Diario de Costa Rica, La Prensa Libre, foram alguns dos jornais que mais admitiram as contribuições das mulheres costarricenses entre 1890 e 1900.
Proveniente de uma família abastada, Ángela Acuña nasceu em 2 de outubro de 1888 e teve a sorte de estudar nos colégios mais caros de seu país e da Europa.
Foi além Atlântico que, inspirada pelos discursos das sufragistas inglesas, despertou nela o desejo de lutar pelos direitos das costarricenses e latinoamericanas.
O que explica porque, quando de seu regresso ao solo natal, matriculou-se, com o objetivo de alcançar o grau de bacharel. Um ano depois, também se inscreveu na Escola de Direito, com honra e, em 1925 transformou-se na primeira mulher costarricense e centroamericana a obter a Licenciatura nessa especialidade.
Recomendada por sua trajetória, Acuña dedicou-se então a demonstrar a possibilidade de obter uma participação feminina com equidade em todos os âmbitos: educativo, social, econômico e político.
Paralelamente a estas iniciativas, a diplomata costarricense também defendeu os direitos da infância, de suas congêneres ao voto e à participação política, e estimulou várias reformas jurídicas em matéria do estado civil dos nascidos fora do matrimônio e da prostituição.
Tais esforços obrigaram Acuña a estudar de maneira sistemática as Constituições dos vários países do continente e os diferentes códigos civis, para compreender o tratamento legal dado às mulheres americanas.
Outro aspecto de seu trabalho foi a especialização na organização de escolas para meninas e meninos com tendência à marginalidade e à delinquência.
Ao mesmo tempo, Acuña representou a Costa Rica como embaixadora na Organização de Estados Americanos, foi membro da Comisão Interamericana de Direitos Humanos das Nações Unidas e delegada na Comissão Interamericana de Mulheres, durante 13 anos.
A primeira Liga Feminina da Costa Rica deveu sua existência a esta lutadora incansável, que conseguiu o reconhecimento da Liga Internacional de Mulheres Ibéricas e Hispanoamericanas, que chegou a presidir.
O direito das costarricenses ao voto, alcançado por volta de 1950, foi uma das vitórias mais contundentes da atividade de Acuña e outras mulheres dessa nação.
Reiteradas intervenções na imprensa, três requerimentos apresentados pela jurista ao Congresso da República em 1929, 1931 e 1934, e a pressão para que os direitos das mulheres fossem debatidos na Constituinte de 1948 redundaram neste êxito.
Também atribui-se a Acuña o fato das advogadas costarricenses terem sido admitidas como juizas e prefeitas, em 1941, assim como a fundação na América Central de numerosas instituições de apoio às mulheres.
Ao morrer, em 10 de outubro de 1983, a feminista mais reconhecida da Costa Rica ostentava por seu intenso trabalho o Prêmio Nacional de Jornalismo e outras distinções.
*Prensa Latina, de Havana, Cuba, para Diálogos do Sul – Tradução de Ana Corbisier