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Levy Fidelix e Luciana Genro protagonizaram o momento mais eletrizante do debate dos presidenciáveis na Rede Record, na noite do último domingo (28). As trocas de acusações entre Dilma Rousseff, Aécio Neves e Marina Silva, que já se tornaram habituais e que substituem a apresentação de propostas e o debate aprofundado de questões importantes sobre a condução do país, foram ofuscadas pela resposta preconceituosa e homofóbica de Fidelix à pergunta de Luciana Genro.
Luciana, com a agudeza que a caracteriza e consciente de que precisava marcar diferença entre suas posições e as de Levy, posto que ele afirmara no início do debate que ambos tinham posições semelhantes sobre os assuntos da macroeconomia, questionou-o sobre a violência contra os homossexuais, afirmando que o “Brasil é campeão de mortes da comunidade LGBT”, e pediu que ele esclarecesse “por que aqueles que defendem tanto a família se recusam a reconhecer como família um casal do mesmo sexo”.
Exaltado e visivelmente incomodado, Fidelix perdeu as estribeiras. Disse que aquele era um “jogo pesado” e, insinuando ainda as possíveis concordâncias entre ele e Luciana no plano econômico, sugeriu que “em economia tudo bem”, mas que “nessa aí [vo]cê jamais deveria entrar”. Afirmou que “canal excretor não reproduz”, que os pais e avós devem se unir contra “essa minoria que aí estão (sic) querendo achacar a maioria do povo brasileiro…”
Revelando todo seu preconceito, Fidelix confundiu homoafetividade com pedofilia, lembrando que “o santo padre, o Papa, fez muito bem em expulsar do Vaticano um pedófilo”. Concluiu afirmando que “como presidente da República eu não vou estimular a união homoafetiva. Se está na lei, que fique, mas eu não vou estimular”.
Luciana se contrapôs, afirmando que “infelizmente não está na lei o casamento civil igualitário”. Pontuando a diferença entre ambos, Luciana declarou que o reconhecimento, por lei, do casamento civil igualitário “é fundamental para que nós possamos reconhecer juridicamente como família qualquer tipo de família (…) o que importa é que as pessoas se amem e, para combater a discriminação, a homofobia, a transfobia, é fundamental reconhecer o casamento civil igualitário”.
Na tréplica, subindo o tom de voz, Fidelix terminou sua fala exaltando a todos: “Vamos ter coragem, vamos enfrentar essa minoria. Que esses que têm esses problemas realmente sejam atendidos no plano psicológico-afetivo, mas bem longe da gente, bem longe mesmo, porque aqui não dá”. Se as diferenças no plano econômico entre Levy Fidelix e Luciana Genro ficaram pouco claras no debate, a enorme diferença existente entre eles ficou suficientemente clara no que se refere aos direitos civis. Fidelix poderia ter-nos poupado de sua virulência homofóbica. O Brasil poderia ter ido dormir, no domingo, sem ouvir tanta bobagem e poderíamos todos ter atravessado a segunda-feira sem termos sido expostos, como povo, ao ridículo internacional.
A repercussão foi intensa, logo após o debate, saindo das redes sociais e chegando até a imprensa internacional. O site do jornal britânico The Guardian se referiu ao debate dos presidenciáveis como “uma noite ruim para a democracia e a tolerância”, repercutindo a fala de Levy Fidelix. O deputado federal Tiririca, palhaço por profissão, saiu em defesa dos homossexuais, postando diversos comentários em seu Tweeter.
As opiniões se dividiram nas redes sociais, mas a imensa maioria criticou fortemente o candidato à Presidência da República. A hashtag “LevyVocêÉNojento” manteve-se durante todo o dia no topo dos trending topics (assuntos mais comentados) do Tweeter brasileiro. Diversas manifestações foram convocadas em repúdio à fala de Fidelix, inclusive um “Beijaço” LGTB na “esquina democrática” da Avenida Paulista, em São Paulo.
No final da tarde da segunda-feira (29), Luciana Genro e o deputado federal Jean Wyllys entraram com ação na Justiça contra Levy Fidelyx, por “incitamento à violência e à discriminação contra a população LGBT”, solicitando que ele seja condenado “ao pagamento das multas previstas na legislação eleitoral no seu patamar máximo”. Eduardo Jorge, por meio do deputado federal André Pomba, solicitou que o Ministério Público abra inquérito para apurar desrespeito à dignidade humana. Marina Silva, Aécio Neves e Dilma Rousseff, melhor posicionados nas pesquisas, consideraram inaceitáveis as manifestações de Fidelix. Dos candidatos presentes ao debate, apenas o Pastor Everaldo não se manifestou, talvez por concordar com Fidelix.
O episódio de homofobia explícita no debate dos presidenciáveis, que, sem dúvida, expressa o posicionamento de parcela expressiva da sociedade brasileira, foi, na verdade, o coroamento de uma semana de episódios ridículos ocorridos na vida pública brasileira. Na sexta-feira (19) da semana anterior, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, que está em campanha e exercendo pressão para tornar sua jovem filha desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, havia determinado o pagamento de auxílio-moradia a todos os juízes federais.
Na quinta-feira (25), o mesmo ministro Luiz Fux estendeu sua decisão sobre o auxílio-moradia a todos os juízes brasileiros, determinando que os tribunais de nove estados que não o faziam (AC, AM, BA, CE, ES, PB, PI, RS e SP), bem como os tribunais militares, os tribunais de justiça e tribunais do trabalho passem a pagar o auxílio-moradia de R$ 4.377,73 aos seus juízes. Trata-se de um valor superior à renda familiar de cerca de 80% dos trabalhadores brasileiros.
Na sexta-feira (26), engrossando a semana de atos ridículos na vida pública nacional, o prefeito de Porto Alegre, José Fortunati, devolveu para a Câmara Municipal, sem sancionar e sem vetar, o projeto de lei que altera a denominação da avenida Castelo Branco para avenida da Legalidade e da Democracia, alegando que havia dúvidas sobre aspectos formais do processo e da votação realizada na Câmara. Segundo o prefeito, teria que haver maioria qualificada para a aprovação do projeto de lei e deveria ser realizada consulta à comunidade. Argumentos que não se sustentam, posto que o projeto foi aprovado por 25 votos favoráveis e apenas cinco contrários e que não há moradores na avenida, que é uma via expressa de saída da cidade.
Iniciando uma nova semana, a Câmara Municipal de Porto Alegre já anunciou que não se curvará à omissão do prefeito e promulgará, por Ato Legislativo, o projeto de lei de denominação da avenida da Legalidade e da Democracia. No entanto, os atos de Luiz Fux não poderão ser anulados tão facilmente, pois sua anulação dependerá de decisão do pleno do STJ que dificilmente irá contrariar os interesses corporativos dos integrantes do sistema judiciário.
A nova semana se encerrará com a realização de eleições em todo o Brasil, quando teremos, todos, a oportunidade de manifestar nossas preferências políticas e influir na definição dos rumos do país. Com certeza, não elegeremos um homofóbico raivoso como presidente da República. Resta torcer para que sejam eleitos representantes que possam nos ajudar a avançar na superação dos muitos ridículos que ainda grassam na vida pública nacional e no aprofundamento da democracia, da tolerância, do desenvolvimento econômico e da justiça social.
* Cientista político e colaborador da Diálogos do Sul
Original publicado no Sul21