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Orlando Senna*
Então, não é surpresa que sejam comédias os filmes brasileiros mais vistos na atualidade, sejam produções grandes associadas à televisão, sejam produções modestas como o fenômeno Cine Holliúdy, de Halder Gomes, cem mil espectadores na primeira semana, apenas no Ceará e em poucas salas. Cine Holliúdy junta a tradição chanchadesca com a conhecida veia cômica cearense, a seara de Chico Anisio e Renato Aragão. Outra comédia em cartaz, Minha mãe é uma peça, é o filme brasileiro mais visto do ano até agora. Ou seja, é um momento de humor e gargalhadas no cinema brasileiro, o que é bem vindo, somos um povo que luta (as manifestações continuam nas ruas) e ri.
Mas também somos um povo que cultiva a fina sensibilidade de um filme que conta a história de duas mulheres apaixonadas uma pela outra, uma poetisa americana tímida e ligeiramente assustada com a vida e uma paisagista brasileira exuberante. Refiro-me a Flores raras, de Bruno Barreto, que também chegará aos cem mil espectadores (e espero que a muito mais) e nos devolve uma das interfaces desse cineasta múltiplo, que circula por dramas sociais, comédias românticas, filmes em Hollywood, Jorge Amado, Nelson Rodrigues e outras sendas, além de ser o diretor brasileiro recordista de público (os doze milhões de espectadores de Dona Flor e seus dois maridos).
É a sua interface da delicadeza, da imersão nos sentimentos profundos, no cinema da intimidade emocional. Flores raras, imergindo na alma feminina, faz par com outro filme excepcional de Bruno Barreto, Atos de amor (Carried Away), de 1995, realizado nos EUA, que imerge na alma de um homem simples do interior, um professor de meia-idade, com a mãe morrendo e um relacionamento estável com uma colega, que é deslocado de sua quietude por uma estudante de dezessete anos que o seduz. Enfim, estou tentando seduzi-los para que vejam Flores raras, esse outro cinema brasileiro, culto e belo.
*Orlando Senna é cineasta e colaborador de Diálogos do Sul.