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Repudiados por 90% dos peruanos, Boluarte e Congresso fingem clima pacífico e normalidade

Para governo, manifestantes não existem; estão acostumados a fechar os olhos diante da realidade e das recentes mortes pelas mãos da política do país
Gustavo Espinoza M.
Diálogos do Sul Global
Lima

Tradução:

Em 7 de junho o país inteiro recordou o Dia da Bandeira, em homenagem aos heróis de Arica. Também se costuma chamar “o Dia da Resposta” porque eles, liderados por Francisco Bolognesi, responderam ao ultimato que lhe colocara o inimigo, com uma frase que ficou na história: “Temos deveres sagrados a cumprir, e os cumpriremos até queimar o último cartucho”.

Esta data não tem, necessariamente, uma conotação castrense. Não é, propriamente, um Dia Militar. Os “deveres sagrados” aos que se referira o valoroso chefe peruano, não correspondem somente aos fardados. Talvez por isso, Juan Velasco se empenhou em dar a esta data um sentido nacional e popular. Essa era a resposta dos peruanos diante da adversidade.

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Por razões insuficientemente precisas, o real é que em Lima a celebração da data tornou-se um ritual. Dezenas e ainda centenas de militares, marinheiros, aviadores e também policiais, marcam encontro numa cerimônia formal que se denominou “o Juramento da Bandeira”. Obviamente, o grande ausente deste evento é o povo. 

No interior do país não ocorre o mesmo. Ali, sobretudo na zona andina e no sul peruano, a festividade se converteu numa festa de todos. E em um país oprimido pela crise, e imenso na dor que gerou a morte, a data se converteu em uma espécie de Luto Nacional

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Por isso se pode afirmar que este 7 de junho teve um caráter especial. Em algumas localidades se hasteou bandeiras peruanas de diferentes cores: branco e negro.

O branco representa a pureza da luta popular e, o negro, a profunda dor que embarga os peruanos pelos quase 70 assassinados entre dezembro e fevereiro. Houve quem pretendesse satanizar essa expressão.

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Asseguraram que ela constituiu algo assim como o rechaço ao Peru e a seu símbolo. Não é verdade. Nem sempre os heróis usam farda. Como em décadas passadas, não foram heróis os que combateram no El Frontón e no penal de San Pedro, em 1986; nem os que mataram camponeses na serra. Tampouco os que consumaram aleivosos crimes, como em Accomarca, Cayara, Los Molinos e outros.

Para governo, manifestantes não existem; estão acostumados a fechar os olhos diante da realidade e das recentes mortes pelas mãos da política do país

Twitter | Reprodução
Certamente os peruanos temos “sagrados deveres que cumprir”, e com farda ou sem ela, deveremos enfrentar a tarefa




Os heróis e os assassinos

Heróis foram Bolognesi, Grau, Alfonso Ugarte e muitos outros. Pois bem, no Peru de hoje, não foram heróis os que mataram os povoadores em Ayacucho, Andahuaylas, Juliaca e em outras localidades. Esses foram assassinos. No caso, os heróis se vestiam de civis. Ninguém como eles soube interpretar a mensagem da Pátria: “Temos deveres sagrados que cumprir…”.

Vivemos dias particularmente instrutivos. Sem estudar muito, e só vendo a realidade, o povo peruano pode perceber a essência de classe do regime atual. A maioria parlamentar acaba de impor a reeleição permanente dos congressistas e a recriação de um Senado para que os atuais parlamentares tenham uma nova possibilidade de perpetuar-se no poder. Ao fazê-lo, desestimularam inclusive a possibilidade de uma consulta aberta – um referendo – que com segurança havia tido um resultado adverso a essa iniciativa, como aconteceu antes. 

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Segundo a pesquisa de Datum, a senhora Dina Boluarte caiu na estima cidadã e tem apenas 5% de aceitação. O congresso, algo mais: 6%. Mais de 9 de cada 10 peruanos repudiam a ambos. Mas para eles a vida continua, como se nada houvesse ocorrido. Ao contrário, pareciam haver cumprido seis meses no Poder e de haver “tranquilizado tudo”.

“Não há manifestações na rua”, disse recentemente Alberto Otárola, na Europa. Não viu, sem dúvida, a furiosa multidão que o recebeu com gritos hostis no aeroporto de Barajas, em Madri, nem os que se concentraram em Paris, para protestar ante sua presença. Para ele, eles não existem. Acostumado a fechar os olhos diante da realidade, não viu tampouco os mortos do passado recente. Dina, em compensação, que sim os viu, repete como uma cantilena: “Pedro Castillo é o culpado destas mortes”.

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Em dias passados, a precária inquilina do palácio respondeu formalmente à entrevista que desenvolveu com ela a Promotora da Nação. Foi um Chá de Amigas. Falaram do tempo, da chuva, dos acontecimentos que passam por seus olhos, mas não pelo seu cérebro, e aludiram aos caídos como expoentes do terrorismo e da violência. 

Para que o encontro se produzisse, foi preciso que mais de 300 policiais fizessem um cordão em torno do edifício da Promotoria. Não queriam que voassem uma mosca. Mas as “medidas de segurança” não puderam calar as vozes. E não houve uma só voz de saudação à senhora Boluarte. Todas repetiram o mesmo. E todas também cantaram aquela canção das crianças de Azángaro, tão popular em nosso tempo. 

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Certamente os peruanos temos “sagrados deveres que cumprir”. Com farda ou sem ela, deveremos enfrentar a tarefa. Entre os desafios mais prementes, está o de acabar com o regime que oprime os peruanos. E sentar os culpados dos crimes no banco dos réus. 

Será esse o primeiro passo para a recuperação de um Poder que foi arrebatado às maiorias nacionais. E abrirá também o caminho para construir um novo Peru, aquele com o qual sonhara o homem de que se recorda neste 14 de junho o 129º aniversário de seu nascimento. Mas esta é, aliás, uma tarefa de titãs. 

Gustavo Espinoza M. | Colaborador da Diálogos do Sul em Lima, Peru.
Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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Gustavo Espinoza M. Jornalista e colaborador da Diálogos de Sul em Lima, Peru, é diretor da edição peruana da Resumen Latinoamericano e professor universitário de língua e literatura. Em sua trajetória de lutas, foi líder da Federação de Estudantes do Peru e da Confederação Geral do Trabalho do Peru. Escreveu “Mariátegui y nuestro tiempo” e “Memorias de un comunista peruano”, entre outras obras. Acompanhou e militou contra o golpe de Estado no Chile e a ditadura de Pinochet.

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