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Demônios do século XXI

Héctor Béjar

Tradução:

Héctor Béjar*

mass-effect-3-8575-1920x1200Em pleno século XXI, a reconquista do Oriente Médio pelos Estados Unidos, encoberta sob o midiático nome de primavera árabe, é a luta armada contra algumas das mesmas ditaduras que os ocidentais promoveram e apoiaram durante anos.

Depois de meses de resistência, o governo sírio, submetido a duro castigo pelos rebeldes e mercenários, começa a desmembrar-se. As alianças internas se rompem sob os bombardeios.
O terceiro milênio é cada vez mais parecido ao século XVI, quando espanhóis, franceses, ingleses e holandeses aproveitaram a heterogeneidade dos povos da Abya Yala, conhecida depois como América, para toma-la como parte de seus domínios.
O denominado progresso, a evolução em que se vai do melhor para o pior, não existe. O ser humano pode regredir e tornar-se cada vez mais detestável e perigoso com o tempo.
pirates-of-the-carribeanEm seu fascinante ensaio Demônios do mar: piratas, corsários e contrabandistas na América sob os Austrias (PUCP 2001), o venezuelano Luis Britto fez a história de Francis Drake, Walter Raleigh, Pyet Hewn, Peter Stuyvesant e outros corsários e piratas dedicados à pilhagem e ao saqueio, motivados e financiados por seus governos quando convinha. A partir da paz de Ryswick em 1697, quando os demônios grandes se puseram de acordo, os diabos pequenos foram enforcados, perseguidos, encarcerados pelo resto da vida, tal como ocorreu com Sadam e Kadafi.
Em seu livro Los site mitos de la conquista española, Matthew Restall (Paidós 2004) narra como os tlaxclenses e os guerreiros de Huejotzingo ajudaram a Cortés em sua luta contra os mexicas e astecas para ocupar Tenochtitlán.
A denominada conquista foi um complicado conjunto de guerras que resultou na dominação espanhola compartilhada com indígenas, primeiro aliados, e logo subordinados. Por isso parte da base social dos vice-reinados era composta pelos caciques e curacas que colaboravam com a coroa. A astuta inserção dos espanhóis nas guerras e contradições indígenas pré-existentes resultou num sistema em que participaram os colaboradores autóctones.
Malinche_con_CortesEste enfoque permite desmitificar os conquistadores e os indígenas diminuindo a maldade dos primeiros e o presumido candor dos segundos.
A história dos incas é semelhante. Conhecemos a cooperação com os invasores, de Felipillo, incorporado às hostes de Almagro, e de sua gente, os tallanes, devido a seu ódio contra Atahualpa que tinha ordenado queimar a localidade de Tumbes. (Felipillo terminou enforcado e esquartejado por ordem do próprio Almagro durante a conquista do Chile). E, depois da morte de Atahualpa, quando Manco sitiou Cusco, dois de seus irmão passaram para o bando de Pizarro em 1536, salvando os espanhóis que estavam morrendo de fome.
Como os aliados e subordinados têm sua parte no botim, isso também ocorreu com os escravos indígenas e africanos. Os escravos indígenas trazidos da Nicarágua, participaram na invasão do Peru combatendo ao lado dos conquistadores.
Utilizando o nome de seu proprietário, como se acostumava naquela época, o africano Juan Valiente foi trazido de Ghana em torno de 1505. Como alguns outros escravos, convenceu a seu senhor para que o deixasse marchar a outras terras em troca de dar-lhe participação nas riquezas adquiridas em seus próximos saqueios. Chegou até Chile sob o comando de Juan de Valdívia, e se tornou escravista a seis mil quilômetros d distância de seu proprietário. Não conseguiu dar a seu amo a parte do botim que lhe correspondia porque morreu antes em mãos dos araucanos.
Juan Garrido foi um fundador negro da Cidade de México em 1520. Também foram negros os conquistadores Juan Cortés, os irmãos Ramírez, Sebastián Toral que formou família e se estabeleceu em Mérida, onde até 1550 a população negra e espanhola se distribuíam em 50 por cento.
Sem a cooperação de uma parte indígena a dominação da América teria sido impossível. Sem os lacaios, os ingleses não teriam dominado a Índia. Sem os que se identificam com o imperialismo em cada país, este não dominaria o mundo. No século XXI os demônios de alma negra como o petróleo continuam soltos nas praças e contam com  cooperação dos lacaios de cada país.
*Advogado e sociólogo, doutor em Sociologia pela Universidade Nacional Mayor de San Marcos de Lima, Peru. http://www.hectorbejar.com


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Héctor Béjar

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