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Benedito Tadeu Cesar*
Há 50 anos atrás, no dia de hoje, eu estava em casa, com hepatite. Tinha 10 anos e 10 meses. Ouvi os rumores do golpe, contados por pela minha tia Rachel, irmã de minha mãe, e corri para ligar o rádio, para ouvir as notícias. Acompanhei o noticiário e a queda de João Goulart.
Dias depois, enquanto meus pais almoçavam na copa e eu comia no quarto, pois hepatite exige repouso, vi, pela janela, minha casa ser cercada por policiais militares fardados e portando metralhadoras. Levaram meu pai, Antonio Cesar, antiga liderança municipal do PCB em Rio Claro, SP.
Passados mais alguns dias, meu irmão, Antonio Humberto Cesar, 13 anos mais velho do que eu, mas com apenas 24 anos, suplente de vereador pelo PR, foi cassado.
Meu pai, que já havia sido detido outras vezes ao longo da vida, foi levado para prestar depoimentos umas tantas outras vezes ao longo dos duros anos da ditadura. Sempre sendo preso e solto em pouco tempo. Por sorte nunca foi torturado.
Foram 21 anos de terror. Durante este período, já um jovem adulto, fui detido pelo menos três vezes, todas em Vitória, ES, onde eu comecei minha carreira de professor universitário com 24 anos. Fui detido e levado para depoimento por ter assessorado a diretoria da UPES (União dos Professores do ES) em sua primeira greve durante a ditadura.
Um aluno meu, Derly alguma coisa, era um policial infiltrado e estava presente na minha prisão. Fui levado sem mandado enquanto estava entrando no salão onde ocorreria uma assembléia da greve. Quase um sequestro. Fui solto porque notaram minha falta durante a assembléia e denunciaram minha prisão.
Fui levado para depoimento novamente, meses depois, por assessorar a primeira greve pós-ditadura dos motoristas e cobradores de ônibus de Vitória, realizada contra a vontade da direção pelega do sindicato. Fui solto por pressão de Berredo de Meneses, que havia sido eleito suplente de senador em 1978, pelo MDB, e cuja candidatura eu tinha auxiliado.
Como eu era diretor do Jornal Posição, o único veículo de resistência à ditadura no estado, Berredo intimidou o delegado, dizendo que o jornal estamparia a notícia da minha prisão e que isso iria repercutir muito (o que era mentira, porque a tiragem do jornal era minúscula) mas funcionou. Na última vez, fui detido, já em 1983, três dias depois do nascimento de minha filhaNaná Baptista, porque, como presidente da Associação de Docentes da UFES, participava da organização de um dia de protesto durante o governo Figueiredo. Só fui libertado porque os amigos que estavam em minha casa naquele dia, que era um sábado, para comemorar o nascimento da Naná, correram para o polícia federal, enviaram uma advogada, avisaram o bispo, a comissão de justiça e paz e mobilizaram a imprensa.
O bispo ligou diretamente para o delegado e fez pressão. Meus amigos ficaram na porta da delegacia da DPF gritando palavras de ordem e a imprensa cobrindo. Depois de algumas horas, depois de passar por um exame de corpo no departamento de perícia, para atestar que eu não fora torturado, fui solto. Faço este depoimento para que as novas gerações sintam o horror das ditaduras. Lembro agora, com muito orgulho, do meu pai respondendo à minha mãe que, desanimada, reclamava de sua militância e de suas prisões: “Hoje tenho que me esconder, mas tenho certeza que meus filhos, no futuro, se orgulharão de mim”.
Posso dizer que me orgulho muito de tudo o que ele fez e que espero que meus filhos também se orgulhem de mim.
* Benedito Tadeu Cesar é cientista social e colaborador da Diálogos do Sul.