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Paulo Cannabrava Filho*
O tema da inclusão digital, tão em moda entre governos e sociedade civil, não apenas em nossa América, mas em grande parte do planeta, por trazer riscos e oportunidades, talvez mais riscos que oportunidades, merece uma reflexão.
O primeiro ponto a ser considerado é a profunda diferença entre ter acesso aos meios e a utilização que se faça deles.
No Brasil, por exemplo, a mídia – definida aqui como os grandes meios de comunicação de massa – se jacta de que o país atingiu a cifra de 200 milhões de celulares. Praticamente mais de um por habitante. Uma enquete realizada por Mario Brandão constatou que dois terços das pessoas que têm celulares não os usaram nos últimos seis meses. Acontece que a maioria desses aparelhos são pré-pagos, e como as pessoas não têm dinheiro para pôr créditos não fazem chamadas, embora as recebam.
Nos países de nossa América a discussão sobre o direito ao acesso se dá no marco geral da democratização da comunicação, tema envolvido em grande controvérsia, uma vez que se entende, a priori, que para tornar os meios democráticos é preciso haver sobre eles um controle social. Assim, à simples menção de que é necessário democratizar a comunicação, os meios vociferam contra os “demônios estatizantes” que querem os meios “sob censura para impor suas ideias”.
A propriedade desses meios tradicionais de comunicação de massa está cada vez mais concentrada em poucas mãos, seja de famílias ou de grandes corporações. Utilizam-se da semiótica, dos símbolos que são caros à nossa cultura, principalmente para os setores mal formados e mal informados da classe media.
Esses pressupostos, presentes também na classe política, amplia as controvérsias por confundir ainda mais as pessoas com o emprego equivocado dos vernáculos. Aproveitam-se das confusões axiológicas criadas em torno de palavras como democracia, voto, socialismo, comunismo, liberdade e também de questões éticas para gerar confusão nas mentes pouco avisadas.
No Congresso brasileiro há projetos cujo objetivo é a universalização do acesso. Parlamentares e executivos federais e estaduais prometem em seus discursos um computador para cada aluno nas escolas de ensino fundamental. Para uma melhor compreensão da controvérsia, no próprio Congresso há outro projeto que pretende que todo usuário da web seja fichado, com todos os dados de sua identidade.
Até agora, o acesso à web se dá majoritariamente em locais públicos, as chamadas “lan houses”. O usuário paga por hora de utilização sem que haja qualquer tipo de controle. Existem 109 mil “lan houses” em todo o país, contra 2.500 salas de cinema e 2.600 livrarias.
Há pontos de acesso em algumas escolas de alunos até 16 anos, nos locais de trabalho e, por último, nas residências.
Durante o governo de Lula, através do Ministério da Cultura, dirigido por Gilberto Gil, e em seguida por Juca de Oliveira, houve um grande esforço pela inclusão digital, através de projetos de implantação de Pontos de Cultura, Pontos de Mídia Livre e implantação de bibliotecas públicas nos municípios (partiram de praticamente nenhuma para cinco mil). Avançou-se bastante com esses projetos, mas com a mudança de governo, os recursos desapareceram e com isso o entusiasmo inicial.
No que mais se avançou no Brasil foi na área do governo eletrônico – e-gov -. Não digo que se exerça um controle social dos manejos do governo federal, mas se poderia fazer. Toda a gestão financeira e orçamentária do governo está disponível no SIAFI (Sistema Integrado de Administração Financeira) Os municípios manejam suas contas através do Siconv (Sistema de Convênios) que é um braço do Siafi. Os projetos de qualquer natureza executados por terceiros com dinheiro público têm que utilizar as planilhas dispostas por e no sítio do Siconv.
Os bancos brasileiros exportam tecnologia de automação. Hoje em dia raramente se precisa ir a uma agência bancária, pois é possível pagar todas as contas e tributos pela internet, inclusive através de um telefone celular.
Há uma rede virtual dirigida a professores que ensina a tecnologia social – Educaraprender. O Serviço Social da Indústria – uma instituição privada que maneja recursos públicos – oferece prêmios para estimular o desenvolvimento de programas (softwares) para comunicação comunitária. Isso é bom, pois temos que nos liberar da dependência das redes sociais centradas nos EUA.
Com tudo isso pareceria que estamos no caminho de uma solução integral para a inclusão digital. Na verdade, a apropriação das tecnologias da informação está promovendo mudanças no conceito de democracia e participação. O que existe é ainda incipiente, mas é incomensurável o seu potencial. O que é que falta?
Eu diria que faltam políticas que definam o que se pretende com inclusão coletiva e estratégias que levem a objetivos de curto, médio e longo prazo.
Como criar e fortalecer redes de cooperação?
Como conectar as pessoas e criar um sentimento de comunidade?
Como desenvolver o conceito de cidadania?
Como utilizar as redes para a aprendizagem coletiva e permanente? (ao longo de toda a vida)
Como evitar que a utilização das redes se torne uma doença?
O caráter democrático, anárquico mesmo, que torna fascinante a rede mundial para todas as pessoas, apresenta também alguns riscos. O principal é a sua apropriação pelas grandes corporações. Nesse sentido, eles já estão utilizando-a para demonizar líderes populares inconvenientes para o sistema; para fazer propaganda política enganosa; para estimular o consumismo. Já vemos um excesso de anúncios até nas redes. Secundariamente, há riscos que preocupam as famílias, como o voyeurismo, a pedofilia, o roubo.
Eu apontaria outro risco que é o de intoxicação por excesso de informação. É preciso cuidar-se, pois isso pode conturbar-nos a mente, torná-la dispersiva, debilitar a capacidade de concentração.
O papel apropriado para as redes sociais e para os portais especializados é o de filtrar o conteúdo disperso e apresentá-lo de maneira organizada. Existe uma grande quantidade de portais especializados em praticamente todas as ciências e atividades humanas.
O mais fantástico na era da convergência é que se coloca na mão de cada um imensurável poder multimídia. Um aprendizado mínimo de programas gráficos e de comunicação dá às pessoas a possibilidade de colocar o que quiser de sua criação para que seja visto na rede.
Agregue-se o inegável poder de mobilização das redes sociais. Na Europa e nos EUA estão servindo para estimular as novas gerações a se mobilizar para mostrar seu descontentamento com a crise do sistema. Na África Mediterrânea serviu para mobilizar setores favoráveis à submissão aos interesses euro-estadunidenses.
O que preocupa é a questão do conteúdo e para quem serve essa mobilização e esse conteúdo. Não se pode esquecer que assim como foram utilizadas as ondas do rádio e a televisão para fazer diversionismo, também se estão utilizando a web e as redes sociais para fins políticos.
Nos setores mais politizados e engajados na luta pelo desenvolvimento integrado e por uma sociedade mais justa há certo consenso de que deve haver uma regulamentação, não apenas dos meios de comunicação, mas de tudo o que conforma o sistema comunicacional. Se não houver uma política nacional de comunicação e universalização do acesso, tudo fica ao arbítrio da indústria e dos prestadores de serviço de comunicação, ambos sujeitos aos interesses do capital financeiro.
A Unesco propicia a implantação de Sistemas Nacionais de Informação e sua integração regional. Dentro desse conceito criou-se nos anos 1970 a ASIN – Ação de Sistemas Nacionais de Informação – que quase deu resultado, mas por pouco tempo. Impôs-se a vontade dos mais fortes, mas esse é um conceito de extrema atualidade que deve ser retomado. Paralelamente, em 1973, foi criado o pool de agencias dos países Não Alinhados, outra iniciativa torpedeada antes de se consolidar.
Essa ideia foi retomada em fins de 2010 em Buenos Aires num encontro de diretores de agências de notícias oficiais, até que, em junho de 2011, nasceu, em Caracas, a ULAN – União Latino-americana de Agências de Notícias -. Em novembro de 2011 tinha como Integrantes: ABI da Bolivia; AGN da Guatemala; Andes do Ecuador; AVN da Venezuela; EBC do Brasil; IP do Paraguai; Notimex de México; Telan da Argentina e Prensa Latina de Cuba.
O objetivo continua sendo o proposto por ASIN, o de dispor de um canal alternativo às grandes agências de noticias imperiais e à própria mídia tradicional, poder informar o que esses veículos desprezam mas que são de importância para nosso desenvolvimento. Não obstante falta ao novo projeto uma definição mais ampla dos objetivos de integração entre as associadas. Elas estão apenas colocadas individualmente em um portal.. Seus estatutos indicam ser um espaço coletivo, uma rede de intercâmbio informacional com intenção de compartilhar experiências e formar profissionais.
Cabe fazer um parêntesis para recordar que o governo brasileiro, na época sob uma ditadura cívico-militar, foi um dos que mais combateram a ideia de ASIN, talvez por não desejar mesclar-se com governos democráticos e progressistas que a propiciavam. É somente em 2008 que o governo decide criar a Empresa Brasil de Comunicação – EBC – que integra a Agência Brasil; TV Brasil; TV Brasil Internacional; Radioagencia Nacional y diversas bandas de Radio Nacional transmitiendo de Brasilia, Rio de Janeiro; Amazonia.
Veja-se este exemplo. No Brasil há um denominado Plano Nacional de Banda Larga destinado a garantir o meio físico (fibra ótica, satélite etc.) para o acesso universal. Não é preciso ser especialista para constatar que o plano estancou. Porém, Mario Brandão denuncia que el PNBL privatiza o processo, coloca nas mãos de grupos que querem “universalizar os meios” que é o mesmo que dizer universalizar a venda de seus produtos e não o acesso.
Desde a II Guerra Mundial a ciência da informação passou a ser o foco dos maiores investimentos em pesquisa e desenvolvimento e a maior concentração desses recursos se desenvolvem nos EUA. Eles assumiram a vanguarda na articulação da infra-estrutura global de informação na era da convergência. Europa ficou à deriva e com intenção de recuperar o tempo perdido abriu as portas à privatização. Privataria, dizemos, para definir o que mais parece aventuras de piratas.
O pior das TIC, sem dúvida, tem sido sua utilização para o desenvolvimento do cassino global. A grande roda financeira virtual, que volatilizou as moedas e pôs grande parte da humanidade sob a ditadura do capital financeiro e volátil. Como se livrar disso é o grande desafio da era atual.
Há um entendimento de que contra o global vale antepor o local.
As redes sociais permitem a formação de comunidades virtuais em que cada pessoa tem a liberdade de utilizar sua capacidade multimídia. Essas comunidades podem ser fechadas ou abertas; uma comunicação entre amigos ou entre profissionais, ou entre pesquisadores. As comunidades entre cientistas e acadêmicos têm propiciado um grande intercâmbio de experiências e conhecimento.
Nossos conselheiros, Ladislau Dowbor e Theotonio dos Santos defendem que o intercâmbio de conhecimento entre cientistas favorece o processo de re-criação e ampliação do conhecimento. Fiéis a esse conceito colocam em seus portais tanto suas produções acadêmicas como as obras que realizam para publicar em livros.
Algumas das ferramentas mais utilizadas pelo público em geral são: Facebook, orkut, myspace, twitter, linkedin y flick (profissionais), ning, wordpress. O Facebook foi criado por um brasileiro. Ajuda a encontrar e manter amigos estejam onde estiverem. Cresceu tanto que se tornou irresistível para as grandes corporações. Grandes fotógrafos em todo o mundo utilizam o flick. A tecnologia oferecida por wordpress talvez seja a mais utilizada individualmente, por professores e jornalistas em seus blogs.
Totalmente voltada ao consumo é a computação em nuvem (cloud) lançada por Steve Jobs pouco antes de seu desaparecimento. Um incrível backbonne armazena as músicas, as fotografias, as agendas e outros arquivos dos usuários de Mac e seus derivados. Claro que se tem que pagar por cada música ou filme baixado. No rasto de Jobs o Conselho de Segurança Nacional, por ordem de Obama, está concentrando seus esforços para utilização da computação em nuvem para efeito e guerra cibernética e segurança.
A comunidade acadêmica e as redes sociais estão cada vez mais se apropriando de tecnologias computacionais abertas, os chamados softwares livres, e isso é fundamental para quem pretende se livrar do domínio e controle das mega corporações.
Utilizando a tecnologia ning os jornalistas no Brasil criaram o Portal do Autor, um espaço de criação coletiva de prestação de serviço para trabalhadores em comunicação social. O foco principal é a questão autoral, mas o portal oferece espaço para que os profissionais coloquem suas criações, sejam textos, fotos, vídeos. Ali podem ser integrados grupos de interesses específicos, participar de fóruns temáticos de discussão. Há um amplo espaço sobre legislação e jurisprudência sobre direitos.
O uso das redes requer um aprendizado constante, sem fim, pois há que acompanhar a evolução das tecnologias e procurar novas finalidades para sua utilização.