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Jorge Rendón Vásquez*
A liberdade de imprensa é a faculdade publicar algum meio de comunicação escrita, oral, audiovisual ou informático e de expressar-se através dele, e é também a de eleger, ver, escutar e ler os meios de comunicação.
O açambarcamento na mídia é a concentração da propriedade dos meios de comunicação por um grupo minoritário de pessoas.
No limite, ambos os conceitos são opostos: não poderia haver liberdade de imprensa se esta se encontra acaparada por uma pessoa ou um grupo.
Este assunto poderia ser enfocado desde dois pontos de vista: desde o dos proprietários dos meios de comunicação, e desde o dos cidadãos sem capacidade de possuí-los
A liberdade de publicar algum veículo de comunicação é o lado ativo desta liberdade. Hipoteticamente pertence a todos; na prática fica reservada a quem possui os recursos econômicos para criar e manter algum meio de comunicação.
É evidente que um grupo económico, ao ter acaparado no Peru 75% dos jornais, ele acumulou esse porcentual de liberdade ativa na imprensa escrita. Os 25% restante fica para os demais grupos proprietários de outros jornais.
A juízo dos titulares desses 75%, tal concentração é legitimada pelas liberdades de mercado e de contratação, reconhecidas pela Constituição (arts. 58 e 62).
Não é esse, contudo, o teor do artigo 61 da Constituição que, por sua especificidade, deve ter a preferencia. Este artigo prescreve: “A imprensa, radio, a televisão e demais meios de expressão e comunicação social, e em geral, as empresas, os bens e serviços relacionados com a liberdade de expressão e de comunicação não podem ser objeto de exclusividade, monopólio nem acaparamento, direta ou indiretamente, por parte do Estado nem de particulares”.
Portanto, a exclusividade e o monopólio, que implicam na propriedade de todos os meios de comunicação social por uma só pessoa ou grupo estão plenamente proibidos.
Por outro lado, o acaparamento está determinado por uma maioria percentual dos capitais investidos nos meios de comunicação social. Na falta de uma lei especial sobre este conceito, o artigo 61 da Constituição não deveria deixar de ser aplicado, posto que é imperativo de per se. Deve-se concluir, em tal caso, que prima facie há acaparamento quando os capitais investidos em cada categoria de meios de comunicação social (jornais, rádio, televisão e outros) excedam 50% da totalidade dos investimentos nesses meios.
O estabelecimento de um percentual máximo de concentração dos meios em poder de um grupo corresponde ao Congresso dado que o artigo 70 da Constituição dispõe: “O direito de propriedade (…) se exerce em harmonia com o bem comum e dentro dos limites da lei”. O bem comum é aqui o interesse da sociedade e dos cidadãos de ter acesso a uma pluralidade de meios de comunicação social e de evitar a manipulação da consciência ou a opinião pública praticada por um grupo monopólico.
Um limite máximo prudencial de propriedade de cada tipo de meios seria uns 30%.
A influência decisiva da mídia, a que Edmund Burke chamou de Quarto Poder já no século XVIII, é um fato social, político e econômico predominante, capz de anular a livre determinação dos cidadãos.
É claro que, desde o ponto de vista legal, não haveria impedimentos para que qualquer pessoa ou grupo com o capital suficiente pudesse criar novos jornais, os que teoricamente poderiam ultrapassar a importância dos acaparados. Na prática, no entanto, esta possibilidade é rara, pela magnitude do capital que se requer e a limitação do mercado. Em todos os países os meios de comunicação são, por isso, contados, e os novos demandam um investimento ao alcance só de grandes grupos capitalistas.
O outro enfoque da liberdade de imprensa é o dos cidadãos, pedestres, digamos, sem os recursos para criar meios e a quem caba só a liberdade passiva de escolher entre os meios publicados, e de ler ou escutar a informação que eles lhe fornecem. Esta liberdade passiva é de fato uma liberdade restringida. A eles está vedada a liberdade de expressar-se através dos meios de comunicação, salvo se possuírem os recursos exigidos pelos jornais e outros para publicar suas opiniões ou denuncias como publicidade paga.
Em certos veículos, nem pagando os anúncios pela tabela fixada é possível publicar algo sem contar com a aquiescência dos diretores ou proprietários.
A liberdade de imprensa passiva tende a equilibrar a liberdade de imprensa ativa quando há uma vasta pluralidade de meios de comunicação social.
Na realidade, a liberdade de se expressar através dos jornais é exclusiva de seus proprietários. Pela dependência jurídica laboral, os jornalistas carecem do direito de escrever o que desejem, salvo pacto estipulando outra coisa. Obedecendo as instruções dos proprietários, os estados maiores dos jornais podem elogiar até a apoteose a um político, um artista, um literato, um esportista ou qualquer outra pessoa que alcance certo destaque, dedicando-lhes espaços ilimitados e até páginas inteiras ou, a inversa, erosionar seu prestígio até deixa-lo em ruínas.
Alguns literatos e artistas só existem como celebridades artificiais pelo poder midiático para cobrir a frente de entretenimento cultural com futilidades renovadas, dirigidas a um público prestes cotidianamente para assimilação desse material. É a cultural atual típica da direta. Outros literatos e artistas não existem simplesmente, prescindindo de seu valor, se os donos dos meios os condenam a não nascer para a opinião pública.
O campo predileto de intervenção e manipulação do poder midiático é obviamente o da política. Um diretor do jornal mais antigo do Peru se jactava de colocar e derrubar presidentes da república, afirmação nada exagerada que o poder midiático continua praticando através de sua influencia em seus leitores, ouvintes e telespectadores, que, finalmente, concordam com pensar bem ou mal de tal ou qual político, ou de suas declarações e realizações, lícitas ou ilícitas, reproduzindo a orientação instigada pelas páginas dos jornais e as telas de televisão.
Em 1985, quando os grupos da esquerda tinham ainda a possibilidade de atrair a uma parte importante do eleitorado, um jornal que então se apresentava como de centro esquerda e recebia publicidade paga, simplesmente não publicava os de certos candidatos desta orientação ou os relegava às páginas posteriores ou a outros dias. A explicação: o diretor do jornal era candidato a uma representação por um grupo de Izquierda Unida e não queria, obviamente, que com o voto preferencial outros candidatos diminuíssem suas possibilidades e de seus aliados. Os jornais da direita se negavam simplesmente a receber os anúncios dos candidatos estranhos a sua tendência.
Só uns quantos jornais rompem o esquema de acaparamento da liberdade de opinar e publicar. Entre eles se destaca o diário La Primera, por sua abertura a uma informação veraz e não distorcida e a novas vozes críticas, graças a um esforço econômico extraordinário.
Para os cidadãos a pé, a imprensa digital se abriu como uma via de expressão, ainda não censurada, felizmente, que tente a multiplicar o número de seus leitores pela possibilidade de relançar em rede a informação recebida. Basta dispor de um computador e de instruções apropriadas para ter acesso a bibliotecas transbordantes de conhecimentos de toda classe e para difundir no espaço cibernético informação, opiniões, pesquisas, relatos e até romances integrais em mensagens, boletins diagramados, páginas web e blogs com a expectativa e a satisfação de serem lidos. São funções da ciência e a técnica a serviço da liberdade de imprensa ativa e passiva.
* professor Emérito da Universidade Nacional Mayor de San Marcos, Lima, Peru, colaborador de Diálogos do Sul