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Roberto Correa Wilson*
A organização política, econômica e familiar na Bacia do Congo, com seus hábitos e costumes ancestrais, trouxe uma significativa contribuição para a história tradicional da África Central, distorcida com a chegada dos conquistadores europeus.
Na região foi aplicada em toda sua intensidade a caça de escravos com destino às nascentes colônias da América e do Caribe e, posteriormente, implantado o sistema colonial baseado na opressão da população autóctone e na exploração dos abundantes recursos naturais em benefício das metrópoles.
Quando se investiga de onde e quando chegaram os grupos mbochi da bacia congolesa, os especialistas afirmam que só há uma resposta válida e é que esta etnia jamais esteve completamente isolada de outros povos da África Central e do Congo em particular.
Os movimentos humanos são mais complexos do que habitualmente se pensa, afirma Theophile Obenga, diretor do Centro de Pesquisas da Civilização Banto, com base no Gabão, acrescentando que também se manifestam influências culturais provenientes de várias direções do continente.
Os pigmeus, caçadores e coletores, são talvez testemunhos de populações prehistóricas, já que no continente africano há exemplos de sobrevivência prehistórica. Por volta do século I DC, essas populações primitivas começaram a ser empurradas para as florestas tropicais pelas migrações dos bantos.
No começo esses movimentos migratórios bantos provinham provavelmente da região dos Grandes Lagos e do Vale do Nilo. Alguns movimentos migratórios secundários partiram do norte do Camarões atual.
Vários reinos formaram a organização política do povo mbochi. A criação desses conjuntos politicoculturais ocorreu entre os anos 600 e 1300 DC.
A terra era considerada um legado ancestral pertencente a todos os membros da etnia concentrada nos clãs, os quais ocupavam determinados lugares do povoado e todo o espaço que este abrangia.
A organização em linhagens patriarcais, em famílias, em clãs levava ao reconhecimento de uma autoridade política interclânica na pessoa de um ancião, que posteriormente tornou-se rei.
Este soberano era uma espécie de ser sacrossanto, que recebia sua legitimidade dos ancestrais mortos, fundadores e procriadores da vida coletiva, social e étnica.
Essas chefias tradicionais mantiveram-se inalteradas até a chegada dos conquistadores europeus, a partir do século XV.
A forma de parentesco e a estrutura familiar dos mbochi eram no fundamental as mesmas de outros grupos étnicos da região e, em geral, da África Subsaariana, apesar de algumas diferenças nos costumes relativos do matrimônio.
Definição de povo
Entre os mbochi um povo era um conglomerado com um nome. Cada
conglomerado tinha seu nome, cuja história era sempre rica em informações: desse nome provinha o sentimento de pertencimento de um povo; os habitantes de um mesmo povoado eram todos irmãos.
O conjunto de povos agrupados sob a autoridade política reconhecida de um chefe constituía a terra, o domínio geográfico que compreendia solos de cultivo, rios, lagos, matas, caminhos.
Cada membro adulto e apto da família explorava as riquezas florestais (fauna, vegetais comestíveis, pesca), cultivava livremente uma porção de terra herdada dos ancestrais mortos, mas só a título de usufruto, pois os direitos pertenciam à família inteira.
O chefe, que também pertencia a uma linhagem, não possuía a terra da comunidade local de maneira privada: seu papel consistia em velar pelo conjunto do patrimônio das famílias independentes, consumar os ritos necessários à fertilidade do solo, à abundância da caça.
Em compensação por esses serviços, realizados a título de irmão mais velho e de representante dos ancestrais , recebia alguns presentes provenientes da colheita, da caça ou da pesca. Recebia-os porque exercia uma função social, aceita coletivamente.
A classe dirigente recebia produtos porque detinha uma função de poder.
A nível da produção não existia propriedade privada da terra, apropriação privada do solo. Isto era importante em uma sociedade na qual a agricultura constituía o essencial da produção social.
Aparece o ferro
A descoberta e o trabalho do ferro entre os mbochi remonta a épocas relativamente distantes. Segundo especialistas, o trabalho do ferro, de uma maneira geral, começou há mais de mil anos. Os mbochi fundiam ferro em cada povoado. A laterita ferruginosa era extraída das rochas quase à flor da terra. A fundição era instalada sob uma cobertura improvisada, em um buraco mais ou menos grande, cavado no solo a uma profundidade variável. O fogo era alimentado com carvão de madeira.
A aplicação do ferro facilitou a construção de ferramentas para a agricultura, tornando-a mais produtiva: cultivava-se mandioca, inhame, amendoim, milho e outras plantas.
A escultura e a dança foram dois aspectos essenciais da cultura mbochi. A primeira representava o universo que cercava as comunidades, muitas concebidas com um realismo excepcional sobre situações coisas passadas e futuras.
De acordo com estudiosos, na mais banal das danças, tudo estava perfeitamente unido: o ritmo do tam-tum, o poema-canto, os movimentos do corpo, o entusiasmo dos espectadores, os sexos, a vida, a natureza.
O mundo criado pelo povo mbochi através de séculos foi dramaticamente violentado com a presença dos europeus. No entanto, houve resistência. Sua cultura não desapareceu sob os excessos da escravidão, nem da brutal exploração do colonialismo.
*Prensa Latina, de Havana, para Diálogos do Sul – Tradução de Ana Corbisier – foto del Blog do Projeto Lemu