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Esteban Valenti*
A direita, o centro direita ganhou há quatro anos as eleições presidenciais no Chile e Sebastián Piñera governou o país durante estes anos. Ganhou esta força política apesar de que a mandatária do centro esquerda, Michelle Bachelet tinha um alto nível de apoio ao finalizar sua gestão.
Influiu nessa derrota a divisão da esquerda, o surgimento de um candidato que surgiu das próprias filas da Conciliación, Marco Enríquez-Ominami.
Naturalmente não foi só este o motivo da derrota, mas foi paradoxal que quando os cidadãos chilenos aprovavam a gestão de Bachelet sua força política fosse derrotada. A direita agrupada com seus diversos matizes teve um bom candidato, um empresário de muito êxito, um adequado gerente para uma virada liberal de um país em crescimento e com bons resultados econômicos, ainda que com graves problemas sociais, educativos, sanitários e sobretudo políticos no funcionamento institucional.
Quatro anos depois a Nueva Mayoria, basicamente a Concertación com a soma do Partido Comunista, ganha as eleições parlamentares e consegue maioria em ambas as câmaras e na balotage obtêm uma esmagadora vitória com 62% dos votos, o maior percentual de votos desde que existe o sistema de dois turnos.
Há um duplo elemento que se combinou nesses resultados: por um lado a simpatia e o apoio de Michelle Bachelet e em segundo lugar o fracasso da direita para governar. E este processo é uma mensagem para o Chile, um país representado durante muito tempo como um paradigma de uma direita forte, que reivindicava sua condição de direita e que estava totalmente capacitada e preparada para governar, inclusive recorrendo a quadros empresariais de primeiro nível.
Este processo encerrou uma etapa muito importante com um grande fracasso. É um fracasso do primeiro governo democrático da direita desde a queda de Pinochet. Esta é uma peculiaridade muito interessante na América Latina.
A direita na América Latina vivia uma profunda crise política que se acentou com a derrota em Chile. É uma direita que não apresenta opções e propostas programáticas nem sequer ideológicas, nem em Chile, nem no Brasil, Argentina, Uruguai, Bolívia, Peru, Equador e Venezuela. O único país com uma situação diferente é Colômbia, onde fatores como a guerra civil mais antiga do mundo, joga um papel fundamental na continuidade do centro direita.
Quais são as causas profundas, não conjunturais dessa crise da direita?
Primeiro, seu passado subsidiário da direita internacional e falta de identidade própria. Partimos de que a direita na região não é homogenia, corresponde a realidades próprias, ainda que tenha rasgos comuns. Uma, temporária, é que a direita atual é majoritariamente democrática, ainda que tenha redutos de pensamento ditatorial e autoritário, um deles está precisamente em Chile. Essa é uma diferença importante com a direita uruguaia, que sem sequer aceita de bom grado que se a chame de direita.
A direita tem em comum que se lhe esgotou os líderes e por isso recorrem cada vez mais a figuras empresariais, a gerentes promovidos a políticos e por outro lado seu modelo econômico e social sofreu uma profunda crise. O chamado neoliberalismo que em muitos casos tinha uma porção de liberalismo e muito de capitalismo parasitário sofreu antes que a Europa o impacto com seu fracasso.
A queda do socialismo real e da guerra fria, que lhes permitiu durante décadas agitar o fantasma do comunismo para cobrir seus desastres, sua falta de ideias e de incapacidade para dar identidade a nossas economias e realizar uma proposta com visão estratégica sobre o horizonte de nossas sociedades, boa parte da direita latino-americana se refugiou na crítica aos governos de esquerda. Em seu próprio país e nos outros países da região.
Entr a direita não ha parentesco aparente. Piñera e seu notório fracasso na gestão não admitem que tenha que ver com as outras forças de direita e centro direita da América do Sul. Cruz diabo. A matriz ainda é a mesma.
A crise ideológica e política se lhes colheu em pleno, ficaram sem discurso e sem programa, apesar de que é um fenômeno que os politólogos contemplam pouco. Olham demasiado para a esquerda.
Tomemos três exemplos próximos. Um Uruguai, dois Chile e três, Brasil. Ass forças políticas da esquerda e do centro esquerda têm em comum grandes aspectos de sua orientação econômica e social e sobretudo e ainda com as particularidades, têm grandes similitudes políticas entre o Frente Amplio o PT e Nueva Mayoría.
As direitas estão na oposição no Uruguai e Brasil desde há vários anos e, depois de vários governos da Concertación, o centro direita e a direita chilena ganharam as eleições em 2010 e agora perderam destroçados. Em 14 de março Michelle Bachelet assumirá novamente. É obviamente uma batalha nacional, porém completa o panorama regional.
No Uruguai a principal força política depois de dois períodos de governo é a Frente Amplio, a acachapante maioria dos uruguaios acredita que o próximo presidente do país será Tabaré Vázquez e no Brasil nas próximas eleições a favorita é Dilma Rousseff com reeleição. Alto está ocorrendo.
Os partidos tradicionais da direita e o centro direita estão fracassando nos governos e de fora, na oposição, não conseguem nem governar diretamente das mãos de seus gerentes máximos e empresários, nem oferecer uma alternativa crível e sólida aos governos de esquerda.
Obviamente isto tem uma explicação muito simples e básica: os governos de esquerda governaram melhor, conseguiram melhores resultados na processo geral do país e nas reformas que aportam mais justiça social e melhoram o nível de vida de esses povos. Não pode haver outra explicação de iniciou ou de chegada.
Não é que a direita tenha ficado adormecida, ao contnrário, seu nervosismo, sua agressividade, suas investidas políticas e ideológicas tem sido permanentes nos três países e em toda região. Porém não conseguiram se impor, com a exceção do Paraguai, onde a base é o fracasso do governo alternativo de Fernando Lugo. Os colorados voltaram ao governo montados nesse fracasso, sobretudo político e moral de governos de centro-esquerda.
Porém, só os bons resultados dos governos progressistas não explicam tudo, há processos mais complexos e profundos. O fim da guerra fria, paradoxalmente afetou mais a direita que a esquerda, com um duplo efeito: tirou da direita motivação ideológica, rumo, tensão ideal e política e por outro lado fez avançar a esquerda com suas ideias democráticas e em sua revisão crítica de seus programas e suas políticas. Mais política e menos propaganda.
A crise notória da direita tem muitas expressões, uma delas é a pobreza de seus discursos, que em alguns casos se camuflam com propostas na fronteira da esquerda. Já não são os liberais de antes, sobretudo no econômico e até no ideológico. Suas propostas são superficiais sobre temas de segurança, de políticas sociais, nos aspectos culturais e obviamente nas relações internacionais.
A direita esteve durante muito tempo adormecida, deixou-se levar pela conservação do mesmo, a sacralização de seus privilégios, de suas quebras, do uso e abuso do poder do Estado, inclusive na repressão, tudo sob o manto da defesa do sistema ocidental e cristão, para não dizer o capitalismo. Hoje se bem é certo que a esquerda se encontra com certo pudor do capitalismo, também a direita o tem acantonado como uma culpa, como um conceito escondido.
Ha na direita latino-americana uma crise ideológica, política e de tensões e se a isto lhe agregamos a famosa frase de Giulio Andreotti: O poder desgasta, ao que não o tem, nos encontramos com outro dos elementos dessa crise, a de seus aparatos clientelísticos, seu poder fundado nos favores, em uma rede de prebendas a determinados setores sociais. Com uns compartilhando diretamente o banquete e a maioria às migalhas. Essa roupagem se oxidou e custa reconstruí-lo do zero.
Esse clima de falta de tensão ideal, política e ideológica não é tampouco o melhor caldo de cultivo para que surjam importantes líderes, grandes tribunos tradicionais ou eletrônicos, caudilhos e renovadas gerações.
O que deveria ser assumido pela esquerda com muita força é que já não ha caminhos unidirecionais, conquistas eternas e permanentes, as batalhas há que ganha-las em forma constante e crescente, porque o perigo não é só dormir-se sobre ou laureis mas, o que é muito pior, é perder o nervo transformador, reformista, de busca do progresso e da mudança social como um processo constante para que o sistema não nos absorva e nos transforme em seus custódios, simplesmente com outro discurso.
*jornalista, escritor, diretor de Uypress e Bitácora. Uruguai. Ex coordenador geral de IPS