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Mensagem do Peru: Nem a tírios nem a troianos

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

Gustavo Espinoza M. (*)

gustavo espinoza perfil dialogos do sulA história nos recorda que os Tírios eram um povo fenício enfrentado comercialmente aos Troianos. Ambos competiam duramente pelo monopólio comercial nas águas do Mar Mediterrâneo. E por isso foram tomados como a expressão de definidas rivalidades e como o símbolo de interesses opostos. (**).

nem Tírios nem Troianos ficaram satisfeitos com a mensagem do Presidente Humala
Nem Tírios nem Troianos ficaram satisfeitos com a mensagem do Presidente Humala.

Nós, tomando a frase como referência, poderíamos dizer hoje que nem Tírios nem Troianos ficaram satisfeitos com a mensagem do Presidente Humala no último 28 de julho com motivo das Festas Pátrias. Seria uma maneira de significar que as duas principais vertentes do cenário nacional sentiram foram defraudadas em suas expectativas.
Na verdade, o Presidente disse pouco e calou muito. Sobretudo, omitiu o que deveria ser a substância de um texto dirigido aos peruanos em uma conjuntura complexa, quando o país, desanimado, descobre – uma atrás da outras – diferentes escapadas do Poder, engendradas no passado, mas que hoje aparecem como as múltiplas cabeças de uma hidra mitológica soltando fogo por toda parte.
Por isso bem poderíamos falar de uma mensagem “sem recheio”, isto é, sem essência: apática, apolítica, formal, burocrática, quase estatística, que escondeu muito mais do que mostrou e pouco servirá quando se procure fazer um balanço da gestão governativa do Presidente Humala.
No entanto, a mensagem teve dois aspectos significativos: a atenção preferencial aos temas da educação, e a preocupação pela área de saúde que angustiam os peruanos. O resto – segurança cidadã, corrupção, desgoverno, Máfias à espreita – foi apenas um prolongado e ostentoso silêncio que reflete a opacidade de uma administração incoerente e sem brilho.
Interessar-se pela educação e pela saúde constitui, por certo, um bom sintoma. Mas isso é mais do que aumentar orçamentos e estimativas de gastos. Implica uma política que “não é sentida” em um cenário no qual o Magistério em seu conjunto continua esquecido, desempenhando o triste papel de convidado de pedra; e no qual os trabalhadores dos serviços médicos e assistenciais carecem das mais elementares garantias.
carlincatura-carlincongaQuando no início da gestão foi colocada Patricia Salas à frente da política educativa, pensou-se que se poderia desenhar um perfil mais preciso em beneficio dos peruanos; mas, objetivamente, essa gestão fracassou mais pela inércia de seus impulsionadores do que por falta de interesse público.
Os condutores da educação não foram objetivamente capazes de despertar a consciência cidadã e nem sequer ganhar um setor qualificado de docentes para desenhar, na prática, uma nova política educativa. Ignoraram a comunidade educativa, enredados como estavam em projetos e debates de ordem teórica e até especulativa.
A substituição do titular da pasta – depois de algo mais de dois anos de infrutíferos esforços – não trouxe novidades significativas. Nem os planos foram postos em prática, nem as metas foram alcançadas. O país seguiu a mesma rota com os mesmos infortúnios: analfabetismo chocante, desnutrição infantil, insuficiência acadêmica, paupérrimo nível pedagógico por parte dos docentes. Em suma, marasmo e apatia, que apagaram qualquer empenho orientado a alterar o cenário herdado.
 
Algo similar se poderia dizer em matéria de saúde. Nada do que foi construído até hoje serviu para mostrar um novo rumo no setor. Nem o Ministério nem a Previdência Social deram passos significativos em benefício do usuário; pelo contrário, o atendimento ao público foi se deteriorando pela insensibilidade aos apelos para estimular as mudanças. Hoje, os conflitos sociais que comprometem médicos, enfermeiras e outros servidores mostram uma ferida aberta que às autoridades pouco importa.
Incrementar orçamentos nesse cenário resulta muito pouco significativo, sobretudo se isso não for parte de uma nova mensagem realmente participativa e inclusiva; ou de uma convocatória aberta e ampla para que os atores do drama – em um e outro campo – “se engajem” e se mostrem dispostos a travar uma batalha verdadeira. Nada indica que isso esteja sendo promovido.
Além do mais, a mensagem presidencial foi posta a serviço das chamadas “forças produtivas” com uma muito grave omissão: aquela que indica que em um país como o nosso, a principal força produtiva, são os trabalhadores. Objetivamente, para eles nada, nem sequer uma legislação trabalhista de acordo com os requisitos do momento, salvo – isso sim – considerá-los como depositários de benefícios formais, quando não de ganhos exíguos ou de pensões famélicas.
Como bem anota o congressista Manuel Dammert Egoaguirre, para o Presidente, “estimular a produção” tem outro significado: implica promover o extrativismo e o investimento estrangeiro, ceder soberania em proveito do capital que vem de fora e das grandes empresas transnacionais, privatizar setores básicos, manter salários precários e praticar mecanismos de recentralização diante do fracasso de governos regionais envolvidos em diferentes tipos de corrupção.
 

nem Tírios nem Troianos ficaram satisfeitos com a mensagem do Presidente Humala
nem Tírios nem Troianos ficaram satisfeitos com a mensagem do Presidente Humala

E esse não é precisamente o caminho que o povo procura, nem o que o país necessita para afirmar sua independência e sua soberania. Pelo contrário. É urgente desenvolver iniciativas nacionais, fortalecer a participação peruana na economia, construir a democracia, preservar o meio ambiente, estimular o emprego, incrementar os ganhos da população para “mover” o mercado, fortalecer genuinamente a descentralização, por em prática iniciativas sociais em maior escala e impulsionar recursos para o desenvolvimento.
Assim não o entendem, seguramente, nem a CONFIEP nem as outras entidades patronais. Por isso, optaram por pregar suas exigências para trocá-las por aplausos desanimados. E esse, em boa medida, foi o sinal distintivo da mensagem de Festas Pátrias para o público pareceu insosso e maçante.
Mais importante que tudo isso, no discurso político há ausência de alusões ao cenário concreto. Para o Presidente Humala parecem não existir as Máfias que afetam severamente a vida nacional e que estão dispostas o retomar as rédeas do poder. Nem sequer funcionam os enredos sinistros hoje em evidência; aqueles que – estimuladas pelo APRA e pelo fujimorismo – sustentam as ações de López Meneses e Orellana. Tampouco a corrupção que corrói severamente a vida nacional e as instituições nos mais diversos níveis.
Pareceria que o nosso é “um país normal” quando a anormalidade campeia, enquanto naufraga ostentosamente o “modelo” neo-liberal encarnado pelo mais poderoso dos ministros, o único que pode se dar ao luxo de assegurar que inaugurou o governo e se mantém nele: o titular do Ministério de Economia e Finanças.
Para o ministro Castilla – posto nesse cargo pelo Fundo Monetário e pelo Banco Mundial, da mesma forma que Hurtado Miller sob a administração Fujimori – a verdade está nos números e nos indicadores formais da macroeconomia. Eles nos asseguram que “o país cresce” e que os peruanos devemos estar felizes, sabendo disso em cada discurso das Festas Pátrias.
E para o Presidente Humala, o Peru é uma ilha que nada tem a ver com o cenário exterior nem com o que acontece na região. A ausência de qualquer alusão aos acontecimentos na Palestina – que começaram com a ofensiva sionista muitos dias antes das Festas Pátrias – e o silencio diante dos avanços que se registram em países irmãos como consequência de una política independente e soberana, bem poderia simbolizar outra concessão ao Império.
Uma ratificação da importância da CELAC, uma confirmação dos laços que nos unem, via UNASUL, aos países da região, e um reconhecimento elementar aos governos amigos, aqueles que compartilham os objetivos enunciados, seria muito bem recebida no mundo, mas desataria as iras do Império e seus servos daqui.
Humala, efetivamente, parece que não quer ficar mal nem com as Máfias internas, nem com o Poder Imperial. No fundo, o que acontece é que teme a ambos. E isso é ruim. Não apenas deveria não temê-los – pelo contrário – pô-los em evidência e denunciá-los. Só assim a cidadania vai perceber que as tarefas do desenvolvimento devem – além do mais – vencer a resistência de cruéis e vorazes inimigos.
Em suma, não se pode comprazer a tírios e troianos quando está em foco a sorte de milhões. E esses milhões não são de dólares – como supõem a CONFIEP e as entidades patronais – mas de peruanos de carne e osso que têm demandas concretas, exigências definidas e aspirações legítimas.
E não se pode ignorá-las.
*Do núcleo de colaboradores de Diálogos do Sul
(**)N.T. Em português a expressão correspondente é “gregos e troianos”.
 


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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