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ToggleTalvez uma das figuras mais obscuras do superpoder estadunidense, um Prêmio Nobel da Paz, ex-professor de Harvard e que foi acusado de ser o autor intelectual de crimes contra a humanidade, golpes de Estado e ações militares ilegais ao redor do planeta, cumpriu 100 anos de vida em 27 de maio, e como presente de aniversário, o historiador Greg Grandin disse que quem sabe se cumpre o ditado popular cubano: “não há mil que dure 100 anos”.
Henry Kissinger não tem ocupado um posto político há meio século, mas sua enorme influência na geopolítica estadunidense continua presente até hoje, adverte Grandin, professor de história da Universidade de Yale, e autor do livro “A sombra de Kissinger“.
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Para marcar o aniversário, o La Jornada entrevistou Grandin para perguntar-lhe como interpretar não só o homem, mas a influência de uma das figuras estadunidenses mais polarizantes deste século e do passado.
Hudson Institute/Flickr
Kissinger instituiu o "direito" dos Estados Unidos de bombardear países do terceiro mundo
Confira a entrevista
La Jornada: Na América Latina o que se deveria saber sobre Kissinger em seu aniversário de 100 anos?
Grandin: Kissinger esteve formalmente fora do poder por quase 50 anos, mas sua presença está no realinhamento pós Vietnã do poder estadunidense, e as sequelas dos golpes de Estado e, que estava envolvido na região, realmente organizando golpes no Chile, Uruguai, Argentina e Bolívia, um país atrás do outro, então talvez se deve marcar não tanto seu 100º aniversário de sua vida, mas sim o 50º aniversário da última ação de golpe [em que participou].
O senhor escreveu que a sombra de Kissinger sobre o exercício do poder estadunidense é longa e continua presente até hoje. Como se expressa isso?
Primeiro creio que é importante separar a culpabilidade das coisas das que Kissinger é pessoalmente responsável e o lançamento de um sistema sobre o qual presidiu… É claro que é pessoalmente responsável por muitas coisas… mas creio que é mais importante pensar sobre como sua vida é parte de uma mapa de um período de enormes consequências na história estadunidense… Suas decisões e formulação de políticas abriram portas e janelas que ajudam a explicar como este país se move desde [as guerras do] Vietnã e Iraque, de mudanças de normas do que é permissível. Muito se pode dizer dele. E seguro que há uma longa sombra… mas não gosto da ideia de um gênero ou uma figura tipo Moriarty… mas sua presença ajuda a pensar de que forma evoluiu [a política] estadunidense… sob governos de ambos os partidos.
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Tomemos algo grande, Kissinger teve que se manter em segredo sobre o bombardeio ao Camboja [se calcula que causou mais de 100 mil mortes entre 1969 e 1973 nesse país] porque era ilegal bombardear outro país do terceiro mundo. E quando invadem o Camboja, há um grupo de liberais da guerra fria de Harvard que vão a Washington protestar porque não se havia declarado uma guerra contra o Camboja. Hoje, é completamente parte da sabedoria convencional de que os Estados Unidos têm o direito de agir em países do terceiro mundo em nome do que define como auto defesa e segurança nacional. Isso é algo que mudou, e creio que mudou pelas ações que tomou Kissinger, e penso que se pode ver ao redor do mundo, em diferentes regiões, e ver o impacto das políticas de Kissinger, mais notavelmente no Oriente Médio.
Basicamente o que mudou?
O direito dos Estados Unidos de bombardear países do terceiro mundo. De fato, Kissinger perguntou há poucos anos como justificava ao Camboja: “pois olha o que está fazendo [Barack] Obama com os drones, é o mesmo” – embora claro que não em um mesmo nível, mas tampouco está equivocado. Agora é justificado atacar países do terceiro mundo, e embora isso pudesse ser logrado sem Kissinger, é útil vê-lo como uma linha que atravesse essa história desde Vietnã até hoje.
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É importante recordar que Kissinger só esteve em postos oficiais durante oito anos. Foi diretor da Kissinger Associates por quatro décadas. E a Kissinger Associates basicamente ajudou a negociar o mundo em que vivemos. Por exemplo, ele estava envolvido na privatização da base industrial da União Soviética, em privatizações em massa na América Latina e na Ásia. Nunca teremos informação sobre as consequências da sombra de Kissinger Associates, é uma empresa privada. Então sabemos o que fez quando estava no poder entre 1969 e 1976 – em Vietnã, Camboja, Laos, Timor Leste, em Angola e Moçambique, com os curdos, em torno do Irã e Arábia Saudita, na América Latina – conhecemos essa história. O que não sabemos é o que a Kissinger Associates fez ao longo de quatro décadas… são segredos que Kissinger levará à sua tumba.
A Kissinger Associates estava envolvida no México?
Muito envolvidos, penso que Kissinger está muito envolvida no Tratado de Livre Comércio da América do Norte. Quando se promovia o Tratado, Bill Clinton reabilitou Kissinger – porque era um presidente sem muita experiência política exterior – então a reabilitou para o Partido Democrata. Em seu primeiro ano na Casa Branca. Kissinger, entre outros, disse a Clinton que tinha suficiente capital político para promover uma reforma de saúde nacional ou o TLCAN, mas não ambas as coisas… Clinton optou pelo TLCAN sobre a reforma de saúde [que era o enfoque de sua esposa, Hillary]. Kissinger entendia… diante da visão ampla do nacionalismo do terceiro mundo, do nacionalismo econômico… entendia que poria fim a isso, como um final à Revolução mexicana para retornar à proteção da propriedade privada – foi um dos primeiros tratados que tinha um mecanismo de resolução de disputas entre empresas privadas e o Estado, o qual permitia que empresas demandassem países por perdas de lucros no futuro e outras proteções da propriedade privada. Kissinger entendia que o TLCAN era um evento histórico mundial nesse sentido.
E agora, sob Biden e seus secretário de Estado Blinken, onde fica essa sombra de Kissinger na política exterior?
“Pois agora ninguém parece ter um plano… não há uma grande estratégia, nem ganha a ideia do que vai acontecer depois da crise na Ucrânia. Os Estados Unidos tinham ainda um plano depois da Segunda Guerra Mundial, planejou o que desejava fazer depois da guerra fria com a globalização neoliberal… Mas agora, qual é o plano? Não se sabe… parece que estamos encabeçados por algo ainda pior que Kissinger, um equilíbrio de poder sem qualquer justificação moral… Estados Unidos não vão aceitar facilmente o fim do seu domínio. Não aceitará um mundo multipolar.
Jim Cason e David Brooks | La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.
Tradução: Beatriz Cannabrava
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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