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A ordem era bombardear a Praça Cívica

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

Maria José Silveira*

50 anosO coronel Paulo Rubens Pereira Diniz, 81 anos, ex-engenheiro, em seu depoimento para a Comissão da Verdade, no dia 30 de setembro deste ano, afirma que, em novembro de 1964, militares receberam ordem para atirar morteiros contra a população que protestava contra a deposição do governador Mauro Borges, em Goiânia. A ordem foi suspensa 15 minutos antes em virtude da renúncia do governador: “Se o governador Mauro Borges não tivesse renunciado, eu teria cumprido a ordem. E a ordem era bombardear a praça”, disse Diniz, que afirma ter a saúde abalada até hoje em virtude do episódio.

ex-Governador Mauro Borges ex-Governador Mauro Borges

Esse seu depoimento, particularmente estarrecedor para nós, goianos, pode ser visto no Youtube, em sua versão completa: youtube.com/comissãodaverdade.

Para quem não sabe, a Comissão da Verdade foi criada pelo governo federal para investigar os crimes cometidos nos anos da ditadura civil-militar que se instalou no Brasil com o golpe de 1º de abril de 1964. Apesar de todos os obstáculos e portas fechadas que vem encontrando, o trabalho da comissão tem desvendado crimes de vários tipos, como mortes, torturas, ocultação de cadáveres, abusos e desrespeitos sistemáticos dos direitos humanos cometidos nesse período. Seu relatório final será entregue no final do ano.

Imaginar nossa modesta Praça Cívica, com seu palácio um tanto soturno, sombrio e atarracado, que de esmeralda não tem sequer o tom do verde, mas que de alguma forma representa, acredito, um componente da formação goiana, um povo de fronteira que, por um longo tempo, em vez de criar grandes monumentos, preferiu abrir estradas, conquistar novas terras, expandir os horizontes do coração do País, e com esse espírito construiu nossa praça acanhada ou até feia (nisso não sei se concordarão comigo), mas nossa, e parte da nossa história e nossa vida, e onde, quando moradora de Goiânia, passei inúmeras vezes para passear, ou ir ao Correio, ou subir no coreto, ou visitar o Museu do Instituto Histórico e mesmo o Tribunal de Contas onde minha madrinha trabalhava, e muito mais poderia dizer dela mas nada disso importa, na verdade, porque o calafrio que me percorre, ao pensar nesse impensável dia não muito distante em que nossa pequena praça esteve ameaçada de ser palco de uma tragédia de tão grandes proporções, é algo absurdo demais e coletivo, uma ameaça que vivemos todos os que já estávamos vivos em 1964, e jamais soubemos.

Saber disso hoje, entre tantos crimes que estão sendo desvendados, me assombrou de uma forma demasiado próxima. Penso nas mudanças que teriam nossas vidas se tal catástrofe tivesse chegado a acontecer. E se não bombardearam nossa pacata Praça Cívica, se essa nossa incompreensível tragédia pôde ser evitada, muitas outras tragédias, em outros locais do País, infelizmente não puderam, e de fato aconteceram.

Vamos esperar, agora, que a Comissão da Verdade conclua seus trabalhos, e nos revele outros tantos fatos, como esse, que ficaram calados, soterrados e literalmente enterrados nos porões.

 

*Escritora e colaboradora de Diálogos do Sul – Para quem não conhece Goiânia: a Praça Cívica é a praça sede do governo goiano, onde fica o Palácio das Esmeraldas, que em 1964 era também moradia do governador do Estado.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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