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Carey L. Biron*
O governo do Canadá não investiga nem faz as poderosas empresas mineradoras do país responderem pelas violações dos direitos humanos que cometem na América Latina, denunciaram ativistas perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), em Washington. Os ativistas também denunciaram junto a esse órgão que o governo canadense não coloca o sistema jurídico do país à disposição das vítimas desses abusos.
“O Canadá se comprometeu a aplicar um marco voluntário de responsabilidade social empresarial, mas este não proporciona nenhum recurso às pessoas prejudicadas pelas operações mineradoras canadenses”, afirmou Jennifer Moore, coordenadora do programa para a América Latina da organização não governamental MiningWatch Canada. “Buscamos acesso aos tribunais, mas também que o Estado canadense tome medidas preventivas para evitar esses problemas. Por exemplo, um escritório independente que tenha a faculdade de investigar as denúncias de abusos em outros países”, acrescentou.
Moore e outros que falaram na CIDH apresentaram formalmente um informe descrevendo as preocupações de aproximadamente 30 ONGs e fizeram várias recomendações, durante a audiência do dia 28 de outubro, dentro de seu 153º período de sessões, que acontece desde 23 de outubro e termina no dia 7 de novembro. Esses grupos pressionam há anos para que Ottawa garanta maior responsabilidade do setor de mineração, com apoio de recomendações semelhantes procedentes de uma comissão parlamentar, em 2005, e da Organização das Nações Unidas (ONU), acrescentou.
“Não houve nenhuma novidade na última década. O governo canadense se nega a aplicar as recomendações”, ressaltou Moore. Segundo a ativista, “a resposta do Estado até agora foi a de reforçar firmemente o marco voluntário, que não funciona, e isso é o que ouvimos novamente nesta audiência”. O Canadá, que tem um dos maiores setores de mineração do mundo, possui cerca de 1.500 projetos extrativistas na América Latina, equivalentes a mais de 40% das empresas mineradoras da região. Os mesmos recebem “um alto grau” de apoio de Ottawa, segundo o informe.
“Pelo menos 50 pessoas morreram e 300 ficaram feridas nos últimos anos durante os conflitos com empresas canadenses de mineração, sobre os quais houve pouca ou nenhuma prestação de contas”, destacou Shin Imai, um advogado da ONG canadense Projeto Justiça e Responsabilidade Corporativa. Entre as denúncias contra o setor minerador há mortes, lesões, violações e outros abusos atribuídos ao pessoal de segurança que trabalha para as empresas canadenses, bem como políticas empresariais que provocam dano ambiental no longo prazo, deslocamento ilegal de populações locais e subversão do processo democrático.
A CIDH, com sede em Washington, faz parte da Organização dos Estados Americanos (OEA), integrada por 35 países e um dos órgãos multilaterais mais antigos do mundo. Na audiência da semana passada, a CIDH tratou pela primeira vez do polêmico assunto da responsabilidade do ‘Estado de residência’, isto é, se as empresas podem ser processadas em seu país de origem por ações realizadas no exterior.
“Essa audiência foi de vanguarda. Embora a CIDH seja uma das aliadas mais importantes das vítimas de violações de direitos humanos na América Latina, é um pouco prudente quando enfrenta temas ou desafios jurídicos novos”, ponderou Katya Salazar, diretora da Fundação para o Devido Processo, uma organização de defesa jurídica com sede em Washington.
A responsabilidade do Estado de residência é cada vez mais controvertida, graças à globalização das empresas e das cadeias de fornecimento. As firmas radicadas nos países ricos, que têm regimes jurídicos relativamente sólidos, operam cada vez mais no Sul em desenvolvimento, frequentemente com sistemas legais mais frágeis. O setor extrativista é um claro exemplo dessa situação, e nos últimos 20 anos experimentou um dos maiores níveis de conflito com as populações locais, mais do que qualquer outra indústria. Parte do problema está na questão do alcance “extraterritorial” da legislação nacional.
“Com muito frequência, as empresas extrativistas se comportam como se tivessem um duplo discurso, um para o país de origem e outro para o exterior”, apontou Alex Blair, da organização humanitária Oxfam América. “Pensam que podem se aproveitar da fragilidade das leis, da supervisão e das instituições locais para operarem como quiserem nos países em desenvolvimento”, ressaltou, observando que há uma tendência crescente das comunidades locais e indígenas em recorrer ao exterior para exigir a responsabilidade das empresas. “Mas isso é extremamente complexo e caro, já que a via legal em muitos países do Norte industrial continua sendo limitada”, acrescentou.
Na audiência na CIDH, o governo do Canadá afirmou que tem “um dos marcos legais e regulatórios mais fortes do mundo para suas indústrias extrativistas”. Em 2009, o Canadá formulou uma estratégia de responsabilidade corporativa voluntária para o setor extrativo internacional do país. Também conta com dois mecanismos extrajudiciais que podem ouvir as queixas derivadas dos projetos no exterior, embora nenhum possa investigar denúncias, proferir sentenças ou impor medidas punitivas.
Entretanto, a resposta de Ottawa às preocupações dos ativistas consistiu em argumentar que os problemas locais devem ser tratados em um tribunal local e que, na maioria dos casos, o Canadá não está legalmente obrigado a exigir a responsabilidade das atividades de suas empresas no exterior, disse Dana Cryderman, representante canadense junto à OEA. “Os países anfitriões da América Latina oferecem vias legais e regulamentação nacionais pelas quais as reclamações referidas pelos solicitantes podem e devem ser abordadas”, acrescentou.
O argumento frustrou alguns dos comissários da CIDH, incluindo sua atual presidente, Rose-Marie Antoine. “Apesar das seguranças do Canadá, nós da comissão continuamos vendo uma grande quantidade de violações dos direitos humanos na região, como resultado de certos países, e o Canadá é um dos mais importantes… Por isso, estamos questionando as deficiências dessas políticas”, explicou, depois da apresentação da delegação canadense.
Segundo Antoine, “por um lado o Canadá diz ‘somos responsáveis e desejamos promover os direitos humanos’. Mas, por outro, trata-se de uma estratégia de lavar as mãos. Temos que ir além do legalista se realmente nos preocupamos com os direitos humanos”. A presidente da CIDH afirmou que a comissão está trabalhando em um informe sobre as consequências da extração de recursos naturais para as comunidades indígenas. O documento incluirá, pela primeira vez, um capítulo sobre o “muito delicado tema da extraterritorialidade”, informou.
*IPS de Washington para Diálogos do Sul