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ToggleA volta de Lula à presidência do Brasil tão almejada pelo povo e governo argentino atual foi recebida com entusiasmo, como fator de reativação do funcionamento e dos projetos de integração da Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (CELAC) e, particularmente das relações político-econômicas entre a Argentina e o Brasil, num momento decisivo para superar as crises econômicas herdadas da era neoliberal de Bolsonaro-Macri, e os riscos regionais ativados pelo Norte aos processos democráticos do Sul.
A destacada recepção ao presidente Lula, deu-se sobretudo no bojo do entusiasmo pela sua reeleição, como sinal de vitória contra o lawfare, apesar de seguida por preocupantes tentativas golpistas da direita no 8 de janeiro. Mas, esta nova CELAC, com perspectivas de um BRICS plus, ampliando o leque da América Latina à África do Sul, Índia e China, e com o toque do Lula, terá um retorno positivo, estimulando a firmeza do presidente brasileiro para enfrentar as forças conservadoras internas, como já vem se expressando. Ao chegar acompanhado pela primeira-dama, Janja, e pela comitiva ministerial, estreou o dia que antecedeu a reunião da Celac (23 de janeiro) com 2 cerimônias importantes e uma decisiva reunião bilateral entre os dois países.
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A primeira foi a oferenda floral de Lula em homenagem ao Libertador argentino (São Martim) na praça San Martin. Vejam. A outra, ao anoitecer, após o encontro bilateral, foi o evento com a sua participação, ao lado de Alberto Fernandez e Evo Morales num show musical no Centro Cultural Kirchner (CCK), “Irmandade Argentino-Brasileira” com cantores brasileiros e argentinos, como Teresa Cristina, Nacha Guevara, Teresa Parodi, e León Gieco. Ao final, Lula dedicou palavras pela integração latino-americana aos artistas e ao público onde esteve presente também o Comitê de apoio do PT na Argentina.
Entre estes dois eventos, realizou-se o Encontro bilateral entre os presidentes, Lula e Alberto, e respectivos ministros da economia, relações exteriores, saúde, ciência e tecnologia, comunicação e outros. Nesta ocasião, ambos responderam a uma coletiva de imprensa.
“Creio que nós vivemos o mais importante período de relações entre os dois países, como durante o meu primeiro mandato. A minha relação com Duhalde, Kirchner e a companheira Cristina foi uma relação efetivamente privilegiada.” “Hoje estou aqui para restabelecer uma relação que nunca deveria ter sido truncada”… “Nós vamos reconstruir aquela relação de paz, produtiva, avançada de dois países que nasceram para crescer e se desenvolver e gerar melhores condições de vida para o seu povo… Eu quero dizer para vocês com muito orgulho, que estou de volta para fazer bons acordos com a Argentina”. “Para compartilhar a construção do que falta ser construído. Para ajudar com que a Argentina e o Brasil possam crescer economicamente. Que o nosso povo possa voltar a ter condições de ter moradia, para garantir que o nosso povo possa comer pelo menos 3 vezes ao dia, voltar a estudar, a trabalhar e ter acesso à cultura”. “Na realidade estou pedindo desculpas ao povo argentino por todas as grosserias que o último presidente do Brasil, que eu o trato de genocida, por causa da falta de responsabilidade no caso da pandemia, e todas as ofensas que ele disse ao companheiro Fernandez”. (Lula da Silva)
Analisar moeda comum demanda um olhar anticapitalista, explica economista argentino
Entre os principais pontos iniciais do acordo bilateral estão a consolidação da democracia e as instituições baseadas na paz, bem estar, justiça e necessidade de integrar a América Latina. A meta é fortalecer o Mercosul e relançar a Unasul. Foram assinados acordos no campo da segurança alimentar e energética: a produção do gás de Vaca Muerta chegará ao Brasil e a eletricidade brasileira à Argentina. Programa binacional de cooperação no campo da saúde, da ciência e da tecnologia. Assinaram-se também memorandos de entendimento sobre Cooperação Científica em Ciência Oceânica (ciência e tecnologia), Acordo de Cooperação Antártica (economia), e carta de intenção com motivo do Projeto de Integração para a Produção de Defesa Argentina-Brasil (defesa-relações exteriores).
Um tema iniciado na bilateral financeira e que já vinha sendo proposto pelo Ministro da Fazenda brasileiro, Fernando Haddad, foi o da moeda comum entre o Brasil e a Argentina. Moeda comum, e não única, como propunha o nefasto-liberal, Guedes. Uma medida fundamental para superar a dependência das economias dolarizadas, sobretudo em economias bi-monetárias como na Argentina, regidas ao sabor das corporações financeiras dos EUA e do FMI, que apoiadas no predecessor, Macri, esvaziaram as reservas de dólares da Argentina; fundamental para empurrar decididamente a integração latino-americana em base a economias soberanas e de inclusão social. Leiam detalhes e explicações publicadas no Tiempo Argentino.
A proposta não encontrará pouca resistência. Já sabemos o que ocorreu com a Líbia de Kadafi quando ousou propor uma nova moeda anti-euro. Mas, a CELAC, sobretudo a UNASUL, baseadas no BRICS plus, com o incentivo de Lula, serão centrais para que a ideia, já formulada por Hugo Chávez, se torne um fato, e para que a moeda se torne comum à América Latina, contra qualquer forma de intervencionismo do Norte.
A chefa do Comando Sul dos EUA, Laura Richardson, não teve pruridos de revelar como a intervenção está traçada sobre os recursos naturais e terras raras (petróleo, ouro, lítio e água) da Argentina, Peru, Bolívia, Chile, Brasil, Venezuela e Nicarágua; e que os inimigos dos EUA são claramente, Cuba, Venezuela, Nicarágua e Rússia. Daí se entende a guerra midiática contra a vinda de Maduro à Celac. Frente a isso, o presidente venezuelano não veio à Argentina, para não servir à provocação violenta e do show midiático que se preparava para apagar das telas e do noticiário a realização da CELAC; e não deixou de enviar sua mensagem à reunião. Em diversas ocasiões, Lula deixou claro sua posição solidária contra o bloqueio a Cuba e de respeito ao presidente democraticamente eleito na Venezuela, convocando ao diálogo.
Reprodução – Facebook
Petro: "Falamos muito de unir-nos, mas fazemos pouco realmente. E creio que isso tem que mudar"
Outras intervenções de relevo na CELAC
No seu discurso, Xiomara Castro, presidenta de Honduras, esposa do ex-presidente Manuel Zelaya (2006/2009) diz: “É um momento crítico para a nossa região. Hoje, a CELAC é necessária mais que nunca. A direita não descansa. Cinicamente falam de desenvolvimento e planificam golpes de Estado. Através da sua maquinaria midiática, o boicote econômico, perseguição política, lawfare, mantém uma agressão permanente contra os nossos povos. Eles são os principais responsáveis pelo despojo dos nossos recursos naturais, deterioração acelerada do meio ambiente e a mudança climática. Desde o rio Bravo até a Patagônia estamos levando uma batalha comum contra o neoliberalismo, que por onde passou deixou só pobreza, fome e miséria.
É fundamental que assumamos um protagonismo de multipolaridade; e que denunciemos a política assimétrica de globalização que nos arrasta a sofrer consequências como da guerra na Ucrânia, submetendo nossos povos a níveis intoleráveis de injustiça, pobreza e corrupção. Combatemos o neoliberalismo e denunciamos as políticas de agressão, boicote econômico contra Cuba, Nicarágua e Venezuela.” Xiomara Castro recordou a todos dirigentes da década brilhante da Celac, desde Fidel, Hugo Chávez até a vice-presidenta, Cristina Kirchner, a quem visitou no Senado.
Celac fortalecida é fundamental para frear prepotência e interferência imperialista
O embargo econômico conduzido há 60 anos pelos EUA contra Cuba, foi rechaçado de forma unânime pela VII CELAC. O presidente Miguel Díaz-Canel que no seu discurso congratulou o presidente Lula pela sua vitória e deu explícito “respaldo e solidariedade diante dos atos violentos e anti-democráticos que pretendiam gerar caos e desrespeitar a maioria do povo brasileiro que elegeu seu presidente”, explicitou: “Em Washington se empenham em dividir-nos, estigmatizar-nos e subordinar-nos aos seus interesses após duzentos anos de promulgação da Doutrina Monroe”; e dedicou o restrito tempo da reunião da Celac para encontrar a vice-presidenta Cristina Kirchner, além de dirigir-se ao povo argentino, concedendo uma entrevista a Vitor Hugo Moráles na rádio FM 750. Fez também um chamado à CELAC a passar dos discursos a programas concretos de integração. É o mesmo Diaz-Canel que não perdeu tempo e foi ver recentemente o presidente Putin, com quem inaugurou uma estátua de Fidel em Moscou, e selou vários acordos de mútua-cooperação Cuba-Rússia.
O presidente colombiano Petro, emergido de anos de resistência em uma Colômbia – ocupada por dezenas de bases militares norte-americanas – com uma vice-presidenta (Francia Márquez) ameaçada por atentado, diz no seu contundente discurso: “Há uma grande distância entre a retórica da integração latino-americana e a realidade. Falamos muito de unir-nos, mas fazemos pouco realmente. E creio que isso tem que mudar. Da retórica temos que passar à realidade”. Propôs três pontos: Fortalecimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Justiça); Organismo comum que nos defenda da cobiça ao redor da medicina e dos remédios (Saúde); e uma Agência aero-espacial latino-americana, além da Integração Atlântico-Pacífico-Caribe, via trem.
Pontos centrais do documento final e a CELAC Social
Do documento final da Celac de 100 pontos se extraem alguns para unir forças contra os ataques à democracia, a defesa dos recursos naturais e estratégicos, o fim do bloqueio a Cuba, o incentivo ao diálogo com a Venezuela, o apoio à soberania argentina nas Ilhas Malvinas. A situação no Peru foi muito debatida com apoio de Lula e Alberto ao fim da violência, chamando às eleições. Enquanto isso, Petro fez uma contundente condenação ao golpe no Peru, propondo, como Maduro e Lopez Obrador, a libertação de Pedro Castillo, vítima de lawfare, e de violação do processo democrático e eleitoral. A defesa da democracia requer, além de palavras, medidas concretas e urgentes.
Paralelamente à CELAC, realizaram-se encontros e reuniões da denominada CELAC Social, convocada pelos movimentos sociais e sindicatos dos vários países membros, inclusive com a participação de Evo Morales. Reuniram-se no Museu Malvinas na ESMA, elaboraram um documento e marcaram presença diante do hotel Sheraton onde se realizava a CELAC. Protestaram contra as operações que desestabilizam os governos eleitos pela maioria popular, no Peru e no Brasil; as tentativas de assassinato de Cristina Kirchner e da vice-presidenta da Colombia, Francia Marquez; a presença de ditadores como Dina Boluarte (Peru) e Ariel Henry (Haiti).
Abordaram temas como o lawfare e a dívida externa, em sintonia com os debates em todos os processos nacionais onde a democracia está em risco. A CELAC Social tratou de deixar o recado de que sem povo mobilizado, e a solidariedade internacional não há processo democrático que avance; deixou explícito apoio aos camponeses e trabalhadores contra o massacre no Peru.
A VII Cúpula da CELAC ocorre em um novo contexto mundial de guerra, perda de hegemonia do imperialismo, de divisões internas nos EUA e deste com a União Europeia, pressagiando convulsões do povo europeu que não está disposto a pagar o custo da guerra da OTAN na Ucrânia. Isso dá maior importância à CELAC e à UNASUL, como instrumentos para finalmente viabilizar um projeto de integração latino-americana entre os governos progressistas e destes com os movimentos sociais.
Helena Iono | Colaboradora da Diálogos do Sul em Buenos Aires.
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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