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Gustavo Espinoza M.*
Iniciar um processo judicial contra um cidadão que exerce uma função pública quando assomam indícios de maus manejos administrativos, corrupção ou outros ilícitos, constitui um imperioso dever do Estado que ninguém, em juízo perfeito, pode objetar.
Porém, utilizar esse mecanismo para castigar aos que questionam a ordem social estabelecida, resistem à disposições contrárias ao interesse nacional ou lideram movimentos sociais de envergadura, tem seus bemóis. Não porque alguém se considere especialmente “protegido” pelo cargo que ocupa nem pelas bandeiras que agita, mas porque uma ação punitiva pode adquirir conotações de outra ordem.
E é precisamente isso o que ocorre no caso de Gregório Santos, presidente do Governo Regional de Cajamarca, condenado por uma corte a 14 meses de “prisão preventiva” pela presunção de delitos cometidos incompatíveis com sua função governativa.
Ocorre que Gregório Santos conduziu, em seu devido momento, a resistência cidadã contra o projeto mineiro “Conga”, um grande investimento programado pela Minera Yanacocha, destinada a controlar as riquíssimas jazidas auríferas no norte do país.
O projeto questionado não só abarcava o potencial mineiro do subsolo, como também implicava em danos de ordem ecológica altamente significativos. Passava pela destruição de várias lagoas que garantem o cultivo em extensas zonas geográficas além de afetar os pastos e os recursos hídricos da região.
Que a objeção ao projeto era legítima e justa foi confirmada pelo próprio presidente Ollanta Humala que finalmente impôs um programa de ações prévias à empresa para viabilizar a execução do contrato.
Em outras palavras, o governo admitiu que as operações previstas pela mineradora eram inadmissíveis nas condições previstas e que só com um conjunto de medidas cautelares se poderia viabilizar o projeto.
Tais ações, contudo, ainda não estão concluídas e ninguém sabe exatamente se serão ou não. Desse modo, ninguém tampouco está em condições de assegurar que o projeto Conga será concluído como sustentou o presidente peruano.
De todos os atores vinculados a esse projeto, a mais prejudicada, em termos materiais, foi a empresa Yanacocha, porque se viu forçada a investir ingentes recursos para “preparar” a área para essa finalidade, sem obter em troca o mineral.
Isto, certamente, deve ter alimentado a ira da empresa, que a está dirigindo contra Gregório Santos e a população de Cajamarca engajada nessa luta.
A detenção do presidente da Região, portanto, não constitui ato isolado. Está intimamente vinculada ao contexto, e se explica como castigo por ter se levantado contra a Yanacocha. Pelo menos assim parece até que se demonstre o contrário.
Outro tema tem que ver com o contexto político nacional, sufocado como está por constantes denúncias sobre corrupção e mal uso dos recursos públicos. Vale supor que a partir da administração de Alberto Fujimori, o Peru se doutorou com altas qualificações como um dos países mais dominados pelas máfias. A administração seguinte, de Alan García Pérez não fez mais que confirmar essa tese. Uma regressão de cem anos como no temp;o de Manuel Gonzáles Pradra, em que onde se punha o dedo saía pus.
Hoje, calcula-se em mais de dez bilhões de dólares o malversado nos anos de fujimorismo. Mesmo com alguns funcionários tendo sido privados de liberdade ou obrigados a ressarcir em parte o Estado. Também é verdade que a totalidade dos punidos tiveram prisões de mínima segurança e gozaram de benefícios privilegiados.
O caso mais emblemático, sem dúvida, foi o do próprio Fujimori, que no lugar de estar em um prisão, repousa tranquilamente seus ideias em meio a jardins em dependências da polícia nas cercanias de Lima.
Outros, com acusações fundamentadas por delitos dessa mesma ordem, gozam de liberdade no país ou no exterior. Não foram indiciados nem sancionados pela justiça. É o caso de Blacker Miller, Juan Carlos Hurtado, ex-presidente do Conselho de Ministro depois do Golpe de 5 de abril de 1992, “foragido da justiça”.
A esses ha que somar alguns militares privilegiados que ainda não se dignaram aparecer. E também parlamentares, como a congressista Cecília Chacón – condenada originalmente pelo Poder Judicial. Estes foram logo “beneficiados” com ações legais que restituíram suas liberdades e seus benefícios.
Hoje já é do conhecimento da opinião pública o informe da mega-Comissão que investigou a gestão de Alan García. O documento, em consideração no Congresso, deixa claro o cometimento de delitos puníveis. Porém, não ocorreu a ninguém dar uma ordem de prisão preventiva contra o ex-presidente que bem pode sair do país e eludir a ação da justiça com o maior descaramento.
Alguns acusados em processos vinculados ao ex-presidente, como Rómulo León Alegría, gozam de liberdade e acompanham o processo contra ele sem pressão do judiciário. Outros, como oficiais da Marinha de Guerra, envolvidos em delitos de interceptação telefônica, confrontam a mesma realidade.
Para Gregório Santos, presidente do Governo Regional de Cajamarca e candidato a um novo mandato nas eleições de 5 de outubro próximo, a ele sim, decreta-se prisão efetiva sem que haja qualquer prova.
Consciente disso, o Foro Judicial adverte que se trata de uma “medida preventiva”, ou seja, de disposição prévia ao julgamento e ao esclarecimento do caso. Porém, o que sustenta o fato?
Mostraram algumas acusações formais e um áudio que poderia induzir a uma interrogatório mais preciso, porém, a presumível existência de uma “organização criminosa” sob seu comando, aparece como um despropósito maiúsculo.
A organização criminosa que ainda opera impunemente no país é a máfia. E ela não só está arrumadinha e pintadinha como também está disposta a governar o país novamente.
É isso, realmente, o que está em jogo.
*Do núcleo de colaboradores de Diálogos do Sul