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Benedito Tadeu César*
Há, sim, uma ideologia no voto e a pesquisa do Instituto Datafolha, divulgada no domingo (7), o comprova. Outras pesquisas, principalmente as realizadas por André Singer (SINGER, A. V. Esquerda e direita no eleitorado brasileiro. São Paulo: Edusp, 2000. v. 1700. 203 p.), já haviam detectado este fenômeno. O eleitor tem “lado”, mesmo que não tenha partido, e sabe escolher seu candidato de acordo com sua inclinação ideológica.
Ainda que possam ser contestados alguns dos parâmetros utilizados pela pesquisa do Datafolha (veja observações no final deste artigo) e que eles possam ter provocado algumas distorções na classificação da inclinação ideológica dos eleitores, os resultados da pesquisa merecem atenção. Segundo os dados, entre novembro de 2013, quando foi realizada pelo Datafolha a primeira pesquisa deste tipo, e setembro de 2014, quando foi realizada a pesquisa aqui analisada, cresceram os percentuais de eleitores de direita e de centro-direita e diminuíram os eleitores de centro-esquerda e de esquerda no Brasil.
Inclinação ideológica dos eleitores brasileiros (%)
Nov/2013 Set/2014
Direita 10 13
Centro-direita 29 32
Centro 20 20
Centro-esquerda 31 28
Esquerda 10 7
Total 100 100
Fonte: Datafolha
De acordo com a análise da pesquisa, publicada na Folha de S.Paulo, “é com o apoio dos eleitores de uma crescente direita e centro-direita que Marina Silva (PSB) assegura seu empate com a presidente Dilma Rousseff no primeiro turno da eleição presidencial e, sobretudo, derrota a petista na simulação de embate final”.
Realizada simultaneamente com a pesquisa de intenção de voto do último dia 3, na qual Dilma Rousseff (35%) e Marina Silva (34%) aparecem empatadas no primeiro turno e Marina Silva abre sete pontos sobre Dilma Rousseff no segundo turno, a pesquisa sobre o perfil ideológico do eleitorado mostra que a vantagem de Dilma Rousseff aumenta à medida que o eleitorado se posiciona mais à esquerda e que a vantagem de Marina Silva ocorre de modo invertido, ou seja, aumenta à medida que o eleitorado se posiciona mais à direita.
Posicionamentos que se tornam ainda mais nítidos na simulação de segundo turno. Enquanto no primeiro turno Dilma Rousseff abre nove pontos de vantagem sobre Marina Silva entre os eleitores de esquerda e Marina Silva abre apenas dois de vantagem sobre Dilma Rousseff entre os eleitores de direita, no segundo turno Dilma Rousseff fica sete pontos à frente de Marina Silva entre os eleitores de esquerda enquanto Marina Silva fica quatorze pontos à frente de Dilma Rousseff entre os eleitores de direita.
Os eleitores de centro e de centro-esquerda tendem para Dilma Rousseff no primeiro turno, enquanto os de centro-direita tendem para Marina Silva. No segundo turno, entretanto, exceto os eleitores que se inclinam para a esquerda, todos os demais declaram-se dispostos a votar em Marina Silva, uma disposição que aumenta na medida em que aumenta a inclinação à direita do eleitorado.
Fica claro, além disso, que a maioria dos eleitores que se declara disposta a votar em Aécio Neves no primeiro turno inclina-se majoritariamente à direita e que a maior parte dela declara-se disposta a votar em Marina Silva no segundo turno.
Considerando-se que, de acordo com os critérios utilizados pelo Datafolha, o eleitorado de inclinação ideológica à esquerda e à centro-esquerda atinge apenas 34% do total, 20% se posicionam ao centro e 45% inclinam-se à direita e à centro-direita, a vitória de Marina Silva estaria assegurada, caso a eleição fosse realizada hoje. Reverter este quadro exigiria que Dilma Rousseff aprofundasse sua vantagem entre os eleitores de esquerda, revertesse a vantagem de Marina Silva entre os eleitores de centro-esquerda e de centro e avançasse, tanto quanto possível, sobre o eleitorado de centro-direita e de direita ou, ao menos, mantivesse os percentuais já conquistado nestes últimos segmentos do eleitorado.
O posicionamento adotado pela campanha de Dilma Rousseff no último final de semana permite que se conclua que sua estratégia, ao menos em um primeiro período, será a de atacar Marina Silva, aprofundando as críticas ao seu programa e mostrando que ele se inclina fortemente à direita. Convencida da similitude ideológica dos programas de governo de Aécio Neves e de Marina Silva, e consciente de que não conseguirá conquistar votação significativa entre os eleitores de direita e de centro-direita, Dilma Rousseff parece ter optado por aprofundar sua identificação com os eleitores de esquerda e de centro-esquerda e por disputar o eleitor de centro.
Para conseguir isto, Dilma Rousseff dispõe-se a desconstruir a imagem de renovação exibida até aqui por Marina Silva, mostrando-a como sucessora das políticas “dos tucanos” e associando-a, tanto quanto possível, às posições de direita. Mesmo com Aécio Neves praticamente fora da disputa, Dilma Rousseff procurará retomar a antiga polaridade tucanos x petistas. A ameaça da “volta ao passado” estará associada agora a Marina Silva. Se a estratégia funcionar e se Marina Silva não souber contra-atacar, Dilma Rousseff terá forte probabilidade de vencer as eleições. Com certeza, as próximas semanas serão eletrizantes.
Algumas considerações sobre a metodologia utilizada pela pesquisa do Datafolha sobre a inclinação ideológica do eleitorado brasileiro.
Sem que se entre aqui em considerações metodológicas mais profundas, cabe mencionar que a pesquisa utiliza conceitos e formulações desenvolvidas nos EUA e referidas à realidade daquele país. Ainda que tenham sido adaptadas para a realidade brasileira, muitas das frases pretensamente polares que foram submetidas ao crivo do eleitor brasileiro ou não se prestam à definição ideológica de nosso eleitorado ou têm viés liberal-individualista. Isto pode ter produzido alguma distorção na pesquisa e ocasionado um aumento dos posicionamentos à direita, já que alternativas não adequadas à visão de esquerda podem ter dificultado que eleitores com tendências à esquerda se identificassem com elas.
Os vieses de formulação ocorreram tanto na escolha dos temas das questões, quanto na construção das afirmações e aconteceram principalmente no bloco da temática comportamental, no qual os posicionamentos definidos pelo Instituto Datafolha como “de direita” são amplamente majoritários. No bloco com a temática econômica, a inclinação definida como “à esquerda” é majoritária, mas é insuficiente para superar a vantagem obtida pelos posicionamentos “à direita” no bloco comportamental.
A crença de que a fé em Deus torna as pessoas melhores, considerada pela pesquisa como um posicionamento “de direita” e compartilhada por 82% dos entrevistados, claramente não expressa, inclusive por seu peso de quase unanimidade, uma visão apenas dos eleitores posicionados “à direita” no Brasil. Há muitos eleitores posicionados “à esquerda” no país que concordam com esta afirmação. Isto torna este tema um péssimo critério para a aferição de posicionamentos ideológicos. Utilizá-lo empurra um enorme contingente de eleitores para este bloco ideológico.
Distorções do mesmo tipo podem ter ocorrido nas formulações sobre a proibição do uso de drogas, sobre a criminalidade e sobre a pobreza. A pesquisa apresenta frases pretensamente definidoras de posicionamentos à esquerda que estão, mais uma vez, centradas no comportamento individual e/ou na “falta de oportunidades”, utilizando um jargão nitidamente liberal para caracterizar um posicionamento apresentado como “de esquerda”.
* Benedito Tadeu César é Cientista político e colaborador da Diálogos Do Sul
* Ilustração da imagem destacada de tt Catalão.