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Sergio Ferrari*
Em função da visita do Papa Francisco ao Brasil nos últimos dias de julho, o teólogo brasileiro da libertação e da ecologia, Leonardo Boff, não poupou elogios ao novo bispo de Roma, que ele considera um homem “livre de espírito”; compara-o, quanto a certas virtudes, ao próprio Francisco de Assis e o engrandece por seu “esplêndido resgate da razão cordial”.
Para Boff, o chefe do Vaticano é “uma figura fascinante que chega ao coração dos cristãos e de outras pessoas”.
O legado maior durante sua visita ao Brasil, foi sua (própria) figura, enfatizou Boff em uma entrevista a este correspondente apenas finalizado o périplo do Pontífice. “Representou o mais nobre dos líderes, o líder servidor que não faz referência a si mesmo e sim aos outros, com carinho e cuidado, evocando esperança e confiança no futuro…”.
No diálogo, Boff, – que fôra duramente condenado ao “silêncio e obediência” pelo Vaticano em 1985 por sua conceituação e compromisso com a Teologia da Libertação -, reivindicou o que para ele são os aspectos essenciais deixados por este primeiro contato do Papa com a América Latina.
Mostrou uma “visão humanista na política, na economia, na erradicação da pobreza”. Criticou duramente o sistema financeiro…definiu a democracia como ‘humildade social’, reivindicou o direito dos jovens de serem ouvidos”, enumera Boff.
Enfatizando a contribuição do Pontífice no campo da ética, “fundada na dignidade transcendente da pessoa”, e expressa assim em seu “discurso recorrente”.
O teólogo brasileiro e prêmio Nobel alternativo da paz de 2001 considerou, no entanto, que durante a estadia brasileira do Sumo Pontífice foi o “campo religioso o mais fecundo e direto”. O discurso “mais severo foi reservado por ele aos bispos e cardeais latinoamericanos (CELAM). Reconheceu que a Igreja – e ele se incluía – está atrasada no que se refere à reforma de suas estruturas…Criticou a ‘psicologia principesca’ de alguns membros da hierarquia”.
Antecipando, além disso, os dois eixos principais da pastoral segundo a visão do Vaticano papa en rio nuevo Papa: “a proximidade do povo… e o encontro marcado de carinho e ternura…”. Falou inclusive – enfatiza Boff em seu diálogo -, “da revolução da ternura, coisa que ele demonstrou viver pessoalmente”.
Desde o dia da eleição do Cardeal Jorge Bergoglio para o papado, Leonardo Boff que, em 1992, enojado com o tratamento que lhe era dispensado pelo Vaticano, deixara o sacerdocio – reorientou bruscamente sua respeitada voz em defesa do novo Pontífice. Em nenhum momento entrou no debate sobre o papel desempenhado pelo Cardeal e a hierarquia católica argentina durante a última ditadura militar.
Apenas seis anos atrás, em maio de 2007, em uma entrevista anterior com este correspondente, às vésperas da 5ª Conferência Geral do Episcopado Latinoamericano e do Caribe que se realizaria dias mais tarde em Aparecida e onde Bergoglio desempenhou um papel muito importante, Boff classificou uma boa parte da hierarquia católica como “burocratas do sagrado”. Exteriorizando assim sua leitura então cética da situação geral da Igreja: sua incapacidade estrutural de mudança e sua rigidez para abrir-se aos grandes temas desafiantes da humanidade, em particular a ecologia e a própria renovação institucional interna.
Os dois Papas anteriores, João Paulo II e Bento XVI, foram para Boff e numerosos teólogos, principalmente da América Latina, os principais responsáveis por buscar deslegitimizar a Teologia da Libertação, seus teóricos e promotores, assim como suas propostas organizativas, em particular as Comunidades Eclesiais de Base, tão amplamente desenvolvidas em todo o continente.
Foi o Cardeal Ratzinger, então Prefeito para a Congregação da Doutrina e da Fé e posteriormente Papa Bento XVI, um dos responsáveis diretos da sanção do Vaticano contra Boff.
A eleição do primeiro Papa latinoamericano em março passado, no entanto, constituiu um verdadeiro choque de esperança e o ponto de partida de uma mudança radical na percepção e avaliação por parte do teólogo da libertação, que não escondeu seu desejo explícito, antes ou depois, de ser recebido por Francisco I e a quem enviou como presente, durante sua estadia no Rio de Janeiro, um exemplar de seu último e sugestivo livro: Francisco de Assis e Francisco de Roma: uma nova primavera na Igreja?
São os sinais da abertura de um processo paulatino da eventual “normalização” das relações entre Boff – enquanto cabeça visível desse setor castigado da igreja popular – e o poder hierárquico romano.
Embora o desenlace do processo de aproximação permaneça em aberto, os sinais indicativos, reforçados durante a viagem do Papa Francisco ao Brasil, são relevantes.
Em primeiro lugar, a vontade explícita de Boff e Francisco de avançar no processo de encontro; a existência de importantes canais que facilitam a comunicação quase direta entre ambos. Sem menosprezar, adicionalmente, as atualizadas reflexões de Boff – e de outras referências do setor popular da Igreja – que nos últimos quatro meses não deixaram de enumerar as virtudes do novo Papa. A partir de quem, o teólogo brasileiro pensa perceber a possibilidade da mudança interna de uma Igreja até agora dirigida, quase exclusivamente, pelos burocratas do sagrado.
*Jornalista argentino. Em SURySUR