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Benedito Tadeu Cesar*
Um novo Brasil sai das urnas. Dividido quase ao meio, com uma vantagem de apenas 3,28 pontos percentuais para o lado eleitoralmente vitorioso, o país conhece, pela primeira vez em sua história, o estabelecimento de dois grandes campos político-ideológicos clara e abertamente em disputa. A divisão social, que sempre existiu, assume, agora, uma dimensão política.
A oposição sai fortalecida, com condições de impor enormes dificuldades ao novo governo de Dilma Rousseff. Aécio Neves, o candidato derrotado nas urnas, mas que conquistou 48,36% dos votos no país, será o líder da oposição. O Congresso recém-eleito será o mais conservador do atual período democrático e tenderá a cobrar, financeira e politicamente, muito caro por qualquer apoio ao governo reeleito.
O recorte classista, muito mais do que o recorte geográfico, foi o que determinou o resultado destas eleições. Não foram apenas os eleitores do Nordeste “pobre” que elegeram Dilma Rousseff. Quem a elegeu foram preferencialmente os eleitores recém-saídos das áreas de risco social e os que, apesar de melhor posicionados socialmente, entendem que a equalização social beneficia ao conjunto da sociedade, de todas as regiões do país. Apenas a título de exemplo, verifique-se que Dilma Rousseff obteve cerca de 550 mil votos a mais do que Aécio Neves em Minas Gerais, um estado do Sudeste “rico” e que já foi governado por ele.
Os “ricos” e boa parte dos que recém ascenderam socialmente, chegando às chamadas “novas classes médias” e desejando ir além, e, ainda, os que se sentem incomodados pela ascensão destas mesmas “novas classes médias” (que agora disputam as vagas das universidades federais, os assentos nos aviões e os espaços no trânsito) foram os que votaram majoritariamente em Aécio Neves, estejam eles no Sul e no Sudeste ou em quaisquer outras regiões do país.
O estabelecimento das clivagens sociais e políticas, que costumam ser ocultadas no Brasil, é uma prática salutar para a consolidação democrática. Para que a democracia avance e se afirme, é preciso que os campos político-ideológicos se constituam, se reconheçam e se enfrentem politicamente. É preciso, no entanto, que os campos político-ideológicos se respeitem mutuamente. O pluralismo ideológico e o respeito à diversidade são valores fundamentais da democracia.
Vitoriosa, porque promoveu a inclusão social de amplas parcelas da população, Dilma Rousseff precisará assumir, como prioridade do final de seu governo atual e como meta de seu governo futuro, a reconciliação político-ideológica no país. Não se trata de minimizar as diferenças ou de camuflar as divergências. Trata-se de abrir o diálogo com as forças políticas divergentes e de restabelecer a negociação com os adversários.
Não por acaso, em seu primeiro pronunciamento como presidenta (re)eleita, Dilma Rousseff fez um apelo à reconciliação e prometeu se empenhar no estabelecimento do diálogo. É fundamental para o país que a oposição aperte a mão estendida.
Ao mesmo tempo, se quiser avançar na promoção das políticas sociais e na aceleração da equalização social no país, Dilma Rousseff e seu partido político terão que (re)conquistar o apoio das chamadas “novas classes médias brasileiras”. Daqueles segmentos sociais que adentraram no mercado de consumo e de serviços nos últimos anos, que aumentaram seu padrão de exigências e que, agora, querem mais e melhores empregos/oportunidades, salários/ganhos e serviços públicos.
Muitos desses segmentos votaram em Aécio Neves, porque querem mais do que já conquistaram. Nenhum partido social-democrata, como se tornou o PT, em qualquer parte do mundo, manteve-se no exercício do poder sem contar com o apoio das classes médias que, de certa forma, eles mesmos “construíram” por meio das políticas públicas e de inclusão social que adotaram durante seus governos.
Diante das pressões que enfrentarão, tanto no Congresso Nacional, quanto “nas ruas” do país, Dilma Rousseff e o PT, se desejarem se manter no governo até o final do novo mandato que acabaram de conquistar e, ainda, se sustentar como uma força política apta para exercer novos mandatos governamentais, terão que se dedicar, urgentemente, à (re)conquista das “novas classes médias brasileiras”, ou seja, das mesmas “classes médias” cuja ascensão eles viabilizaram durante os governos que exerceram até aqui.
Para que isto ocorra, além de promover o desenvolvimento econômico, que foi cobrado pela oposição e apresentado como sua principal bandeira de campanha, Dilma Rousseff e seu partido terão que manter a política de pleno emprego, atualmente em curso, promover a melhoria dos serviços públicos e, ao mesmo tempo, se reaproximar dos sindicatos de trabalhadores assalariados e dos diferentes movimentos sociais existentes no país. Enquanto partido político, o PT terá que se “reinventar”, desburocratizando-se e voltando “para as bases” das quais se afastou durante os 12 últimos anos.
Sem que isto ocorra, diante da força política recém-conquistada pelos partidos oposicionistas no país, o governo reeleito correrá o risco de se tornar refém das forças conservadoras, agora fortalecidas no Congresso Nacional, e de ver-se impedido de promover reformas e regulamentações essenciais para a consolidação da democracia, para o aprofundamento dos direitos de cidadania e para a equalização social, como, por exemplo, a reforma política e a regulamentação da mídia.
A primeira, necessária para facilitar a composição da maioria parlamentar indispensável ao exercício e à estabilidade do governo, o que diminui o “toma-lá-dá-cá” e a ocorrência de práticas corruptas no exercício do poder, e a segunda, imprescindível para que se rompam os monopólios de comunicação, aumentando a concorrência entre eles, favorecendo a pluralidade de informação e de opinião e impedindo o exercício do terrorismo midiático há muito instalado no país.
*Cientista político