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Toggle“Quem o ex-presidiário [Lula] apoiou no passado? Apoiou [Hugo] Chávez, apoiou [Nicolás] Maduro. Para onde foi a Venezuela?”. Foi desta maneira que o presidente e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL), iniciou suas considerações finais durante o primeiro debate presidencial das eleições de 2022, transmitido pela Rede Bandeirantes em agosto.
Utilizando o país vizinho para atacar o ex-presidente e candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o mandatário repetiu uma prática comum em suas campanhas eleitorais: a de sugerir que o Brasil pode viver uma realidade similar ou parecida à da Venezuela caso forças de esquerda vençam as eleições.
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Seja como palavra de ordem, instrumento de ataque ou meme, a expressão “o Brasil vai virar a Venezuela” se tornou recorrente no debate público brasileiro nos últimos anos. Embora a narrativa não seja protagonista na campanha de 2022 e tenha perdido força desde a última corrida eleitoral – quando Bolsonaro derrotou o ex-ministro Fernando Haddad (PT) – o presidente brasileiro segue utilizando a mesma estratégia para insinuar que o Brasil poderia viver conjunturas similares às do país vizinho caso Lula seja eleito.
Os exemplos não são poucos. Ainda durante o debate na Band transmitido no dia 28 de agosto, Bolsonaro chegou a afirmar que imigrantes venezuelanos vêm ao Brasil “fugindo da fome, da miséria e da violência” e questionou: “o que vai acontecer com o nosso país se esse ex-presidiário [Lula] voltar à cena do crime?”. No ato que marcou o início de sua campanha, realizado em Juiz de Fora (MG) no dia 16 do mesmo mês, Bolsonaro já havia dito que a Venezuela estaria vivendo sob “uma ditadura” e que “o povo perdeu a liberdade por escolhas erradas”.
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A classificação do governo venezuelano como “ditatorial” foi repetida durante um encontro com apoiadores em São José dos Campos (SP), quando o candidato chegou a afirmar que o país seria “um inferno” e que “lá [na Venezuela] não tem mais cães e gatos, comeram tudo”. “Esse é o destino de quem vota nessa canalhada do PT, esses vagabundos que temos aqui no Brasil. […] O que está em jogo é o bem contra o mal”, disse.
Esses discursos fazem parte de uma estratégia classificada pelo cientista político venezuelano Luis Javier Ruiz como um “exagero de conceitos para gerar medo”. Em entrevista ao Brasil de Fato, o especialista explica que declarações como as de Bolsonaro têm origem na reação da direita latino-americana ao chamado primeiro ciclo de governos progressistas e que a lógica de construir uma suposta batalha “do bem contra o mal” também foi utilizada durante a Guerra Fria contra os movimentos comunistas na região.
“O ressurgimento da esquerda na América Latina nos anos 2000 fez com que a direita e os conservadores tirassem a poeira de seu arsenal discursivo e encontrassem na Venezuela uma argumentação negativa. Foi a construção de uma mensagem sobre o medo, o medo de se converter no país apocalíptico, o medo de perder meus direitos, minhas liberdades, minhas propriedades, e inclusive o medo de se converter em bárbaro”, disse.
Foto: Kevin David
Comparações e o medo de “virar uma Venezuela” já davam sinais no Brasil ao longo dos anos 2000
Crise econômica
Ruiz ainda argumenta que a crise econômica enfrentada pela Venezuela desde 2014 serviu para impulsionar ainda mais a narrativa criada por esses setores políticos conservadores da região, que tentam vincular a situação econômica do país com qualquer proposta progressista.
Dependente da renda petroleira proveniente do comércio da matéria prima de maior abundância no país, a Venezuela entrou em crise quando o preço do barril despencou e os EUA adotaram uma política de sanções que, ao longo dos anos, formaram um bloqueio comercial e financeiro em torno do país. Com a produção de petróleo em baixa e isolada pelas sanções, a Venezuela sofreu uma redução de mais de 86% do seu PIB nos últimos dez anos, segundo dados do FMI.
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Para Ruiz, o mecanismo por trás da narrativa conservadora contra a Venezuela funciona como uma prática falsificadora da realidade que busca simplificar a complexidade e as origens da crise venezuelana, sugerindo que o modelo socialista ou governos com tendências socialistas estão inevitavelmente fadados ao fracasso.
“Historicamente, a América Latina foi configurada à imagem e semelhança da democracia liberal estadunidense e do livre mercado. Nos disseram que esse era o único modelo que funcionaria e que poderia garantir desenvolvimento na América Latina. Quando se apresentam propostas alternativas, como a proposta da Venezuela, e quando esse discurso é instrumentalizado por uma nova esquerda sustentada pelos ideais do socialismo, os conservadores e a direita precisaram de uma base discursiva para identificar o inimigo ideológico”, afirmou.
Por dentro da disputa eleitoral
As comparações e o medo de “virar uma Venezuela”, apesar de terem se intensificado após o agravamento da crise venezuelana e o fortalecimento da extrema direita na América do Sul, já dava sinais no Brasil ao longo dos anos 2000.
Durante a campanha eleitoral de 2002, por exemplo, a 16 dias do 2º turno presidencial, o então candidato do PSDB, José Serra, afirmou que o Brasil poderia virar uma Venezuela caso seu rival, Lula, ganhasse as eleições. Já em 2010, quando disputava mais uma vez a Presidência, na ocasião contra Dilma Rousseff, Serra afirmou que o Partido dos Trabalhadores era “chavista”. “Chávez já declarou voto na Dilma. Chávez é dilmista, e o PT é chavista”, disse.
Com Bolsonaro, entretanto, a apresentação da Venezuela como contraponto negativo e “inimigo” ligado à esquerda brasileira passou a ser utilizada de maneira sistemática, primeiro na campanha de 2018, nos comícios, debates e entre os apoiadores do candidato. Um estudo realizado em 2018 pelo professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), Viktor Chagas, e pelas pesquisadoras Michelle Modesto e Dandara Magalhães, indicou que a expressão “o Brasil vai virar uma Venezuela” foi utilizada de maneira expressiva em grupos de WhatsApp pró-Bolsonaro para espalhar medo e reações negativas entre os eleitores.
Nos mais de 150 grupos de aplicativos de trocas de mensagens analisados, os pesquisadores puderam agrupar os principais temas abordados por apoiadores do então candidato de extrema direita sobre a Venezuela. Entre eles destacam-se a utilização do país como “exemplo negativo”, a sua classificação como um “regime fadado ao fracasso” e como parte de um “eixo do mal” que incluiria outros países governados por partidos de esquerda e também o Brasil caso o PT voltasse ao poder.
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Em entrevista ao Brasil de Fato, o professor Viktor Chagas explica que há um valor “mimético” na expressão “o Brasil vai virar a Venezuela” que “simplifica e superficializa a realidade a ponto de esvaziar o sentido dos conceitos políticos e do contexto econômico”.
“Trata-se basicamente de uma manobra retórica para apresentar a ideia de que todos os países socialistas fatalmente levarão a uma crise econômica. Mas também há uma modulação discursiva nos usos feitos sobre essa questão. Por exemplo, esse discurso que esvazia simultaneamente de sentido a democracia, os direitos humanos e, por outro lado, aproxima das democracias socialistas o aspecto da crise econômica, tem muito de uma retórica de ameaça que serve como uma espécie de ‘cartada final’”, afirmou.
O professor, entretanto, enxerga uma mudança na estratégia praticada por Bolsonaro em 2022, afirmando que com a eleição de novos governos progressistas na região, como Gustavo Petro, na Colômbia, Gabriel Boric, no Chile, e Alberto Fernández, na Argentina, a Venezuela passou a dividir os ataques sofridos com os países vizinhos.
“A campanha contra a Venezuela foi tão intensa em 2018 que ela alcançou hoje, em 2022, um certo status de ponto pacífico para a extrema direita no Brasil, de maneira que ela não precisa mais ser evocada senão como uma espécie de arquétipo absoluto dos efeitos perniciosos que um governo de esquerda com viés socialista seria capaz de imprimir a uma nação. Então, a Venezuela entra no bolo junto com outros países porque sua imagem já está muito arraigada no imaginário conservador e reacionário brasileiro”, disse.
Lucas Estanislau | Brasil de Fato | Caracas
Edição: Arturo Hartmann
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