Pesquisar
Pesquisar

Será que voltamos à bipolaridade da guerra fria?

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

Paulo Cannabrava Filho*

Paulo Cannabrava Filho. Perfil DiálogosÉ fácil imaginar a irritação da presidenta Dilma ao saber estar sendo monitorada em sua intimidade. Toda a esquerda brasileira que lutou de uma forma ou outra contra a ditadura nos anos 1960-70-80 e até início dos 1990 sofreu essa violação da privacidade. Na década de 1980, para dar um exemplo, telefonemas e a correspondência entre eu e Neiva Moreira foram gravados e/ou copiados pelo SNI.

E não estávamos em guerra.

No nosso caso, apenas fazíamos uma revista, Cadernos do Terceiro Mundo, que como sua herdeira hoje, a revista eletrônica Diálogos do Sul, informava aquilo que a grande mídia escondia: as revoluções na América Central e Caribe e as lutas por independência e soberania dos povos do mundo.

Dilma e Obama chegaram juntos à conferência do G-20.O SNI e todo o complexo de inteligência estavam financiados e a serviço do sistema de Inteligência dos Estados Unidos, notadamente a CIA. A Dilma enquanto combatente e presa política deve ter visto nas masmorras da repressão os agentes estadunidenses pois eles não se escondiam. Em São Paulo, por exemplo, eram eles que autorizavam a liberação de passaportes.

Agora tampouco estamos em guerra e os EUA monitoram a Presidência da República. Será que já não vinham monitorando de longa data?

O que ocorre é que Edward Snowden fez com que aparecesse a ponta do iceberg já que, sem dúvida alguma, eles monitoram tudo. Ocorre que, ao ter exposto e ferido suscetibilidade da presidente,  não havia como manter silêncio, era preciso alguma manifestação, no mínimo exigir explicação pela violação da soberania (ou da intimidade?).

Mas, se não estamos em guerra, por que esse controle por parte do império? É fácil comprovar que o objetivo maior é fazer negócios, ganhar dinheiro. Trata-se de ter informação para poder atuar  em momentos em que for preciso obter apoio político o que no fim é a mesma coisa: obter contratos, ter lucros, ganhar dinheiro.

Informação é poder. Sabendo das coisas é fácil planejar e executar ações de reversão de expectativa. Desde o final da última guerra mundial o império se tornou o maior especialista na guerra psicossocial cujos instrumentos básicos são a corrupção e a utilização dos meios de comunicação.

Teria o mundo retornado a bipolaridade da Guerra Fria?

Essa é a impressão que se vê na imprensa russa ao constatar na reunião do G-20 um bloco de países a favor da paz, contra qualquer intervenção na ameaçada Síria, a vítima da vez, e outro desesperado por desencadear a violência bélica.

Obama acusa Assad de utilizar armas químicas e não oferece provas. Até mesmo seus aliados, envergonhados, admitem que não há certeza de quem teria utilizado as armas químicas, se o governo sírio ou os mercenários. A única verdade nisso é que as armas químicas são invenções da Dow Chemical e/ou outras industrias da morte com se de nos EUA ou na Europa. A Dow foi quem inventou o “agente laranja” utilizado para destruir a floresta da Indochina com o pretexto de que escondia os guerrilheiros vietnamitas, despectivamente chamados de Vietcong, e hoje utilizado no Brasil como “herbicida” para transformar florestas em pastos.

Assad acusa os EUA e seus aliados de financiar e armar os mercenários e os fundamentalistas fanáticos do al Qaeda e nem precisa provar pois o mundo já se deu conta de que essa é a verdade.

É de perguntar-se como é possível que a mídia e certos governos insistem em dar crédito a Obama e aceitem suas justificativa quando a opinião pública já se mostra indignada com a anunciada intenção de partir para a agressão a qualquer custo.

O que é mais grave?  

O pior perigo vem precisamente dessa atitude de desespero, como de um psicopata que quer por que quer arrebentar o mundo e não tem olhos nem ouvidos para o que dizem os seus próximos e menos ainda o que pensam em seu entorno. O orçamento militar dos EUA, em torno de 638 bilhões de dólares, é maior que a soma de dez nações que mais gastam com armamento. Essa máquina precisa movimentar-se; os produtos de guerra tem prazo de vencimento, igual os de supermercados.

Alguém pergunta, porque quem recebeu o Prêmio Nobel da Paz por seus discursos contra a guerra no Iraque quando senador agora diz que vai disparar contra a Síria? O general Wesley Clark, que foi comandante da OTAN quando da guerra no Kossovo, explica que a decisão não é de Obama. “A decisão já estava tomada para desestabilizar sete países em cinco anos: Iraque, Síria, Líbano, Líbia, Somália, Sudão e finalmente o Irã”. http://www.youtube.com/watch?v=sCDRWEpz5d8&feature=youtu.be

Portanto, por sua conta e risco Obama já colocou quatro destroieres da sua imensa 6a Frota do Mediterrâneo, em frente a costa síria, carregados de misseis Tomahawk,  de longa distância e ao custo de 1.5 milhões de dólares cada um. Cada semana de manutenção do porta-aviões Nimitz, nuclear, custa 20 milhões de dólares. Obama reforçou  a esquadra enviando o sofisticado cruzador de mísseis US Mahan. E tem a 5a Frota no Golfo pérsico.

300 navios e 4 mil aviões integram a poderosa marinha estadunidense. 300 navios e 4 mil aviões integram a poderosa marinha estadunidense.

Quem pagará essa conta?

China, Índia, Rússia já advertiram sobre as graves consequências econômicas que acarretaria uma nova guerra de agressão no Oriente Médio num mundo que sequer conseguiu sair da crise provocada pela quebra dos bancos de 2009. A região é estrategicamente sensível por ser rota do abastecimento de gás e petróleo ao Ocidente, leia-se Europa, Reino Unido e EUA. Como reagiria a combalida economia europeia ao aumento de preço dos combustíveis?

Eis aí a palavra mágica que parece poder explicar a insana atitude do império: combustível. Não estão satisfeitos com ter se apropriado do Afeganistão e do Paquistão, do Iraque e da Líbia, querem tudo, querem o controle total tanto dos poços de petróleo e gás como das rotas em toda a região. Enquanto o mundo ainda for movido por combustível fóssil, vamos controlar isso e ganhar dinheiro.

Esse motivo, o de ganhar dinheiro, tem contribuído para agravar as tensões na medida em que a guerra vai sendo privatizada. Quando Eisenhower, ao termino da II Guerra Mundial,   denunciou o perigo do crescimento do complexo militar industrial, o Estado fazia as guerras. O fracasso no Vietnam gerou oposição na população cansada de receber seus filhos mortos. Após a era Bush (pai e filho) desencadeia-se o processo de privatização da guerra.

Agora são as grandes corporações que armam e financiam exércitos próprios de mercenários. E são também grandes corporações que assumiram as tarefas de inteligência estratégica, militar e empresarial.

O londrino The Times revelou (19/8) que dez mil estrangeiros lutam na Síria filiados aos grupos armados dos quais 150 possuem cidadania britânica. O governo sírio informou que são mercenários de pelo menos 40 nacionalidades, sobretudo da região do Oriente Médio, milhares de europeus, França inclusive, e até da Austrália. O comando militar dos Estados Unidos admitiu o controle da al Qaeda nos comandos desses combatentes.

Entre as mais interessadas na riqueza petrolífera do pré-sal no litoral brasileiro é a transnacional Halliburton, um dos maiores conglomerados empresariais do mundo. Atua em mais de 80 países na exploração, refino e comercialização de petróleo, produtos químicos, engenharia, construção e, comunicação e inteligência. Tem sede em Houston e Doubai. Dick Cheney, alto executivo da empresa se afastou do cargo para ser vice-presidente no governo Bush, cuja família é também relacionada com as petroleiras. A empresa participou na preparação da guerra do Iraque e, pode-se imaginar foi a mais beneficiada no pós guerra, seja na reconstrução seja na apropriação do petróleo. Durante a guerra fornecia alimentação, lavanderia para os soldados a preços superfaturados e sem licitação. O escândalo foi noticiado, porem… São vários os escândalos por corrupção, ingerência em assuntos internos de países que envolvem essa e outras empresas do gênero.

A alemã Siemens, a francesa Alston, a canadense Borbardier e a espanhola CAF estão envolvidas no agora revelado escândalo de corrupção no Metro de São Paulo. A Alston pagou 6.8 milhões de dólares de propina para um contrato de 45 milhões de dólares. Executiva da própria Siemens diz que a caixinha (propina) cobrada pelo governo paulista era de 30 por cento. Isso não era novidade mas, a imprensa fechava os olhos para os malfeitos do PSDB, partido de Fernando Henrique Cardoso e dos governadores Mario Covas (já falecido) e o atual Geraldo Alkmin.

Em 2007, quando se abriu uma imensa cratera no percurso da linha 4 (Amarela) do Metro, provocando a morte de 7 pessoas e a destruição de dezenas de casas, estava evidente a formação de cartel e o superfaturamento. Do consorcio formado com a Alston e a Siemens participaram as maiores e principais empreiteiras do país, ou seja: Odebrecht, OAS, Camargo Correia, Queiroz Galvão e Andrade Gutierrez. Ninguém questionou a formação de um cartel que não deixou espaço para concorrentes. Agora já se sabe porque.

Snowden era empregado da empresa privada de inteligência Booz Allen Hamilton. Documentos por ele revelados indicam que as empresas de inteligência e segurança consomem em torno de 70 por cento dos 52 bilhões de dólares destinados aos serviços secretos. A Booz Allen Hamilton do Brasil funciona no bairro Itaim Bibi na cidade de São Paulo. Quais seriam os interesses reais dessa empresa no Brasil?

Um exemplo clássico da utilização dos serviços de espionagem, meios de comunicação e corrupção para garantir seus interesses é o caso do Sistema Sivam. A empresa estadunidense Reytheon “ganhou” a concorrência vencendo o grupo francês Thonson-CSF que tal como sua congênere opera na área de elétricos, eletrônicos e inteligência, relacionados à guerra.

A Cia monitorou todos os envolvidos e o próprio presidente dos Estados Unidos (na época Clinton) interferiu chamando diretamente o presidente do Brasil (na época Fernando Henrique), para garantir um contrato de 1.4 bilhão de dólares.

O escândalo  não ficou só no contrato sem licitação e se desdobrou em fraudes e sonegações. A maracutaia veio a público por mágoa dos franceses que soprou para a imprensa. Custou emprego do embaixador Júlio Cesar dos Santos e do ministro da Aeronáutica e não se falou mais nisso.

O que teriam dialogado Clinton e Fernando Henrique?

O que teriam para dialogar Obama e Dilma?

A presidenta Dilma disse que cobrou do presidente Obama tudo. Quer saber tudo o relacionado com a escuta. O Presidente Obama disse pediu um prazo. E daí? Qual vai ser o desdobramento disso? Não será tudo encenação posto que uma vez revelado o fato deve ser dada uma satisfação para a opinião pública? Afinal, na voz corrente, foi violada a soberania nacional!

Por muito menos que isso a elite da nossa direita e sua mídia uníssona queria que o Brasil invadisse a Bolívia, que se fizesse alguma coisa para retaliar a ousadia de Evo Morales que se atreveu a nacionalizar o petróleo e expropriar bens da Petrobras. E a Petrobras não é o estado brasileiro apesar de que a Petrobrás existe porque o Estado brasileiro fez na época o que o Estado  boliviano estava fazendo.  É até cômico pretender que essa elite se indigne pelas graves violações aos direitos humanos, direitos internacionais, da soberania dos Estados e da autodeterminação dos povos praticadas diariamente há mais de um século pelos Estados Unidos.

Claro que não dá pra pensar em declarar guerra aos Estados Unidos, invadir seu território, retaliar Obama como queriam que se retaliasse Evo Morales. E se ganhássemos a guerra, o que fazer com o monstrengo imperial?

A Bolívia e seu povo têm sido uma das maiores vítimas da ingerência dos Estados Unidos nos assuntos internos e soberania dos países ao sul do Rio Bravo. Nenhum outro país teve tantos golpes de estado como Bolívia, a maioria em cumplicidade com os serviços de inteligência estadunidenses. Para ver-se livre disso Evo Morales foi e é o único presidente que no continente teve a coragem de botar o dedo na ferida e estancar a sangria: exigiu a retirada dos agentes causadores de desestabilização e do tráfico de droga. Atitude soberana que o império teve que respeitar.

O que é mais importante: o fato ou a versão do fato?

Todo esse barulho deixou nossos governantes envergonhados não pelo fato em si, mas pela repercussão do fato. Realmente não é fácil para a presidente ler pela imprensa que está sendo monitorada por espiões. Então é natural que  que manifesta indignação e cobre explicações. Compreensível também que Obama finja constrangimento e prometa dar satisfações. Tudo teatro, dos dois lados, não para inglês ver (pois eles são farinha do mesmo saco) mas para enganar através da imprensa enganadora.

Se realmente a presidente Dilma considera que foi violada a soberania nacional (não sua intimidade apenas) só há um caminho a seguir. Botar o dedo na ferida para estancar a sangria, tal como fez Evo Morales.

A primeira coisa a ser feita é denunciar os acordos de cooperação e ajuda militar Brasil-Estados Unidos. Ao mesmo tempo desbaratar a promiscuidade entre os serviços de inteligência brasileiros e estadunidenses.

A inteligência estratégica e militar deve estar a serviço da Nação e seu Estado, não a serviço do Estado contra a Nação e muito menos a serviço da hegemonia de outro Estado que se impõe com sua vocação imperial.

Em segundo lugar romper contrato com as empresas de inteligência que operam como terceirização das guerras imperiais, em flagrante violação da soberania dos países em que atuam.

No médio e longo prazo investir maciçamente em Pesquisa e Desenvolvimento, recuperar gradativamente a capacidade industrial no marco de um planejamento estratégico para o desenvolvimento autossustentável.

*Paulo Cannabrava Filho é jornalista e historiador, editor de Diálogos do Sul.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Revista Diálogos do Sul

LEIA tAMBÉM

Índios do Xingu forçados a trocar a pesca pela agricultura
Quando sempre temos que usar o hífen
Foi embora nosso Pablo Piacentini
Chaves da evolução do Direito do Trabalho II